domingo, 13 de fevereiro de 2011
Machado de Assis e as desigualdades sociais
Ivan Maciel de Andrade - advogado
Nos romances e contos da chamada primeira fase de sua produção literária, Machado de Assis assumiu uma clara atitude de contraposição às desigualdades sociais escrevendo histórias e criando personagens em que se situava ao lado dos que sofriam os efeitos das injustiças. Não havia em Machado espírito de revolta. Apenas uma discreta amargura. Descrevia realisticamente o sacrifício e a submissão que caracterizavam as relações dos dependentes (os pobres) frente aos dominadores (os proprietários, burgueses ou senhoriais). Era como se Machado pretendesse, utopicamente, convencer os dominadores a mudarem o seu modo de agir, o tratamento atribuído aos dependentes. O que correspondia em última análise a uma estratégia romântica, que partia do pressuposto de que seria possível humanizar o arbítrio dos que detinham a riqueza fazendo com que ele
fosse exercido com sentimentos de compaixão e respeito à dignidade dos desapossados. Dentro dessa ótica, na primeira fase machadiana, foram publicados quatro romances: “Ressurreição”, “A mão e a luva”, “Helena” e “Iaiá Garcia”. Não eram propriamente obras medíocres. Poderiam até mesmo garantir a sobrevivência literária de Machado de Assis. Mas sem a projeção que obteve depois de maior escritor brasileiro.
A segunda fase se iniciou com o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, publicado em forma de folhetim em 1880 e como livro em 1881. Machado de Assis, na “confortável” posição de defunto autor, assume a postura de integrante das classes privilegiadas. E passa a exibir com muita autossuficiência e de forma satírica o seu mundo, dos proprietários, dos dominadores. Isso é feito através de Brás Cubas, que não tem o menor escrúpulo em confessar (já que não pode sofrer represálias) as vantagens amorais e extravagantes que são proporcionadas por seu status. Empenha-se em demonstrar, à base do escárnio, como todos os aspectos de sua vida são decididos de acordo com interesses mesquinhos, algumas vezes sórdidos, mesmo quando finge, em sua carreira política, prestar serviços à comunidade. Nem por isso deixa de ter um belo e convincente discurso liberal.
Essas contradições da sociedade brasileira – o liberalismo teórico convivendo com a prática da escravatura – foram incorporadas de várias formas às “Memórias Póstumas”: explicitamente, mediante atitudes de Brás Cubas que, de forma cínica e hipócrita, revelam sua plena consciência de classe dominante que tem tudo ao seu alcance; de modo figurativo, pelo uso de uma técnica romanesca na qual são rompidos todos os cânones literários que orientam a elaboração de uma narrativa, tornando-a ziguezagueante, imprevisível, com intromissões constantes e injustificáveis do autor, que sempre aparece para ironicamente se valorizar e autopromover. Intervém nesse aparente desconcerto uma reflexão especulativa, filosófico-metafísica, que analisa o sentido da vida, do amor e da morte. E por meio de vários episódios jocosos ou tristes o autor apreende a realidade brasileira em todas suas manifestações: políticas, econômicas, sociais, éticas, familiares. Mas sempre a situando dentro de uma visão universal. As peculiaridades nacionais se inserem nas concepções de modernidade exportadas por nações que cometem as mais gritantes incoerências, mantendo classes que desfrutam dos avanços científicos e tecnológicos ao lado de outras tão carentes que mal conseguem sobreviver.
Em seus três romances mais importantes – não digo nos três melhores porque estaria excluindo “Esaú e Jacó” (l904), talvez o de maior densidade psicológica, e o autobiográfico “Memorial de Aires” (1908) – o personagem-narrador (“Memórias Póstumas” e “Dom Casmurro”) ou o principal personagem (“Quincas Borba”) pertencem à classe rica, dos proprietários, afeita a impor a sua superioridade e os seus caprichos. Nesses três romances, Machado projeta o seu olhar sobre a sociedade para enxergá-la do ângulo dos que exercem a dominação. Essa técnica machadiana desmascara as infâmias que são cometidas em nome de princípios civilizados. Utiliza-se para tanto de uma ótica cética, de humor cáustico, mas de refinada percepção, com que reproduz a estrutura das desigualdades sociais...
(Autor é jurista, escritor, e Membro da Academia de Letras do Rio Grande do Norte)
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Quem roubou e furtou minha identidade?
ResponderExcluirO chamariz aos condomínios
Os ninjas dos esgostos
Um convite irresistível
Vivemos segregados espacialmente
Vivemos longe do progresso
Vivemos sobrevivemos e morremos
Agora ocupo à área central da minha cidade?
Acho que sou nobre moro nos cortiços
São condomínios acreditem são condomínios
Sobrevivemos com lama,com restos de lixo,com migalhas que caem das mesas dos poderosos
Aquí é bom temos pontes
Aquí é bom temos o tão sonhado metrô de Salvador
Aquí é bom eu ganho muito
Ganho muito não
Ganho uma boneça quebrada no natal
Quando chega treze de maio comemoro por está sobrevivendo na Feben,no Carandiru,no Melo matos
Aquí é bom ,vem pra cá
Sans papiers quem roubou minha identidade?
Foi você?
Foi ele?
Foi quem?
Sou nordestino
ResponderExcluirQuerem me afogar
Em águas de secas
Uma sina
Garota
Povo
Sem sensibilidade humana