terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Brasil foi marcado pela "ochilelembya"
Cultura
O Brasil foi marcado pela "ochilelembya"
Grupo de Capoeira toca no Peloruinho de Salvador da Baía um instrumento musical de origem africana
Fotografia: Reuters
É a inevitável conclusão que se pode fazer após a leitura da obra “História e Cultura Afro-Brasileira”, de Regiane Augusto de Mattos, livro que acaba de ser republicado em São Paulo pela editora Contexto.
O Brasil ostenta uma bem enraizada essência imaterial niger.
Com 217 páginas e um suporte abertamente didáctico, que surge das imparáveis iniciativas registadas na sequência da promulgação, em 2003, da lei de ruptura que tornou obrigatório o ensino da evolução histórica e das realidades culturais africanas e afro-brasileiras nas escolas, o manual é articulado numa sucessão cronológica absolutamente justa em quatro grandes capítulos que apresentam “As Sociedades Africanas”, “O Tráfico de Escravos”, “Os Africanos no Brasil” e “A Cultura Afro-Brasileira”.
No livro encontramos desenvolvimentos e sínteses sobre vários povos e formações políticas de África, tais como os reinos do Congo, Loango, Andongo, Libolo, Luba e Lunda.
Essas sinopses são acompanhadas de exercícios pedagógicos inteligentes. A autora, apanhada pela “ochilelembya” (alma, em umbundu), inicia a sua obra com a famosa tirada poética de Agostinho Neto “Aspiração”. A autora escolheu, muito voluntariamente, esta peça que contém bantuismos muito dicionarizados no português do Brasil, tais como: congo, batuque, quissange, marimba e sanzalas.
Cambinda Estrela
A intangibilidade é confirmada no acervo bibliográfico que a autora utilizou. Encontram-se aí estudos tais como “Os Rosários dos Angolas”, de Lucilene Reginaldo, “História da festa de coroação de Rei Congo” e “Cafundo, a África no Brasil”, de Carlos Vogte Peter Fry.
São locutores bantu que constituiram a maior parte da mão-de-obra cativa em várias regiões da colónia portuguesa da América meridional, introduzidos com picos de congos/angolas, no século XVII. Neste duo genérico sobressaíam os Cacondas, Cassanges ou Cacanjes, Cabindas, Benguelas, Monjolos (Holos?) e Rebolos.
A memorialista, actualmente conservadora no Museu Afro-Brasileiro, insiste em mencionar um testemunho precioso, o do alemão Johann M. Rugendas, que esteve no Brasil na primeira metade do século XIX e que notou e restituiu, em várias estampas, a semelhança física entre os Congos, os Angolas e os Rebolos. São eles que vão influenciar decisivamente a evolução social e política do Brasil, na sequência do cruzamento de conjunto de resistências tenazes de várias formas. Uma dessas expressões de oposição, que contribuiu para a interdição da escravidão no Brasil, foi a organização dos quilombos.
O termo quilombos, atestado no sistema de concordância das línguas da África Central, Oriental e Austral, estabilizou-se no sentido de acampamento, campo ou terreno cercado ou protegido, lugar onde se acampa. Deu, em kikongo, lumbu, em kimbundu, kilombo, e em umbundu, elombe.
A investigadora paulista aponta, entre centenas de territórios livres que foram organizados no subcontinente esclavagista, uma dezena, sobretudo nas áreas mineiras: no Matto Grosso, Grão Pará, Maranhão, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Curukango, no Rio de Janeiro, no Buraco de Tatu, na Baía, Palmares.
O popular Maxixe
Foram estes núcleos de liberdade que fortaleceram o contínuo linguístico e antropológico africano no Brasil. O facto de terem sido extraídos mais cativos na África centro-ocidental (do actual território angolano), fez com que as expressões culturais afro-brasileiras tenham um forte perfil bantu. Regiane Augusto de Mattos, que trabalha actualmente sobre Moçambique, outra terra dos Bantu, aconselha a reter a prática, massiva, ritual, medicinal e coreográfica do calundu, verificada no século XVII no Brasil com os candomblés angolas, o privilégio concedido aos africanos da nação Angola de ocuparem os cargos de direcção das irmandades da Nossa Senhora do Rosário e a exclusividade reservada em Salvador aos angolas e crioulos de integrarem a ordem.
Essas disposições específicas partiram do Ndongo e da Matamba, onde, no século XVII, o capuchinho António de Gaeta, primeiro confessor da Rainha Nzinga, fundou uma agremiação dedicada à devoção da Nossa Senhora do Rosário, que teve representações em várias localidades, tais como Cassange, Quissama e Massangano.
A pedagoga leva igualmente a fixar dezenas de expressões linguísticas, religiosas ou artísticas, tais como a umbanda, cuja ligação em kimbundu e umbundu é similar e em kikongo, kimbanda.
A autora remete também para se inculcar a etimologia do samba, que significa, claramente, nas línguas bantu, movimento pélvico. A reter a presença, no maracatu carnavalesco, em Pernambuco, nos anos 50 do século passado, do grupo Nação Cambinda Estrela. A autora refere-se às composições sambistas “Benguele” elaboradas em 1946 por Pixinguinha.
De realçar o extraordinário sucesso, no final do século XIX, do “maxixe”, que saiu dos bailes populares e conquistou os salões frequentados pelas classes alta e média cariocas, e foi, até mesmo, levado para a Europa.
O livro “História e Cultura Afro-Brasileira” prova, uma vez mais, a força de intercalação, em circunstâncias extremamente difíceis, das manifestações linguísticas e antropológicas angolanas no Brasil.
A obra confirma que uma substancial parte do famoso alento brasileiro partiu do Quadrilátero e que as duas nações atlânticas estão vocacionadas para manter laços de estreita fraternidade.
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