terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
As raças não existem... Mas o racismo sim
Entrevista
José Costa de Assunção Barros
As raças não existem... Mas o racismo, sim!
Com um vasto currículo, historiador, ao relembrar fatos polêmicos da nossa história, como a da escravidão negra vinda da África, faz declarações polêmicas com relação à desigualdade, violência nas universidades do país e outros temas relacionados às artes e às cidades
Por Flávia Bastos
José Costa D' Assunção Barros e suas obras
Relembrar fatos, contar história, destacar acontecimentos não é tarefa para qualquer um. Mas, para o historiador dono de um doutorado na Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ) não parece ser um grande desafio. José D'Assunção Barros é historiador, professor de História e autor dos livros O Campo da História (2004); O Projeto de Pesquisa em História (2005); Cidade e História (2007); A Construção Social da Cor (2009) – que traz informações preciosas e reveladoras sobre a época da escravidão negra, trazida dos países africanos; e Teoria da História (2011) – em quatro volumes; além do livro Raízes da Música Brasileira (2011).
Entre diversas pesquisas, dissertações e teses, José Barros se aprofundou também em temas como História da Arte, Cultura, e estudos voltados ao Cinema e à Música Erudita. Além disso, é autor de diversos artigos publicados em revistas e jornais especializados, com temas passando por diferenças e igualdades em que demonstra o preconceito como um componente destruidor para a evolução e democracia de um país em busca da evolução. Nas próximas páginas ele comenta questões importantes, como a do sistema de cotas nas universidades, em que defende uma revisão do tema: “a forma de cotas deveria ser pensada mais nos aspectos de divisões sociais geradas pela riqueza e pobreza. E não na questão étnica”, que, segundo ele, “não existe”. José Barros fala, ainda, da história das ideias, poesia e poder – ao qual atribui um forte instrumento capaz de grandes transformações.
Conheça mais sobre seus projetos na entrevista que concedeu, exclusivamente, para a revista Leituras da História:
Leituras da História – O sr. tem um estudo sobre “Desigualdades e Diferenças” transformado em artigo para universidade de Lisboa, sob o título Igualdade, Desigualdade e Diferença: em Torno de Três Noções. Quais seriam essas noções?
José D'Assunção Barros – Nesse estudo, começo a desenvolver uma reflexão conceitual que mais tarde iria possibilitar a elaboração de um dos meus livros: A Construção Social da Cor. O objetivo deste artigo publicado na revista Análise Social, de Lisboa, foi discutir as relações entre as noções de igualdade, desigualdade e diferença, e, sobretudo, mostrar que frequentemente confundimos desigualdades com diferenças, e vice-versa. Principalmente, interessei-me em mostrar que, em diversas ocasiões, essa confusão pode fortalecer violências simbólicas ou efetivas e, às vezes, fazem parte de sofisticados projetos de dominação e opressão a certos grupos sociais.
Por exemplo, homens e mulheres constituem duas “diferenças” básicas relacionadas ao gênero; se pensarmos nessas diferenças como desigualdades, cometemos uma violência. Na Idade Média, a filosofia escolástica de Tomás de Aquino concebia a mulher como um “homem inacabado”. O que essa leitura filosófica fazia era, precisamente, reler uma diferença como desigualdade. A singularidade feminina é, nesse caso, aferida em comparação com especificidades masculinas, sem considerar a mulher como uma diferença. A “escravidão” é, na verdade, uma desigualdade, pois o escravo é o ser humano que perdeu a liberdade – um indivíduo não “estava” escravo, mas “era” escravo. Esse deslocamento de uma categoria que deveria se relacionar a uma circunstância – uma desigualdade –, para uma categoria que se refere a uma essência – o que remete a uma diferença –, era a base imaginária desse cruel sistema de exploração que foi o escravismo.
“Um indivíduo não ‘estava’ escravo, mas ‘era’ escravo. Esse deslocamento de uma categoria que deveria se relacionar a uma circunstância para outra que se refere a uma essência era a base imaginária desse cruel sistema de exploração que foi o escravismo”
José D’Assunção Barros
Nesse sentido, a escravidão moderna foi muito mais violenta que a escravidão praticada nas sociedades antigas. Estas reconheciam a escravidão como uma “desigualdade radical”, enquanto que as sociedades modernas tendiam a ver os escravos capturados na África como uma diferença. O escravo, na maior parte do período colonial, não era apenas o “estrangeiro absoluto” dos antigos gregos, mas perdia até mesmo a sua humanidade mínima. Existe tanto uma violência ao deslocar diferenças para o âmbito da desigualdade, como também ao deslocarmos desigualdades para o campo das diferenças.
LDH – E o problema histórico da escravidão de africanos nos tempos do Brasil Colonial e do Brasil Império?
JDB – Escrevi alguns artigos sobre a questão do escravismo nas sociedades modernas. Depois, a minha pesquisa em torno desse tema adquiriu maior fôlego e resultou em um livro que publiquei em 2009: A Construção Social da Cor. Neste livro, procuro examinar o problema do escravismo a partir do referencial teórico, que acabei de citar. A escravidão moderna, inclusive no Brasil Colonial e no Brasil Império, ergueu-se sobre a leitura de uma desigualdade radical (a escravidão) como “diferença”. Nesse sistema, passava-se a associar “negro”, “africano” e “escravo”, e a enxergar como uma “diferença” o indivíduo aprisionado por esse entrelaçamento de categorias. Os abolicionistas, nos seus libelos antiescravistas, precisaram desconstruir esse discurso que convertia o escravo em diferença. O africano ou afrodescendente escravizado não “era” escravo, como sustentavam os setores mais opressivos do sistema escravista, mas “estava” escravo.
LDH – Fale mais sobre esse trabalho...
JDB – No livro, procuro mostrar, acompanhando diversos autores recentes, recentes, que a visão da humanidade como se estivesse dividida em “raças” é apenas uma construção social e cultural. As pessoas se acostumaram – e aprendem isso todo o tempo – a enxergar, no conjunto dos seres humanos, raças baseadas em critérios relacionados à aparência física, dos quais o mais marcante é a cor da pele. Contudo, falar em homens brancos e negros é mera construção, não é um dado natural. As raças, na verdade, não existem – nem no sentido biológico, nem no sentido antropológico. Em contrapartida, o racismo existe! Esse é um dos paradoxos mais impressionantes das sociedades. O racismo é uma realidade social, uma vez que as pessoas se acostumaram a enxergar a sociedade como sendo dividida em raças e isso acaba estruturando as suas maneiras de se relacionarem uns com os outros. Na obra, procuro mostrar como foi se estabelecendo, historicamente, essa maneira de ver as coisas – e quais as contradições daí decorrentes.
LDH– Qual a lógica dos termos “diferença negra” e “diferença escrava” – utilizada pela elite senhorial?
JDB – A “diferença negra” é uma construção, pois, na época em que foi implantado o tráfico negreiro, os africanos não se viam como negros; eles se viam reciprocamente como zulus, ibos, tekes, nuers, e centenas de outras identidades africanas que são bem vivas ainda hoje no continente africano. Todavia, para o sistema escravista funcionar, era preciso superpor a essas várias identidades africanas uma identidade maior, a “diferença escrava”.
LDH – Em sua opinião, ainda existe preconceito dessa forma no país? Como ele atrasa a evolução das pessoas e da comunidade?
JDB – Claro. Acreditar que existem raças, e, mais, que existe uma hierarquia de raças, umas mais capazes que outras, não pode, senão, atrasar ou prejudicar o desenvolvimento de uma sociedade como a nossa, cuja maior virtude é a diversidade e a riqueza genética. O talento, a capacidade, o caráter, a inteligência, a criatividade – nada disso está atrelado ou hierarquizado de acordo com a aparência física, com o sexo, com a procedência. Quando agimos orientados pelo preconceito, prejudicamos o livre afloramento daquilo que há de melhor em cada um dos diversos seres humanos; reduzimos as possibilidades de esse ser humano atuar livremente e em um regime de plena igualdade. O preconceito bloqueia talentos, tolhe as oportunidades de indivíduos que poderiam prosperar mais, conduz sempre as mesmas pessoas ao poder político, perpetua desigualdades.
“Os filmes brasileiros produzidos nas últimas décadas têm conseguido partilhar as salas de exibição com os filmes estrangeiros, em especial os americanos, que possuem toda uma máquina de apoio por trás de sua produção e divulgação”
Copyright © 2010 - Editora Escala Ltda. - Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução total ou parcial deste website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Pesquisar este blog
Seguidores
Arquivo do blog
-
▼
2012
(1134)
-
▼
fevereiro
(169)
- Peru tem que aprender de Cuba na educação
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, artísticos e...
- Curso de Especilaização "Latus Sensu"Educomunicação
- Dilma afirma reconstruirá estação na Antártica
- Dicionário é processado por preconceito
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Brasil foi marcado pela "ochilelembya"
- Estudante candense detido em Dourados
- Consequência da Semana de 1922, no Ceará
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Biblioteca do IEB - USP recebe acervo da professor...
- Museu do Ceará
- Em Portugal a luta contra o abandono escolar
- santa sensual
- Na Roça
- Varanda
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Vôo da Minerva
- Nelson Mandela foi hospitalizado
- Morreu porque era negro
- A urbanidade entre o surreal e o expressionismo
- A Noite
- Delírio
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Faleceu o cantor brasileiro Peri Ribeiro
- Ama-me sem me suportares
- Festival Literário de Madeira
- Biólogos russos revivem uma plantas extinta há anos
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- USP é a Universidade que mais forma doutores no Mundo
- Entidades e Políticos criticam "Projeto Avatar" no...
- OAB-SP organiza congresso em homenagem ao Dia das ...
- Crise do capitalismo global
- Fatos Históricos, Políicos, Sociais, Artísticos e ...
- Professor Dr. Antonio Carlos Mazzeo no IBILCE/UNESP
- Centros Academicos de Laos aumentam compromisso co...
- A obra em que Darcy Ribeiro desafia o Brasil
- Campeã do carnaval de 2012 do Rio de Janeiro
- Voltaire e Carolina Mathilde uma história de amor ...
- Unesp sobe 116 posições em ranking internacional
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Mocidade Alegre comemora o título do Carnaval Pau...
- Livro marca retorno de escritor americano ao roman...
- Os carperos deram um ultimato ao governo Lugo.A qu...
- Prof.Dr. Fábio F. Vilela convida a todos para pale...
- A Engenharia da Cooptação e os sindicatos no Brasi...
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Pelé fala da preparação do país para o Mundial
- Palestra de Dr.Carlos Abib Cury
- Professor Antonio Carlos Mazzeo faz palestra no IB...
- Filhos de Gandhy pede fim da violência contra as m...
- Porto Submerso: desafios para o patrimônio portuár...
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Sesc TV, documentário sobre Marighella
- PCB - Partido Comunista Brasileiro, não vai disput...
- Análise Trotskista sobre a Grécia
- Previdência Social e Fundo de Pensão: mais um golp...
- alma literária
- Sina Nordestina
- Pedro
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Indios tupinambás mantém um movimento re resistência
- Veja o observatório da Discriminação Racial, da vi...
- Ilê Aiyê como é bonito de se vê
- Um olhar sobre o carnaval baiano
- Rússia e Cuba uma cooperação vantajosa
- Nua do carnaval
- João
- Segredo
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- ONU consagra decénio 2012/2022 aos afrodescendentes
- Ilê Aiyê homenageam aos negros do Sul brasileiro
- Para o pai de Lindemberg Alves a pena foi imoral e...
- Fatos Políticos, Históricos, Sociais, Artísticos e...
- 120 anos do maior porto da América Latina - Santos
- José Gil distinguido com Prêmio Virgílio Ferreira ...
- Filme sobre assassinatos de ciganos disputa Urso d...
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- MPLA e a sucessão em Angola
- Bahia certifica 600 Guias e Monitores para o Carna...
- Sobretaxa aos cobertores importados de Uruguai e P...
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Guido Mantega Brasil aumentará investimento...
- Cinemateca reúne em São Paulo filmes brasileiros d...
- UnB e assistência ao aluno
- Espiritualidade e Ciência - Umbanda
- Fatos Históricos, políticos, sociais, artísticos e...
- Manuel Quirino Em 14 de fevereiro de 1923 - Mor...
- Fundação de Cultura confirma cinco show do MS Cant...
- PT Mistura estação e incomoda Dilma e Militantes
- Patrice Trovoada fala na Construção de um porto em...
- Fatos Históricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- Liga árabe pede a intervenção da ONU na Síria
- A Grécia atual
- Para Gary Sthal ainda há muito o que fazer na Amaz...
- Ela foi hospedar no Céu
- O caminho é este
- Sociedade Anônima
- Fatos Hístóricos, Políticos, Sociais, Artísticos e...
- São José do Rio Preto-SP, realiza a sua 1a. Confer...
-
▼
fevereiro
(169)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
opinião e a liberdade de expressão