RITA SIZA
Alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados preocupado com "estigmatização" e "discriminação étnica" dos candidatos a asilo político.
No mês passado, António Guterres visitou refugiados sírios na Bulgária
REUTERS/STOYAN NENOV
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Imigração
A nova lei de imigração proposta pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron, poderá dificultar a vida dos refugiados e candidatos a asilo político que buscam segurança no Reino Unido – e, pior ainda, corre o risco de alimentar o preconceito e a discriminação étnica, lançando um estigma sobre as comunidades estrangeiras, criticou o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), António Guterres.
As alterações propostas à legislação, actualmente em discussão no parlamento de Londres, apertam as regras para a atribuição de subsídios aos imigrantes e aos cidadãos comunitários que pretendam instalar-se na Grã-Bretanha, e que só serão elegíveis para o pagamento de prestações e apoios sociais se comprovarem o valor dos seus rendimentos. Também prevêem que os recém-chegados ao país sejam obrigados a pagar por serviços públicos gratuitos e universais, nomeadamente no serviço nacional de saúde.
Mas é o tratamento reservado aos imigrantes ilegais que está a gerar maior controvérsia: as regras tornam-se ainda mais duras, e aqueles que vivem no Reino Unido sem visto ou documentos ficarão impedidos de manter contas bancárias ou de assinar contratos de arrendamento. Os critérios de deportação também serão revistos, de forma a “facilitar” o repatriamento de clandestinos.
O objectivo desta revisão legislativa, explicou o responsável pela pasta da imigração do Governo de coligação, Mark Harper, é “acabar com o abuso dos serviços públicos por parte de quem acaba de chegar, limitar os motivos que incentivam os imigrantes ilegais a procurar o Reino Unido, e facilitar a expatriação dos indivíduos que por direito não deviam estar no país”.
O debate público sobre o projecto do Governo tem vindo a ser dominado (e altamente influenciado) pelo fim iminente das “barreiras” que ainda impediam a livre circulação e o acesso ao mercado de trabalho comunitário dos cidadãos da Bulgária e da Roménia, sete anos após a entrada daqueles dois países na União Europeia. Sob pressão política da direita populista do partido independentista UKIP, e da ala eurocéptica da bancada conservadora, o Governo tem vindo a endurecer o seu discurso anti-imigração.
“O alto-comissário para os refugiados teme que, a serem introduzidas na lei, estas medidas contribuam para criar um ambiente de incompreensão e discriminação étnica”, pondo em causa as perspectivas de integração de refugiados, exilados políticos, apátridas e “outros beneficiários de protecção”, lê-se num documento interno sobre a proposta legislativa de Cameron, a que o The Guardian teve acesso.
A ministra do Interior no governo sombra trabalhista, Helen Jones, e o comité parlamentar para os assuntos internos tinham já alertado para o carácter possivelmente discriminatório de várias das novas regras, que podem levar, por exemplo, a que cidadãos britânicos de diferentes comunidades étnicas sejam indevidamente sinalizados por senhorios como ilegais, apenas pelos seus traços físicos.
Nas suas críticas à lei, o ACNUR antecipa dificuldades acrescidas para os refugiados, que correm o risco de ser apanhados na “rede” montada contra os imigrantes ilegais, e que poderão ser “estigmatizados pela opinião pública”. A equipa de Guterres, que concorda com muitas das críticas políticas feitas à lei, aponta ainda para os procedimentos burocráticos e administrativos impostos aos imigrantes, e que são descritos como “um fardo adicional” para o processamento dos pedidos de asilo por parte de indivíduos e famílias fragilizadas. “O tipo de documentação que estas pessoas possuem é muito complexa e variada, e é muito provável que senhorios e outros fornecedores de serviços não compreendam a legalidade do seu estatuto”, alerta o relatório.
ACNUR pede ajuda para refugiados sírios
No imediato, o ACNUR está preocupado com a possibilidade de acolhimento de refugiados sírios no Reino Unido. A oposição trabalhista desafiou o Governo a responder aos apelos das Nações Unidas e receber entre 400 e 500 vítimas da guerra na Síria que têm ligações familiares com residentes ou cidadãos britânicos. Países como os Estados Unidos, França, Alemanha, Suécia e Austrália já acederam ao pedido e autorizaram a reunião das famílias – uma medida que para já abrange cerca de 10 mil pessoas.
O ministério do Interior respondeu que o Governo britânico já canalizou mais de 500 milhões de libras para a resposta humanitária e assistência às vítimas da guerra civil da Síria, e segundo Mark Harper “continua comprometido em desempenhar um papel importante nos esforços humanitários que estão a ser desenvolvidos pela comunidade internacional”.
Como notou António Guterres, os refugiados sírios precisam de “bem mais do que apoio financeiro, económico e técnico. Precisam de uma solução para os seus problemas fora da região, o que implica que os países accionem mecanismos como a reunificação familiar, a admissão humanitária ou o realojamento extraordinário”, enumerou.
“Na nossa opinião, essa não é a melhor maneira para o Reino Unido fazer a diferença na vida dessas pessoas, nem deve ser esse o foco da nossa atenção neste momento”, comentou o governante.
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