26/11/2010
Fonte: Zero Hora - Impresso
Sempre que vejo imagens dos haitianos devastados pela cólera, poucos meses depois de um terremoto que arrasou com a pouca estrutura do país, lembro de um sul-africano chamado Kevin Carter (1960 1994). Um dia, ao caminhar perto de uma vila no sul do miserável Sudão, Carter teve sua atenção despertada pelo som de uma criança choramingando. Viu a menina e percebeu que ela tinha se abaixado para um rápido descanso da caminhada entre sua casa e um centro de alimentação. Carter preparou sua máquina e ficou ali, à espera de um ângulo para fotografar a menina. Fez isso depois de 20 minutos e sua foto entraria para a história como uma das imagens mais chocantes e impactantes da África. Ela mostra a criança abaixada, em primeiro plano, e ao fundo um abutre. O impacto da foto está em sua mensagem subliminar: não se sabe se o abutre está à espera da menina ou apenas atraído pelo lixão do local. Carter esperou 20 minutos porque tinha esperança de que a ave abrisse suas asas, mas diante da demora clicou assim mesmo. A foto foi vendida ao The New York Times e publicada em 26 de março de 1993. A repercussão foi arrasadora. Durante toda a noite, as linhas telefônicas do jornal ficaram congestionadas por pessoas aflitas, que queriam saber se a menina tinha sobrevivido e se Carter espantara o abutre. Sim, respondeu o jornal, o fotógrafo afastou a ave e, mesmo que não o fizesse, a menina ainda tinha forças para completar a caminhada até o centro de alimentação. O jornal só não sabia dizer o que acontecera com a criança depois da foto. Um ano mais tarde, Carter ganhou a distinção mais cobiçada de fotografia, o Prêmio Pulitzer por Recurso Fotográfico, na Universidade de Colúmbia, em Nova York. Naquele mesmo ano, ele dirigiu até um local de sua infância, desviou a mangueira do escapamento para o interior do carro e se suicidou. Conta a lenda que o trauma pela foto o levou a isso, mas havia mais problemas atormentando o fotógrafo. Em um bilhete de despedida, ele revela que estava sem dinheiro, sem telefone, sem amigos e castigado por lembranças de assassinatos, cadáveres, raiva e dor. Nos 15 meses entre a foto no Sudão e o suicídio, Carter sofreu com as críticas e o debate do velho dilema do fotógrafo: fazer logo o registro ou interferir no fato? Nem sua garantia de que espantou o abutre serviu para acalmar os críticos. Por que a foto causou tanto impacto e rejeição a Carter? Todos conhecem a miséria da África, todos acompanham há muito tempo histórias de crianças mortas de fome e sede em países como o Sudão, por que então a foto escandalizou tanto? Simples: é que todos se viram ao lado de Carter, olhando pelo visor da máquina. Ao apertar o disparador, ele trouxe a miséria para dentro da casa de cada um e poucos o perdoaram por isso. Talvez muitos tenham ajudado a África depois do choque provocado por aquela foto, mas não importa: a dor e a imagem do abutre à espreita abalaram a moral de cada um. Carter hoje fotografaria o Haiti e seus muitos abutres. Toda aquela comoção da fase do terremoto, a mobilização de artistas e governos, foi reduzindo-se aos poucos. Foi dia 12 de janeiro deste ano, mas dá a impressão de que foi há muito tempo. Em meio à destruição do pouco que tinham, os haitianos agora convivem com a cólera, que surge exatamente desta miséria em que vivem. Há representações de países trabalhando por lá, mas o esforço é quase nada comparado ao que o mundo poderia fazer. É que o impacto, neste mundo de informação rápida, costuma durar apenas 48 horas, como disse o promotor americano a uma repórter condenada por não revelar sua fonte, no filme Nada mais que a Verdade. As 48 horas do Haiti já passaram e poucos se oferecem para afugentar o abutre.
©UN
Plugar Informações Estratégivas S.A
Essa é a foto de Carter
Tela da Reflexão
Até quando vamos nos chocar com o sistema que produz, essa violência humana e continuar a sustentá-lo, com toda instrumentalização, que causa a o mundo, guerras, conflitos, desigualdade,desrespeito, a superioridade etnico racial, e a idéia de Deus absoluto, que abandono o próximo, como senão fosse nosso semelhante. Até quando?
Será que outros Carter, vão ter que suicidar, atormentado pela consequência de um sistema? Isto é para que possamos refletir, são perguntas que geram inumeras interpretações e darão até teses acadêmicas, mas a solução imediata para o mundo é o x da questão.
Sem um socialismo que respeitem as diferenças, que estabeleça a liberdade, que seja construido com a solidariedade, com o sentimento do amor mais nobre que possa parecer, não vejo outra solução.
Manoel Messias Pereira
professor
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