sexta-feira, 17 de junho de 2011

Aonde você guarda o seu preconceito





Aonde você guarda o seu preconceito???



Para escrever este artigo, tentei me despir ao máximo de minhas vestes de convicções inabaláveis. Peço aos meus seis leitores que também façam o mesmo, leiam este texto prescindindo suas crenças religiosas, sociais, culturais. Se não conseguirem extirpar definitivamente, peço que ao menos momentaneamente ESQUEÇAM SEUS PRECONCEITOS.


Há pouco mais de um mês, precisamente na data de 05/05/2011, nossa Corte Maior, o Supremo Tribunal Federal reconheceu por unanimidade a união estável entre pessoas do mesmo sexo, as chamadas uniões homoafetivas.


Na prática, diferentemente do que muitos acreditam, o objetivo da Suprema Corte não foi outorgar o direito à celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo - o que ainda não é permitido - mas simplesmente regulamentar uma situação fática que ocorria até então. A partir de agora, companheiros em relação homoafetiva duradoura e pública terão os mesmos direitos e deveres das famílias formadas por homens e mulheres.


Reconheceu-se, portanto, existir uma nova modalidade de família, já que até então nossa Constituição da República reconhecia apenas a família formada pelo casamento, pela união estável e a família monoparental, que é aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes.



O reconhecimento dessa quarta modalidade de família, formada por pessoas do mesmo sexo irá facilitar a distribuição justa de direitos patrimoniais, usando as palavras do ministro Ricardo Lewandowski vai “retirar tais relações que ocorrem no plano fático da clandestinidade jurídica, reconhecendo a existência do plano legal enquadrando-o no conceito abrangente de entidade família”.


Lendo os pareceres dos ministros do Supremo sobre a temática, dois em especial me chamaram a atenção:


Ministro Luis Fux: “A homossexualidade não é crime. Então porque o homossexual não pode constituir família? Em regra por força de duas coisas abominadas pela Constituição: a intolerância e preconceito”.


Ministro Joaquim Barbosa: “Estamos aqui diante de uma situação de descompasso em que o direito não foi capaz de acompanhar as profundas mudanças sociais. Essas uniões sempre existiram e sempre existirão.”


Divaguei até agora apenas pelos aspectos jurídicos. Mas como a humanidade não é conduzida apenas por códigos e leis, incumbe a mim a árdua missão de humanizar este artigo. Sabemos que o conceito de vida extravasa e pormenoriza todos estes aspectos legais e que por mais sábia que seja a lei ou por mais inspirado que esteja o legislador, ambos jamais irão conseguir contemplar o espírito e a alma das pessoas. Sentimentos, lágrimas e amor, são conceitos difíceis de serem materializados em um amontoado de papel.


Como conselheiro de uma ONG que trata da vertente da discriminação racial, tive a oportunidade de participar de uma campanha nacional intitulada “Aonde você guarda o seu preconceito? Não guarde, jogue fora”. Lá assisti a um vídeo de uma menina de quatro anos, que dizia que ela e a mãe detestavam “preto.”
Depois de assistir esse e outros vídeos, me lembrei de uma época da minha infância. Quando tinha seis ou sete anos perdi a noção da quantidade de vezes que fui aporrinhado com as frases: “crente da bunda quente, escova o dente com detergente”, ou “crente da bunda quente, caiu de boca e quebrou o dente” e mesmo sendo uma criança me questionava por que as pessoas agiam daquela forma.


Hoje os evangélicos divididos em diversos seguimentos (pentecostais, neopentecostais e carismáticos) representam a maioria das pessoas que professam uma religião em nosso país, sendo fácil – diferentemente do que era – se intitular um fiel. Desde então o preconceito migrou e se acentuou para os seguidores de religiões de matrizes africanas, que mesmo nos hodiernos dias encontram severas dificuldades em serem aceitos e respeitados. A intolerância religiosa é sem dúvida a mais nociva forma de preconceito.


Sobre esta forma de intolerância, José Saramago denominou este ódio recíproco fundado em valores religiosos como “O Fator Deus”:

“De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus”.

Infelizmente, somente há poucos anos me dei conta de que sou muito mais ignorante do que pensava. Descobri que algumas palavras possuem significados muito diferentes do que imaginava. Por exemplo, a palavra heresia em grego significa escolha. As palavras macumba - que utilizei centenas de vezes de forma pejorativa e de deboche – significa “festa de tambores”, Saravá, significa “paz”.


A expressão “saravá aiê aba” me foi dita pela primeira vez, ao final de uma reunião, após uma calorosa discussão gerada por divergências de idéias sobre o calendário de eventos que iríamos adotar no dia da consciência negra (20 de novembro); confesso em que cuidei tratar de uma maldição, uma mandinga da “braba”. Mas estudando o dialeto banto descobri que aquele pai de santo simplesmente tinha dito para mim “ a paz esteja contigo”.


Seja qual o preconceito que for - contra católicos, protestantes, umbandistas, kardecistas, budistas ou mulçumanos, negros, brancos, orientais, indígenas, imigrantes, nordestinos, gays, lésbicas, bissexuais, (trissexuais ou tetrassexuais se inventarem uma nova forma de se relacionar), pobres, ricos, todo preconceito em si é gerado pela intolerância e pela falta de informação.


Voltaire, em seu Dicionário Filosófico, se questionava: “O que é a intolerância?” E, respondia: “É o apanágio da humanidade. Estamos todos empedernidos de debilidades e erros; perdoemo-nos reciprocamente nossas tolices, é a primeira lei da natureza”.
Intolerância esta que é gerada pelo medo de se deparar com o diferente e ser surpreendido com algo novo e que não se tenha uma resposta imediata. Esse sentimento que levou Cristo a ser preso e acusado de estorvar o trabalho da Santa Madre Igreja, fazendo em seu nome. E, também, em nome de Deus, muitos a serem perseguidos, torturados e queimados vivos como Joana D’arc e centenas de outras mulheres na época da Inquisição, intolerância que levou os trabalhadores a destruírem as máquinas na Revolução Industrial, que levou Hitler ao genocídio de milhares de judeus com o holocausto, que levou o regime da Apartheid a vigorar por décadas na África do Sul e que até então tinha motivado nossos legisladores a se manterem silentes em relação à questão homossexual.


Deixo a cada um de vocês, o fado de se questionarem: “Aonde eu guardo o meu preconceito?”, tendo a certeza, de que por mais convicto que você esteja, por mais lúcido que você se apresente em determinado assunto, sua autonomia cultural não pode superar a vida humana.



Desenvolvi um método próprio para respeitar as diferenças, “o método das sete portas”. Ele é simples e eficiente. Quando vejo que estou com alguma divergência religiosa, política, econômica, cultural, étnica e sexual, com outra pessoa, tento visualizar que o meu modo de pensar é uma porta, mas que existem outras seis para serem escolhidas. Para que minha porta seja escolhida e que a pessoa pretira as outras seis, penso que tenho de cultivar um bonito jardim a beira da minha porta para que chame a atenção de todos os que estiverem passando. Sei que esse jardim é composto pela postura, pelas minhas atitudes e pelos meus exemplos. Se tocarem na maçaneta da minha porta é porque “posso” estar certo, se preterirem a minha porta preciso rever meus conceitos.

Se me permitem desviar um pouco do assunto, termino este artigo com a curiosa conclusão que cheguei após esse tempo de militância no combate a discriminação racial. Por combatermos um inimigo invisível, no Brasil “é muito mais fácil ser “viado” do que ser “preto”.

Lucas Simão Tobias

Advogado e diretor juridico do Conselho Municipal da Comunidade Negra de Sertãozinho




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Manoel Messias Pereira

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