sábado, 18 de junho de 2011

Indígenas rompe com o governo federal, e exigem reunião com Dilma



Cidadania Indígenas rompem com governo e exigem reunião com Dilma

Por: Anselmo Massad, Rede Brasil Atual

Publicado em 16/06/2011, 19:25

Última atualização às 19:56

São Paulo – O movimento indígena decidiu romper com o governo federal até que a presidenta Dilma Rousseff receba lideranças para dialogar. Eles acusam "descaso e paralisia" do Executivo federal em questões relacionadas a populações indígenas. Entidades ligadas à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) decidiram deixar a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).

A Apib congrega cinco associações de povos indígenas. Segundo nota publicada na página da organização, 230 desses povos relatam "graves problemas" relacionados à saúde, à criminalização, à violência contra lideranças e à lentidão no processo de demarcação de terras.

O CNPI é uma instância criada em 2006, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para funcionar como canal de diálogo entre o Executivo e os povos indígenas. Apesar desse compromisso, a gestão atual teria deixado de fazer consultas. A comissão reúne representantes das organizações regionais indígenas, membros do governo e de organizações indigenistas.

O episódio marcante, que serviu como "gota d'água", foi uma portaria do Ministério da Justiça e da Fundação Nacional do Índio (Funai) a respeito de uma das 19 condicionantes estabelecidas para a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. A resolução determina que prefeituras e o governo do estado de Roraima participem do processo de demarcação da terra indígena.

"No país, a maioria dos estados e dos municípios são governados por inimigos dos índios", afirma Francisca Pareci, representante da Apib. "Temos plena consciência disso, mas o governo fez isso passando por cima da CNPI", criticou.

Além da demarcação, julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, há outros pontos de atrito com o governo. Grandes obras públicas, como a Usina de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco, provocam impacto sobre povos indígenas.

"Não aceitamos falar com a Casa Civil nem com representante da Presidência. Dilma tem de nos ouvir", avisa Francisca. "É como se índio fosse insignificante, ninguém discute conosco", acusa. Para Francisca, a proposta de transferir comunidades para outras áreas porque os índios "estão na rota do PAC" é inaceitável.

A demanda de reunião com Dilma será seguida de reivindicações. Tudo começa com uma agenda de trabalho na qual o Palácio do Planalto assuma o compromisso de atender pleitos apresentados pelo movimento durante o Acampamento Terra Livre, mobilização que ocorreu de 2 a 5 de maio, em Brasília.

No encontro com a base do movimento, a Apib foi questionada por integrar a CNPI, que estava nas mãos do que a Funai encaminha. Francisca faz duras críticas ao presidente da fundação, Márcio Meira, acusando-o de ter tranformado o órgão em um "balcão de negócios" e de manter um discurso diferente para o governo, outro para indigenistas e outro para lideranças indígenas.

Procurada, a Funai encaminhou nota em que afirma que o presidente substituto da entidade e da CNPI, Aloysio Guapindaia, suspendeu a reunião prevista para esta quinta e sexta-feiras "em respeito à posição da bancada indígena". A fundação sustenta que a decisão dos indígenas causou surpresa.

"Desde sua criação, a CNPI conquista importantes avanços para a política indigenista nacional. O governo federal trabalha pela continuidade deste espaço democrático de diálogo com os representantes dos povos indígenas, e pela criação do Conselho Nacional de Política Indígenista, em substituição à Comissão", completa a nota da Funai.

Criada em 2005, a Apib reúne a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região (Arpipan), a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), a Grande Assembleia do Povo Guarani e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Leia a íntegra da nota:

MANIFESTO DA BANCADA INDÍGENA DA COMISSÃO NACIONAL DE POLÍTICA INDIGENISTA – CNPI

SUSPENDEMOS A NOSSA PARTICIPAÇÃO ATÉ O GOVERNO DILMA ATENDER AS NOSSAS DEMANDAS

Nós, representantes indígenas na Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI, em protesto contra a omissão, o descaso e a morosidade do Governo da Presidente Dilma Roussef em garantir a proteção dos direitos dos nossos povos, suspendemos nesta data de início da 17ª. Reunião Ordinária a nossa participação na Comissão em razão dos seguintes acontecimentos:

1º. - Resoluções das quais participamos raramente foram encaminhadas, tornando-se sem efeito e resultado concreto.

2º. Outras decisões de governo, como a reestruturação da Funai, foram encaminhadas sem o nosso consentimento, no entanto fomos acusados de ter sido co-responsáveis na sua aprovação e encaminhamento.

3º. Contrariando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que em seu artigo 6º estabelece que os governos deverão “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e particularmente, por meio de suas instituições representativas, sempre que se tenha em vista medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los diretamente”, e contrariando o próprio Decreto de criação da CNPI, o governo tem adotado medidas de flagrante violação aos nossos direitos.

O governo está determinado a construir empreendimentos que impactam ou impactarão direta ou indiretamente as nossas terras, o meio ambiente, a vida e cultura dos nossos povos, como a hidrelétrica de Belo Monte.

Nos últimos dias fomos surpreendidos por mais um ato antiindígena do Poder Executivo que publicou sem ter ouvido os nossos povos e organizações a Portaria Conjunta n° 951 de 19 de maio de 2011 que cria um grupo de estudo interministerial para elaborar ato que discipline a participação dos entes federados nos procedimentos de identificação e delimitação das terras indígenas.

Questionamos a finalidade proposta pela referida portaria cuja justificativa é atribuída à aplicação da “Condicionante nº 17 da decisão do Supremo Tribunal Federal na PET 3388”, referente à Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Não podemos entender a pressa do Governo brasileiro em se antecipar à conclusão do julgamento, sendo que o Supremo Tribunal Federal não concluiu este processo, a não ser para atender aos interesses de alguns governos estaduais, grupos econômicos e oligarquias políticas regionais declaradamente contrárias aos direitos dos povos indígenas.

Como representantes dos nossos povos na Comissão Nacional de Política Indigenista queremos tornar pública a nossa posição contrária a esta Portaria, razão pela qual exigimos a sua imediata revogação

4º. Enquanto espaço privilegiado de diálogo e interlocução com o governo para definir as políticas de interesse dos nossos povos a CNPI teve feitos importantes como as consultas regionais sobre as propostas para o novo Estatuto dos Povos Indígenas, a elaboração do Projeto de Lei do Conselho Nacional de Política Indigenista e a construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI). Porém, essas ações se tornaram até o momento sem efeito, uma vez que o governo não cumpre o compromisso de viabilizar a tramitação, aprovação e implementação desses instrumentos.

5º. A implementação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a autonomia política, financeira e administrativa dos Distritos Sanitários Especiais Indíegnas (DSEIs) não está acontecendo.

6º. A reestruturação da FUNAI não sai do papel e os problemas nas comunidades continuam se agravando. As coordenações regionais e coordenações técnicas locais não estão funcionando, e o órgão indigenista paralizou as suas ações, notadamente a demarcação das terras indígenas, os processos de desintrusão e se comporta conivente do processo de criminalização de lideranças e comunidades indígenas.

7º. A educação escolar indígena diferenciada, direito conquistado na Constituição Federal e em Legislação específica, está sendo desrespeitada. O Ministério de Educação até o momento não implementou as decisões tomadas na Conferência Nacional de Educação Indígena e nem estruturou o setor correspondente para o cumprimento destas ações.

8º. A nossa participação na CNPI tornou-se sem sentido. Só voltaremos a esta Comissão quando a Presidente Dilma Roussef e seus ministros envolvidos com a questão indígena compareçam a esta instância dispostos a estabelecer um agenda de trabalho e metas concretas, explicitando qual é a política indigenista que irá adotar para o atendimento das demandas e reivindicações que reiteradamente temos apresentado ao governo neste âmbito ou por intermédio dos nossos povos e organizações representativas como aconteceu no último Acampamento Terra Livre realizado em Brasília no período de 02 a 05 de maio de 2011.

9º. Reiteramos o nosso repúdio à forma autoritária e a morosidade com que o governo Dilma está tratando os nossos direitos e reivindicamos respeito a nossa condição de cidadãos brasileiros e representantes de povos étnica e culturalmente diferenciados, com direitos assegurados pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Como o fizemos até agora, manifestamos a nossa disposição de continuar lutando e contribuindo na construção das políticas voltadas nós, desde que estas atendam os reais interesses e aspirações dos nossos povos e comunidades.

Brasília - DF, 16 de junho de 2011.






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Manoel Messias Pereira

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