Escritor recebeu uma das mais importantes distinções literárias da língua portuguesa. Couto é o segundo
escritor de Moçambique a receber o Camões e se destaca pela inovação estilística.
O escritor moçambicano Mia Couto conquistou a 25ª edição do Prêmio Camões, um dos mais importantes prêmios literários da língua portuguesa, nesta segunda-feira (27/05). No ano passado o prêmio foi atribuído ao escritor brasileiro Dalton Trevisan e no ano anterior ao escritor português Manuel António Pina.
Mia Couto disse à agência noticiosa Lusa que ficou surpreso ao saber que tinha sido escolhido: "Não espero nunca uma coisa destas. Tenho com os prêmios uma relação de distância, não de arrogância, mas pensando que não vale a pena olhar para eles porque a gente trabalha por outra razão, que são outros prêmios mais importantes que este."
Autor de 23 livros, entre romances, contos, poesia e obras infantis, Mia Couto carimba sua escrita com marcas próprias. Destaca-se principalmente pela criatividade na linguagem: usa misturas e outras formas que a língua de Camões pode ter, principalmente no jeito moçambicano. O seu estilo fantástico conduz o leitor a várias dimensões, embora retratando questões sociais demasiado terrenas.
"Penso que um escritor que começa a piscar o olho aos prêmios fica cego, sem olho como o Camões", disse Mia Couto à Lusa. E é com os dois olhos atentos que o moçambicano observa, já há algum tempo, Ngungunhana, último imperador de Gaza, no sul de Moçambique. Na verdade, mais do que isso: Couto explora a história do rei já pensando em seu próximo livro.
Mia Couto abre um pouco a porta do processo de “gestação” da nova obra: "É sobre um personagem histórico da nossa resistência nacionalista, Ngungunhana, que foi preso por Mouzinho de Albuquerque [militar português conhecido por subjugar populações locais moçambicanas à administração colonial portuguesa] e depois foi conduzido para Portugal e acabou por morrer nos Açores".
Segundo o autor, há "uma espécie de tragédia à volta desse herói, que foi mais inventado do que real e que precisa ser retratado."
Decisão elogiada por especialistas
O brasileiro João Ubaldo Ribeiro diz que Mia Couto é um dos escritores mais importantes da língua portuguesa
De acordo com o júri, a escolha do premiado se deve à "vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e a profunda humanidade". O escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana acredita que Couto tem uma obra de "qualidade e volume" e que "não deixou nunca de experimentar novos caminhos, não se encostou a qualquer zona de conforto que tivesse já conquistado".
Diversos escritores lusófonos manifestaram apoio à escolha do júri. "A atribuição é perfeitamente merecida, este ano eu creio que o prêmio deveria ter sido atribuído a um escritor africano. Mia Couto é um grande escritor, parece-me perfeitamente justificado", declarou Vasco Graça Moura, um dos principais nomes da literatura portuguesa atual.
João Ubaldo Ribeiro, brasileiro ganhador do Prêmio Camões em 2008, disse que Mia Couto "é, sem dúvida, um dos escritores mais importantes da língua portuguesa, e esse prêmio é o reconhecimento que sua obra já há tempo faz por merecer."
O secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), Ungulani Ba Ka Khosa, em entrevista à Lusa, também classificou a entrega do Prêmio Camões a Mia Couto – que considera ser um dos 100 melhores escritores africanos do século 20 – como "uma distinção mais que merecida".
Em Moçambique, Mia Couto já recebeu os mais importantes prêmios do país. Nos anos 80 foi considerado um dos 12 melhores escritores africanos do século 20. Ele foi o segundo moçambicano a receber o Prêmio Camões. O primeiro foi o poeta José Craveirinha, em 1991.
Estreia literária foi há 30 anos
António Emílio Leite Couto, mais conhecido como Mia Couto, nasceu em 1955, na Beira, numa família originária de Portugal. No início da década de 1970, estudou Medicina na antiga Universidade de Lourenço Marques, atual Maputo, capital moçambicana.
Nessa época, ele se associou à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que atualmente governa o país africano. Depois da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, Couto interrompeu seus estudos e começou a trabalhar como jornalista. Em 1985, ingressou na Universidade Eduardo Mondlane, onde se formou em Biologia e é atualmente professor e pesquisador.
É com Raiz de Orvalho, livro de poesia publicado há 30 anos, que ele estreou na literatura. Entre suas obras mais famosas estão Cada Homem é uma Raça, Estórias Abensonhadas, Contos do Nascer da Terra, Terra Sonâmbula, A Varanda do Frangipani, O Fio das Missangas, Cronicando, O País do Queixa Andar, Pensatempos, O Último Voo do Flamingo, Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra, Venenos de Deus, Remédios do Diabo e Jesusalém.
“Espero que Mia Couto seja um dos autores de origem portuguesa tão universal como a sua própria obra, que já é [universal] hoje”, disse o filósofo português Eduardo Lourenço quando, em 2011, lhe foi entregue o prêmio que leva o seu nome.
DW.DE
Sua Opinião
© 2013 Deutsche Welle | Expediente | Contato
escritor de Moçambique a receber o Camões e se destaca pela inovação estilística.
O escritor moçambicano Mia Couto conquistou a 25ª edição do Prêmio Camões, um dos mais importantes prêmios literários da língua portuguesa, nesta segunda-feira (27/05). No ano passado o prêmio foi atribuído ao escritor brasileiro Dalton Trevisan e no ano anterior ao escritor português Manuel António Pina.
Mia Couto disse à agência noticiosa Lusa que ficou surpreso ao saber que tinha sido escolhido: "Não espero nunca uma coisa destas. Tenho com os prêmios uma relação de distância, não de arrogância, mas pensando que não vale a pena olhar para eles porque a gente trabalha por outra razão, que são outros prêmios mais importantes que este."
Autor de 23 livros, entre romances, contos, poesia e obras infantis, Mia Couto carimba sua escrita com marcas próprias. Destaca-se principalmente pela criatividade na linguagem: usa misturas e outras formas que a língua de Camões pode ter, principalmente no jeito moçambicano. O seu estilo fantástico conduz o leitor a várias dimensões, embora retratando questões sociais demasiado terrenas.
"Penso que um escritor que começa a piscar o olho aos prêmios fica cego, sem olho como o Camões", disse Mia Couto à Lusa. E é com os dois olhos atentos que o moçambicano observa, já há algum tempo, Ngungunhana, último imperador de Gaza, no sul de Moçambique. Na verdade, mais do que isso: Couto explora a história do rei já pensando em seu próximo livro.
Mia Couto abre um pouco a porta do processo de “gestação” da nova obra: "É sobre um personagem histórico da nossa resistência nacionalista, Ngungunhana, que foi preso por Mouzinho de Albuquerque [militar português conhecido por subjugar populações locais moçambicanas à administração colonial portuguesa] e depois foi conduzido para Portugal e acabou por morrer nos Açores".
Segundo o autor, há "uma espécie de tragédia à volta desse herói, que foi mais inventado do que real e que precisa ser retratado."
Decisão elogiada por especialistas
O brasileiro João Ubaldo Ribeiro diz que Mia Couto é um dos escritores mais importantes da língua portuguesa
De acordo com o júri, a escolha do premiado se deve à "vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e a profunda humanidade". O escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana acredita que Couto tem uma obra de "qualidade e volume" e que "não deixou nunca de experimentar novos caminhos, não se encostou a qualquer zona de conforto que tivesse já conquistado".
Diversos escritores lusófonos manifestaram apoio à escolha do júri. "A atribuição é perfeitamente merecida, este ano eu creio que o prêmio deveria ter sido atribuído a um escritor africano. Mia Couto é um grande escritor, parece-me perfeitamente justificado", declarou Vasco Graça Moura, um dos principais nomes da literatura portuguesa atual.
João Ubaldo Ribeiro, brasileiro ganhador do Prêmio Camões em 2008, disse que Mia Couto "é, sem dúvida, um dos escritores mais importantes da língua portuguesa, e esse prêmio é o reconhecimento que sua obra já há tempo faz por merecer."
O secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), Ungulani Ba Ka Khosa, em entrevista à Lusa, também classificou a entrega do Prêmio Camões a Mia Couto – que considera ser um dos 100 melhores escritores africanos do século 20 – como "uma distinção mais que merecida".
Em Moçambique, Mia Couto já recebeu os mais importantes prêmios do país. Nos anos 80 foi considerado um dos 12 melhores escritores africanos do século 20. Ele foi o segundo moçambicano a receber o Prêmio Camões. O primeiro foi o poeta José Craveirinha, em 1991.
Estreia literária foi há 30 anos
António Emílio Leite Couto, mais conhecido como Mia Couto, nasceu em 1955, na Beira, numa família originária de Portugal. No início da década de 1970, estudou Medicina na antiga Universidade de Lourenço Marques, atual Maputo, capital moçambicana.
Nessa época, ele se associou à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que atualmente governa o país africano. Depois da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, Couto interrompeu seus estudos e começou a trabalhar como jornalista. Em 1985, ingressou na Universidade Eduardo Mondlane, onde se formou em Biologia e é atualmente professor e pesquisador.
É com Raiz de Orvalho, livro de poesia publicado há 30 anos, que ele estreou na literatura. Entre suas obras mais famosas estão Cada Homem é uma Raça, Estórias Abensonhadas, Contos do Nascer da Terra, Terra Sonâmbula, A Varanda do Frangipani, O Fio das Missangas, Cronicando, O País do Queixa Andar, Pensatempos, O Último Voo do Flamingo, Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra, Venenos de Deus, Remédios do Diabo e Jesusalém.
“Espero que Mia Couto seja um dos autores de origem portuguesa tão universal como a sua própria obra, que já é [universal] hoje”, disse o filósofo português Eduardo Lourenço quando, em 2011, lhe foi entregue o prêmio que leva o seu nome.
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