Os mitos e a tessitura do real em Os trabalhos e os dias
por Renan Falcheti Peixoto
Sobre o Autor *
Os trabalhos e os dias
A fonte utilizada nesse trabalho é composta pelos primeiros 382 versos do poema Os trabalhos e os dias, obra do poeta Hesíodo, que viveu na aldeia de Ascra, sudoeste da Beócia[1] , por volta do ano 700 a. C. Essa parte do poema é extraída de acordo com um corte analítico tradicionalmente adotado que entende a primeira parte como um conhecimento fundamentado na sequência das narrativas míticas apresentadas (LAFER, 2006: 13), que são: o mito das duas Lutas, o mito de Prometeu e Pandora, o mito das cinco raças e a fábula do gavião e do rouxinol.
Os trabalhos e os dias tem objetivos bem claros e estes visam direcionar ao seu irmão Perses, alguns poderosos que fazem arbitragem nos centros urbanos (basileis), bem como a pequenos agricultores, conselhos e acusações elaboradas sob a égide da justiça perfeita e absoluta de Zeus. Um dos mais significantes documentos literários da Grécia Arcaica, Os trabalhos e os dias dialoga com seu mundo contemporâneo na tessitura da moral com a estrutura narrativa dos mitos com propósitos didáticos.
O conflito entre os irmãos gira em torno das terras e bens herdados do pai, imigrante da Eólia (Ásia Menor) que
deixando eólica Cime a bordo de nau escura,
fugindo, não da fartura, nem da riqueza ou da prosperidade,
mas da dura pobreza que Zeus dá aos homens
e veio habitar próximo ao Hélicon, em aldeia miserável,
Ascra, difícil no inverno, dura no verão, nunca agradável.
(HESÍODO, 2011: 98-101, versos 634-640)
O poeta sofre injustiças privadas relativas ao patrimônio paterno dividido entre seus herdeiros após sua morte. Não obstante a primeira divisão, Perses, aliciando os árbitros da justiça presentes na ágora do centro urbano (Téspias) com subornos, pretende abocanhar uma parcela maior à custa das terras de seu próprio irmão, Hesíodo.
Fartado disto, fazer disputas e controvérsias
contra bens alheios poderias. Mas não haverá segunda vez
para agires. Decidamos aqui nossa disputa v. 35
com retas sentenças, que, de Zeus, são as melhores.
Já dividimos a herança e tu de muito mais te apoderando
Levaste roubando e fizeste também para seduzir reis
Comedores-de-presentes, que este litígio querem julgar.
(HESÍODO, 2006: 23).
O nome Hesíodo entre os gregos antigos atingiu fama comparável ao do de Homero. Ambos constituíram um repertório de imagens e noções do pensamento mítico que é reconhecido e refletido pelos autores clássicos. O historiador Heródoto de Halicarnasso, por volta do ano 440 a.C em sua obra clássica de celebração dos feitos dos gregos e dos persas e das razões que os levaram à guerra, ao mencionar os dois poetas, os iguala em termos de datas absolutas e importância na constituição do conhecimento religioso grego:
Durante muito tempo ignorou-se a origem de cada deus, sua forma e natureza, e se todos eles sempre existiram. Homero e Hesíodo, que viveram quatrocentos anos antes de mim, foram os primeiros a descrever em versos a teogonia, a aludir aos sobrenomes dos deuses, ao seu culto e funções e a traçar-lhes o retrato. (HERÓDOTO, 2001: 219).
Bem como Homero, Hesíodo faz uso do dialeto jônico e compõe em hexâmetro, medida métrica de composição de versos. Ambos são aedos que transmitem em um período essencialmente não letrado um discurso poetizado da memória cultural de um povo, afinal, Toda a visão de mundo e consciência de sua própria história (sagrada e/ou exemplar) é, para este grupo social, conservada pelo canto do poeta. (TORRANO, 2007: 16).
Porém, se de Homero[2] temos pouquíssimas informações, a não ser que viveu em algum lugar da Jônia , na costa oeste do que atualmente conhecemos como a Turquia. Seu nome permanece um nome impreciso desprovido de detalhes autobiográficos, [...] um título mais que um nome pessoal. [3] (THOMAS; CONANT, 1999: 149). Diferentemente, sobre Hesíodo temos material suficiente de suas obras para espargir as brumas do anonimato.
Juntamente com Os trabalhos e os dias, a este poeta também é atribuída à autoria de outra poesia chamada Teogonia, que canta os mitos da cosmogonia, o palco dos futuros combates pelo poder dos deuses na ascensão de Zeus e a estrutura religiosa do mundo com a gênese dos deuses e suas devidas porções de influência e relações no equilíbrio perfeito da ordenação do mundo sujeito à moral da soberania de Zeus.
A obra de Hesíodo não representa a justaposição de mitos, mas a ordenação deles de acordo com um projeto de engenharia do pensamento. O que o autor nos lega não é uma mitografia compósita e arbitrária, mas um relato coerente de equilíbrio geral das narrativas e unidade de sua arquitetura.
Portanto, aqui nos interessa a narrativa mítica de Hesíodo como uma maneira de expressão do pensamento simbólico onde se elabora uma linguagem cujos elementos relacionam-se entre si e configuram uma semântica em constante referência ao processo da composição:
A decifração do mito, portanto, opera seguindo outros caminhos e responde a outras finalidades que não as do estudo literário. Visa a destrinçar, na própria composição da fábula, a arquitetura conceitual envolvida nesta, os grandes quadros de classificação implicados, as escolhas operadas na decupagem e na codificação do real, a rede de relações que a narrativa instituiu, por seus procedimentos narrativos, entre os diversos elementos que ela faz intervir na corrente do enredo. (VERNANT, 2006: 26).
As duas Lutas
Sobre Éris (Luta), obtemos sua genealogia na Teogonia[4] . Filha da Noite, a Éris é única e se caracteriza por possuir ânimo cruel e ser responsável pela geração da Fadiga, Olvido, Fome, Dores, Batalhas, Combates, Massacres, Homicídios, Litígios, Mentiras, Falas, Disputas, Desordem, Derrota e Juramento que perjurado prejudica os homens (HESÍODO, 2007: 115, versos 225-232).
Em Os trabalhos e os dias, uma Luta já não permeia o mundo terreno. Primeira das três narrativas míticas que se seguem após o proêmio, o relato das duas Lutas (Érides) expõe a duplicidade da Éris. Enquanto uma tem a mesma identidade daquela oferecida na Teogonia, estimulando a guerra e a discórdia má para os mortais, a outra, irmã mais velha, estimula a disputa positiva porque predispõe o homem para o trabalho ao coloca-lo em nível comparativo e de emulação perante o trabalho alheio a fim de auferir riqueza:
Esta desperta até o indolente para o trabalho: v. 20
pois um sente desejo de trabalho tendo visto
o outro rico apressado em plantar, semear e a
casa beneficiar; o vizinho inveja ao vizinho apressado
atrás de riqueza; boa Luta para os homens esta é;
o oleiro ao oleiro cobiça, o carpinteiro, v. 25
o mendigo ao mendigo inveja e o aedo ao aedo.
(HESÍODO, 2006: 21-23).
Como primeiro plano dos incitamentos, Hesíodo dirige esses ensinamentos para Perses, a fim de alertá-lo sobre o risco de resguardar a Luta má em seu peito, afastando-o do trabalho da terra, do armazenamento do trigo de Deméter. Pois é com o espírito malevolente da Luta que seu irmão deseja espolia-lo ao presentear os responsáveis pelos julgamentos das querelas na ágora.
Em suma, a boa luta é aquela que compele ao trabalho, à moral caracteristicamente da Idade do Ferro, do esforço físico e do suor da labuta para obter a prosperidade, enquanto a luta má é a que induz o homem à insubmissão diante da ordem estabelecida acima dele, a justiça da ordenação do mundo divino.
O mito de Prometeu e Pandora
O mito de Prometeu e Pandora é um dos mitos mais conhecidos do imaginário ocidental. O mito é abordado tanto na Teogonia quanto em Os trabalhos e os dias e está no centro de vários episódios inter-relacionados de uma história coesa (VERNANT, 1989: 23). Enquanto no primeiro poema conhecemos o primeiro jogo de enganos no sacrifício inaugural em Mecona entre Zeus e Prometeu que inaugura a relação de trocas que desembocará em Pandora, que ainda não é nomeada; no segundo temos o desenvolvimento da narração do envio da Pandora aos homens em compensação ao roubo do fogo e a libertação dos males com a abertura da caixa de Pandora.
A linhagem do titã Prometeu remete ao cruzamento do titã Japeto com Clímene, que juntamente com Prometeu, gerou Atlas, Menécio e Epimeteu. Seu nome significa astúcia previdente e ardilosa e ele age como benfeitor da humanidade, figura contestadora frente a Zeus, mesmo sem ambição à realeza olímpica. O primeiro confronto entre Zeus e Prometeu se passa em Mecona[5] , onde o titânida é responsável pela separação da porção sacrificial inaugural entre homens e deuses (HESÍODO, 2007: 131, verso 535).
O sacrifício realizado por Prometeu é o sacrifício modelar instituído para os homens em suas oferendas cruentas aos deuses, mas não só isso. O cerne do mito é a distinção das porções que marcam a diferença fundamental do estatuto humano e divino, o apartamento daqueles que sob o jugo da fome são destruídos pela fadiga do trabalho, o envelhecimento físico, a morte e os imortais, que passam jovens a perenidade.
A divisão sacrificial é ardilosa porque é uma tentativa de Prometeu de ludibriar o soberano do Olimpo na divisão das partes do boi oferendado. A parte comestível, a carne, foi ocultada sob os órgãos de aspecto asqueroso: o estômago e o couro. E os ossos do boi camuflados embaixo de apetitosa gordura. Mas a astúcia do titânida em sua armadilha para conceder aos humanos a porção comestível não supera a previsão de Zeus, aquele que engoliu a Métis[6] para escalar o poder supremo e se perpetuar nele através de uma presciência das ciladas que o porvir poderia trazer. Como punição do ardil de Prometeu, Zeus retira o fogo celeste dos homens.
Filho de Jápeto, o mais hábil em seus desígnios,
ó doce, ainda não esqueceste a dolorosa arte! . 560
Assim falou irado Zeus de imperecíveis desígnios,
depois sempre deste ardil lembrado
negou nos freixos a força do fogo infatigável
aos homens mortais que sobre a terra habitam.
(HESÍODO, 2007: 133).
Daí por diante nenhum bem será produzido pela terra sem o suor do trabalho. Tendo sido logrado por Prometeu, Zeus faz os mortais arcarem pela trama tortuosa. O homem, para conseguir seu sustento, será obrigado a batalhar o que Oculto retêm os deuses o vital para os homens;/senão comodamente em um só dia trabalharias/para teres por um ano, podendo em ócio ficar; (HESÍODO, 2006: 23, versos 42-44).
Este ato punitivo está imbricado em uma regressão dos homens ao estado da natureza, pois sem o fogo celeste para grelhar sua carne eles são condicionados a comê-la crua. O fogo é o ponto de virada entre cultura e selvageria, limítrofe entre animal e homem.
Na sequência, em resposta à retirada do fogo, Prometeu contra-ataca roubando o fogo do Olimpo. Como contra resposta, Zeus encolerizado dá aos homens Pandora, a primeira mulher entre os mortais e contrapartida final de uma relação de astúcias e troca de presentes embusteiros entre o soberano do Olimpo e Prometeu.
Pandora é moldada na argila de Hefesto e dotada de uma ambivalência. Ao mesmo tempo em que queimará os homens com cansaço, preocupações e penas, sua beleza encanta e provoca desejo. Por excelência, Pandora é um mal amável entre os homens, fruto da operação técnica de todos os deuses olímpicos que a ela forjaram ao oferecer, cada, um dom diferente.
Pandora foi dada a Epimeteu, que mesmo alertado previamente por seu irmão a não aceitar dádiva olímpica para não causar mal aos humanos, aceita o presente. Epimeteu é o inverso fraterno de Prometeu; seu nome significa ausência de métis, ao contrário do significado do nome do irmão.
A condição humana é selada inelutavelmente com este último ato. Pandora agora libertará os males presos na caixa que passarão a circular invisíveis no mundo humano.
Depois de aceitar, sofrendo o mal, ele compreendeu.
Antes vivia sobre a terra a grei dos humanos v. 90
a recato dos males, dos difíceis trabalhos,
das terríveis doenças que ao homem põem fim;
mas a mulher, a grande tampa do jarro alcançado,
dispersou-os e para os homens tramou tristes pesares. v. 95
(HESÍODO, 2006: 27).
Só resta na caixa a Expectação (Elpís). Ela reside na caixa porque seu velamento no fundo do jarro liga-se à situação humana de mortalidade, mas sem consciência de seu respectivo destino até a morte, e de meio termo entre animais e deuses:
A Elpís sozinha, dentro do jarro, dá ao homem o poder de equilibrar a consciência da sua mortalidade pela ignorância do quando e do como a morte virá para ele. Se os homens tivessem a infalível pré-ciência de Zeus, eles nada poderiam fazer com a Elpís. A Elpís é própria dos humanos e um de seus atributos, já que ela é desnecessária aos deuses, que são imortais, e também aos animais, que ignoram que são mortais. (LAFER, 2006: 73).
O mito das cinco raças
O mito das cinco raças em Hesíodo está estreitamente ligado ao mito de Prometeu e Pandora. Desta narrativa, Hesíodo extrai uma lição válida sobre as virtudes da Justiça (Díke) tanto para seu irmão Perses, quanto para os aristocratas que regulamentam os conflitos na ágora.
A primeira raça nomeada, a raça de ouro, foi criada por Cronos e se compõe dos homens guardados do envelhecimento e das aflições e desgraças humanas característica do estágio anterior ao truque prometeico e suas implicações para a vida humana da última raça, a de ferro. É a raça que tem condição de vida mais semelhantes aos seres divinos, pois são poupados do esforço do trabalho no usufruto de prerrogativas incomparáveis dentre as gerações humanas, colhedores de todos os pródigos bens de uma natureza que gera espontaneamente tudo o que lhes é necessário.
A raça seguinte, prata, é inferior à primeira de ouro e desapareceu por Zeus encolerizado com seu comportamento de impiedade religiosa e orgulho diante da soberania divina, pois eram tomados pela Hýbris (Excesso[7] ) e não oferendavam sacrifícios aos deuses, costume devido aos homens.
Na sucessão, os homens da raça de bronze. Dotados de panóplia toda de bronze e de casas feitas do mesmo metal, ignoram o trabalho da terra e se empenham exclusivamente na guerra. Seu fim não se liga à vontade suprema do deus do Olimpo, e sim pela força se suas próprias mãos em combates internos.
Na sequência, vêm os valorosos guerreiros das raças dos heróis, que, embora dedicados aos serviços da guerra como os homens da raça de bronze, são muito melhores do que estes.
A raça de ferro é a quinta raça, a qual Hesíodo pertence e da qual gostaria de ter do fado escapado. Sua condição está ligada à própria advinda com Pandora, de males e desgraças plenos sem aviso rondando o mundo: Antes não tivesse eu entre os homens da quinta raça,/mais cedo tivesse morrido ou nascido depois. (HESÍODO, 2006: 33, versos 173-174).
O relato mítico da sucessão da degradação progressiva das quatro raças humanas avatarizadas de acordo com uma hierarquia metálica de ouro, prata, bronze e ferro, é um tema comum no Oriente. O próprio relato das raças em Hesíodo parece corresponder a uma decadência sequencial do homem, da sua queda de um passado paradisíaco para as misérias e dores que afligem a raça humana no presente e que profetiza sua destruição futura. Uma condição humana de se encaminhar progressivamente para o caminho da injustiça, ao contrário da ordem divina imutável de Zeus, conquistada após sua vitória na Titanomaquia[8] e sua consolidação na soberania do universo.
Objetando esta orientação, Jean-Pierre Vernant constrói uma estrutura analítica trifuncional de pares e procura as associações e diferenças das raças de acordo com Díke (Justiça) e Hýbris (Excesso), visando articular a raça dos heróis como elemento indispensável da estrutura narrativa e não como uma peça solta e sobressalente da composição.
Esses três níveis funcionais são as três funções que o filólogo Georges Dumézil mostrou no pensamento religioso dos povos indo-europeus: a do rei, a do guerreiro e do agricultor. Com sua construção conceitual em três andares, onde um par está em cada andar, Vernant estabelece a correspondência das raças com as três funções: a raça de ouro e prata está ligada à função jurídico-religiosa dos reis, a raça de bronze e dos heróis à função guerreira e a função do agricultor, liga-se à raça do ferro, dividida em duas partes. Sua análise do mito das raças em Hesíodo mostra uma contribuição soberba para os valores sociais que a disposição da estrutura mítica comporta:
A lógica que orienta a arquitetura do mito, que nela articula os diversos planos, que regula o jogo das oposições e das afinidades, é a tensão entre Díke e Hýbris: ela não só ordena a construção do mito em seu conjunto, dando-lhe o seu significado geral, mas confere a cada um dos três níveis funcionais, no registro que lhe é próprio, um mesmo aspecto de polaridade. (VERNANT, 1990: 55).
A proposta central de Vernant é que esta sucessão das raças não está enquadrada em uma lógica temporal de sequência cronológica no paralelismo de um metal, mas sim que as raças se alternam ciclicamente de acordo com uma lógica de alternância. O mito das raças em Os trabalhos e os dias não integra em sua estrutura uma decadência contínua, já que depois da raça de bronze e antes da raça de ferro Zeus Cronida fez mais justa e mais corajosa,/raça divina de homens heróis e são chamados/semideuses, geração anterior à nossa na terra sem fim. v.160 (HESÍODO, 2006: 33).
Para encaixar a última raça na arquitetura estrutural de análise, Vernant cindiu a raça de ferro em duas partes, porque quando Hesíodo descreve-a, pronuncia o futuro desta ao anunciar que a Hýbris sobrepujará a ordem natural e moral do momento em que vive, de prevalecimento da Díke, em que a desordem prenunciará sua destruição:
graça alguma haverá a quem jura bem, nem ao justo v. 190
nem ao bom; honrar-se-á muito mais ao malfeitor e ao
homem desmedido; com justiça na mão, respeito não
haverá; o covarde ao mais viril lesará com
tortas palavras falando e sobre elas jurará.
A todos os homens miseráveis a inveja acompanhará, v. 195
ela, malsonante, malevolente, maliciosa ao olhar.
(HESÍODO, 2006: 35).
No entanto, a destruição irreversível da própria humanidade é um ponto que pode ter preocupado Hesíodo. Ora, se se reconhece que os prováveis protótipos orientais têm este elemento de degradação contínua rumo ao olvido do homem, é razoável pensar em um modelo de análise que incorpore a destruição humana. O classicista Geoffrey Stephen Kirk propõe um esquema de interpretação interessante e mais simples por incorporar este elemento do fim completo das raças dos homens e é o que se segue:
Tabela 1 Três pares das raças dispostos de acordo com suas condições relativas:
Fonte: Adaptado de Kirk (1976: 233).
Kirk adota a noção da cisão binaria da raça de ferro que Vernant efetuou em seu modelo, mas, distante de uma perspectiva trifuncional de alternância, ele configura uma sequência de três pares e adota a ideia da deterioração progressiva de par a par em seu esquema.
Enquanto a raça de ouro manifesta a justiça, dike, a de prata expõe apenas a hýbris. Alimentados pela abundância espontânea da natureza (ouro), ou nutridos por suas mães (prata), formam um par livre do trabalho e do envelhecimento: a raça de ouro deixou a vida como em sono e a de prata conhece apenas breve maturidade após 100 anos de infância.
A guerra é introduzida pelo par seguinte; enquanto a raça dos heróis é a de célebres guerreiros, os homens de bronze são cheios de hýbris. Formam o par de homens que morrem cedo, ou tombados nas batalhas de Tebas e Tróia, ou mortos jovens pelo ardor guerreiro desmedido de seus espíritos.
No terceiro par, Hesíodo contempla um mundo dominado pela injustiça, ódio, e inveja, que crescerão piores e piores até Zeus destruir esta geração como as precedentes. Se a isto se seguirá uma reversão cíclica para uma segunda idade do ouro é discutível; eu discordo com Vernant em pensar que não, ou que a humanidade chegou ao fim, ou que Hesíodo ou sua fonte simplesmente não consideravam a matéria.[9] (KIRK, 1976: 234) .
A fábula do gavião e do rouxinol
Logo em seguida ao mito das raças, Hesíodo encaminha uma breve fábula para os reis sobre dois animais, o gavião e o rouxinol. Em seu voo, o gavião detém cravado em suas garras o rouxinol, que lamenta sua dor com gemidos, enquanto o gavião assim lhe endereça a palavra:
Desafortunado, o que gritas? Tem a ti um bem mais forte;
tu irás por onde eu te levar, mesmo sendo bom cantor;
alimento, se quiser, de ti farei ou até te soltarei.
Insensato quem com mais fortes queira medir-se, v. 210
de vitória é privado e sofre, além de penas, vexame .
(HESÍODO, 2006: 37).
Nesta pequena fábula, a analogia entre os reis e o gavião é explícita e a eles que sua marcante advertência contra os perigos da hýbris se direciona. Mas a amplitude de seu direcionamento moral pode ser apreendida pela própria nominação de seu irmão logo após o término da história:
Tu, ó Perses, escuta a Justiça e o Excesso não amplies!
O Excesso é mal ao homem fraco e nem o poderoso
facilmente pode sustenta-lo e sob seu peso desmorona v. 215
quando em desgraça cai; a rota a seguir pelo outro lado
é preferível: leva ao justo; Justiça sobrepõe-se a Excesso
quando se chega ao final: néscio aprende sofrendo.
(HESÍODO, 2006: 37).
Alto Arcaísmo
Assumindo as vestes de uma deusa poderosa, a Justiça se coloca como divindade poderosa que deve ser respeitada e temida pelos homens. Os trabalhos e os dias é um poema que deve ser pensado sob o peso central desta divindade:
E há uma virgem, Justiça, por Zeus engendrada,
gloriosa e augusta entre os deuses que o olimpo têm
e quando alguém a ofende, sinuosamente a injuriando,
de imediato ela junto ao Pai Zeus Cronida se assenta
e denuncia a mente dos homens injustos até que expie v. 260
o povo o desatino dos reis que maquinam maldades e
diversamente desviam-se, formulando tortas sentenças!
(HESÍODO, 2006: 39-41).
O porquê de ela ocupar este papel certamente não deverá ser respondido em uma análise puramente estrutural do mito, mas também associado às transformações da vida social do século VIII a.C. (VERNANT, 1990: 55). Se demos atenção aos aspectos autobiográficos de querela com o irmão e das injustiças privadas que sofreu, dos incitamentos ao trabalho agrícola e a condição delineada na cruel pintura da Idade de Ferro na estrutura narrativa mítica, é por entendermos que estas condições históricas são muito importantes para a explicitação do poema como um todo (SNODGRASS, 2001: 4).
A Grécia toma no Alto Arcaísmo, especificamente no século VIII a.C., os rumos que estabelecerão os fundamentos sem os quais a cultura clássica seria impensável. Nos alvores desse tempo recém-emergido do Período Geométrico, se assinala uma impactante alteração da experiência existencial que se expressará também em significativas mudanças das noções intelectuais e artísticas destes homens daí por diante.
Período Geométrico é a classificação dada ao antecedente do Período Arcaico, abrangendo os anos entre o século X e o VIII a.C. Sua característica essencial é o arranjo rígido da disposição elementares tanto de suas fórmulas visuais, quanto das orais atribuídas ao período. A ordem social como manutenção prioritária é espelhada tanto na poesia métrica em verso hexâmetro quanto na sensibilidade da disposição lógica do oleiro em sua decoração do vaso cerâmico geométrico. A fórmula, oral ou geométrica, é tanto a ferramenta e material de construção, e isso fornece para o épico monumental e o vaso monumental as qualidades da estabilidade e unidade. [10] (HURWIT, 1985: 97).
O valor desses enquadramentos mentais que se expressam na arte grega do período torna-se significativo quando se avalia o declínio socioeconômico dos séculos que se sucederam ao colapso da Idade Micênica (entre os séculos XII e início do XI a.C.), e a reestruturação interna e ampliação dos horizontes externos da Idade Arcaica.
A intensa renovação dos contatos culturais com o Próximo Oriente pode ser detectada no aumento substancial de peças orientais importadas no século VIII a.C. e em um dos legados mais importantes da história humana: a escrita.
Embora o rastreio do lugar, do tempo e de como a escrita retornou [11] à Grécia gere muitos debates, não há muita disputa entre os estudiosos sobre a origem do alfabeto grego (HALL, 2007, p. 57).O alfabeto grego é uma elaboração da escrita fenícia, adotada pelos gregos, que dissolveram a sílaba em dois componentes acústicos: as vogais e as consoantes. Essa atomização possibilitou um sistema linguístico muito mais flexível e memorizável. Esse mecanismo gráfico dos gregos incita a análise abstrata do objeto material por meio de uma entidade mental, uma vez que os signos linguísticos escritos são elaborados em sentido funcional e seus componentes destituídos de um sentido independente único, de forma a se tornarem códigos maleáveis de acordo com o dispositivo mecânico de memória[12] .
Fruto dos contatos renovados com o Oriente, a invenção do alfabeto grego pode ser determinada com certa razoabilidade para a segunda metade do século VIII a.C. por meio de um marco terminus ante quem[13] oferecido por alguns grafites de cerâmicas do Geométrico Tardio não mais antigas que 750 a.C.
Figura 7 Graffiti grego inscrito em cerâmica ateniense do século VIII a.C.
Fonte: Adaptado de Jonathan M. Hall (2007:58) e John N. Coldstream (2003: 298).
A inscrição acima pertence a uma enócoa [14] encontrada em Atenas e é um dos mais antigos graffiti que dispomos. A parte legível da inscrição foi identificada como um hexâmetro metrificado em estilo homérico em que se lê: 'Quem dentre todos os dançarinos agora dançar mais delicadamente, dele esta...,'"[15] (HALL, 2007, p. 58) .
A metrificação na composição de versos diz muito da profundidade que a Grécia está imersa na oralidade. E que na verdade permanecerá essencialmente oral ainda durante muitos séculos após a recuperação da técnica da escrita. A composição em poesia métrica serve à comunicação oral daquilo que é destinado a ser lido em voz alta para um público não letrado. Todo o repertório poético é um acervo funcional em vista dos valores culturais e sociais de determinada sociedade que precisam ser armazenados e transmitidos por uma técnica que não seja o simples enunciado coloquial (HAVELOCK, 1996: 110). Hesíodo é um receptáculo da tradição poética e desse tipo de experiência com a palavra:
Nascida antes que o veneno do alfabeto entorpecesse a Memória, a poesia de Hesíodo é também anterior à elaboração da prosa em seus vários registros e à diversificação da experiência poética em seus característicos gêneros. O aedo canta sem que ao exercício de seu canto se contraponha outra modalidade artística do uso da palavra. Seus versos hexâmetros nascem num fluxo contínuo, como a única forma própria para a palavra mostrar-se em toda a sua plenitude e força ontofônicas, como a mais alta revelação da vida, dos Deuses, do mundo e dos seres. De nenhum outro modo a palavra libera toda a sua força, nenhuma outra forma poética se põe como alternativa à em quem o canto se configura. (TORRANO, 2007: 17).
O canto de Hesíodo em Os trabalhos e os dias é um hino inspirado pelas Musas Piérias, um dom insuflado por elas para que o poeta revele verdades aos homens reunidos em auditórios para celebrar Zeus, afinal, Por ele mortais igualmente desafamados e afamados,/notos e ignotos são, por graça do grande Zeus. (HESÍODO, 2006: 21, versos 3-4).
Dessa celebração pública, Hesíodo nos fornece um exemplo quando alude à sua viagem para Cálcis, Eubeia, para os jogos funerais de um príncipe morto em batalha, viagem ao qual lhe rendeu um caldeirão trípode como prêmio na disputa de canto:
De lá, almejando os jogos do valente Anfidamante,
para Cálcis embarquei. Prêmios numerosos
foram anunciados pelos filhos do magnânime. E asseguro-te,
que com um hino aí vencendo, parti com a trípode alada
à qual às [sagradas] Musas no Hélicon dediquei,
lá, onde a mim, pela primeira vez, inspiraram-me o canto suave.
(HESÍODO, 2011: 101, versos 654-659).
No entanto, Hesíodo está em um momento de transição decisiva do arcaísmo grego que a invenção do alfabeto cria. Embora sua tradição, transmissão e modos de composição sejam indubitavelmente orais, a técnica da escrita e suas realocações das disposições psicológicas do uso do signo linguístico escrito começam a alterar as formas desses homens pós-alfabetizados em conceber o uso da palavra.
O desenvolvimento da dimensão institucional legal da polis é intrínseco ao uso que a comunidade faz do alfabeto como recurso administrativo. Com esta nova relação com a palavra, se realizará na Época Arcaica a equanimidade perante a lei dos homens pertencentes à comunidade política e da legitimidade pública de seus governos, noções fundamentais no entendimento da polis como [...] a integração moral de uma comunidade de cidadãos que compartilham direitos iguais. (CARRIÈRE apud MANTOVANELI, 2011: 142, itálico do autor).
O clamor de Hesíodo contra os desmandos injustos, lançado contra os reis que fazem arbitragem nos centros urbanos é a erupção mais antiga de que se tem registro de uma agitação que trilhará as etapas da consolidação jurisdicional dos gregos nos séculos seguintes no processo de restrição do poder dos aristocratas, em muitas regiões levado a cabo pelo tirano.
O código de moralidade nos versos hesiódicos distingue-se notadamente do presente nas epopeias heroicas de Homero.Os valores modelares paradigmáticos homéricos são da reputação heroica, do herói que conquista honra e gloria na demonstração de força, valentia e bravura que excedem as normas usuais. Em Hesíodo, a moral jaz em uma arquitetura religiosa sólida, assim como o poder inigualável do Cronida:
Reputação não mais depende de homens e no que eles têm o esmero de dizer. É agora através de Zeus e na direção de Zeus que homens são celebrados ou relegados, e é o deus, e não o homem, que nós devemos pensar como outorgador de uma reputação ilibada ou sórdida. [16] (WALCOT, 1966: 84).
Pensar a ética social através da manipulação de mitos é um plano de elaboração conceitual, uma maneira de vocabulário político em que os conceitos são personificados e em cujo estágio se prepara o terreno para um pensamento puramente conceitual. Forma de vocabulário político porque lembra o projeto dinâmico que é a polis, a intervenção da idealidade política através do simbolismo de imagens do pensamento religioso, daqueles homens que delineiam no pensamento a comunidade política.
Os interventores da cidade são os homens, os mortais. São eles que traçam o domínio da política, que pensam e arrumam o espaço da ação pública, afirmando gradativamente sua autonomia com instituições, com práticas lógicas, graças a todo um trabalho de conceitualização e ao mesmo tempo de abstração. (DETIENNE; SISSA, 1990: 237).
Contudo, essa queixa deve ser delimitada para que não se atribua ao pensamento do autor projetos e ambições além das possibilidades de seu próprio tempo. Como o historiador americano Chester G. Starr (1991, p. 336-337) reconhece, o mundo dele é dominado pelos basileis e ainda não há um pensamento consistente de que a comunidade deve ser baseada em uma encarnação pública do princípio de justiça. Hesíodo não tem soluções prontas para a injustiça que ele vê e que de fato sente que sofre. Ele pode predizer, contudo, que Zeus, quem testemunha todas as coisas, irá punir exatamente os atos malignos. [17] (THOMAS; CONANT, 1999: 155).
Nos versos 267 aos 269 de Os trabalhos e os dias, visualizamos a ética da justiça centrada no poder soberano de Zeus que nada perde das sentenças dispensadas por estes reis: O olho de Zeus que tudo vê e assim tudo sabe/também isto vê, se quiser, vê e não ignora/que Justiça é esta que a cidade em si encerra. (HESÍODO, 2006: 41).
E é sobre a polis que recairá a recompensa ou a punição das sentenças emanadas da ágora:
Ela segue chorando as cidades e os costumes dos povos
[vestida de ar e aos homens levando mal]
que a expulsaram e não a distribuíram retamente.
Àqueles que a forasteiros e nativos dão sentenças v. 225 retas, em nada se apartando do que é justo,
para eles a cidade cresce e nela floresce o povo;
(HESÍODO, 1996: 37).
Esta arbitragem dos basileis na ágora do centro urbano de Téspias é um acordo informal e não regulamentado porque é um compromisso que antecede a codificação legal que só os séculos seguintes realizarão, onde ainda não há sistematização judiciária que equilibre e julgue igualitariamente as partes e que opera também como um arranjo em troca de proteção contra agressores externos e preservação da ordem interna de pequenas aldeias como Ascra.
Ao contrário, o estudioso literário Anthony E. Edwards defende a tese de que não há evidência textual de que a disputa entre os irmãos tenha sido julgada pelos reis de Téspias e de que um sistema de resolução de litígios funcione na ágora do centro urbano e não nos próprios confins da aldeia (EDWARDS, 2004: 177). Para o autor, pelo fato de Hesíodo não indicar em nenhum momento do poema uma dispositivo de débito que esses aldeões devem às elites citadinas, ele pressupõe a ausência deles e a completa separação jurisdicional dessas duas localidades.
O problema do autor ao pressupor uma separação entre Ascra e Téspias é de tentar derivar argumentos do silêncio para sua proposição teórica. No geral, há consenso entre os pesquisadores de que a cidade deve ser pensada no contexto de seu território (THOMAS; CONANT, 1999: 148; STARR, 1990: 355-359; HANSEN, 2006: 131). O que produz profundas discórdias é a concepção da natureza dessas relações (ALDROVANDI, 2009: 28). O fato é que Hesíodo não foi um cronista e ele não se pretendia fornecedor de um testemunho detalhista das coisas que interessariam sobremaneira os historiadores das instituições futuras, isto está reconhecidamente fora da proposta de Os trabalhos e os dias. O motor de seu clamor jaz no apontamento sobre a sentença feita de maneira torta em vista a beneficiar a parte da querela que favoreceu o árbitro, quebrando os propósitos da justiça. Ao invés de render justiça, eles lhe renderam uma injustiça. Neste caso, parece que o homem que deu mais presentes recebeu mais justiça. [18] (HARRIS, 1999: 109).
Para tanto, o autor usa um pensamento carregado com imagens míticas para extrair seus propósitos denunciatórios. Indubitavelmente, ele trabalha com um vasto material e seleciona-os porque não se satisfaz em apenas registrar mitos, mas os dispõe segundo propósitos ligados aos incitamentos morais muito bem definidos. Ele sistematiza-os e, ao fazê-lo, introduz já um princípio racional nestas criações do pensamento mítico. (ELIADE, 1989, p. 128).
Apesar da atribuição ao poeta de uma inovação importante no rigor lógico sem precedentes na poesia épica no uso do mito e sua qualidade de organizador da tradição, uma ressalva não pode ser esquecida. Sua obra é o exemplo que porventura sobreviveu aos tempos,
Mas isso não quer dizer que ele é inteiramente fenômeno novo, que o uso misto de mitos não remonta a um longo caminho no passado, ou que, mesmo no que hipoteticamente alguém pode chamar de um verdadeiro estágio mitopoético, nenhuma conexão estava implícita e percebida entre o conteúdo dos mitos e o conteúdo da vida. [19] (KIRK, 1973: 247).
Apenas gradualmente logos o discurso a partir de entidades abstratas do filósofo substituirá mythos a narrativa das potências divinas cantadas pelo poeta. Desmitificar o conteúdo que o poeta transmite de uma verdade transfigurada é um processo de séculos em que as formas de expressão são emocional e intelectualmente envolvidas por esta persistência referencial da tradição cultural mítica de, quiçá, milênios, o que deve sempre colocar os estudiosos de Hesíodo em reservas com leituras retrospectivas do futuro do pensamento racional grego.
Auferir do silêncio e obscuridade das lacunas um gênio absoluto em Hesíodo é um passo arriscado, embora a inovação da sua linguagem conceitual presente em suas poesias que porventura o tempo preservou sobressaiam aos olhos pelo ineditismo desse teor quase racional em que ele arquiteta sua composição. Certamente sua posição de marco cronológico de único poeta de que temos notícia a cobrir o lapso temporal desde Homero contribui sobremodo para que isto ocorra.
Contudo, mesmo com a avaliação exagerada de Heródoto na citação apresentada no início do artigo em conceder a Homero e Hesíodo a responsabilidade de elaborar toda a teogonia grega, não pode ser negada a estes dois testemunhos mais antigos remanescentes um estágio importantíssimo de codificação e seleção do material mítico disponível há séculos e que se estabeleceram como uma visão do passado mítico que não foi essencialmente alterada até depois Alexandre, o Grande (KIRK, 1973: 240).
CONCLUSÃO
Hesíodo consegue estabelecer um novo paradigma mítico e moral entre os gregos ao pensar sobre as tradições míticas ou julgar o comportamento dos governantes terrenos em um período particular de tensões políticas e sociais. Numa época que antecede à codificação das leis na Grécia antiga, Hesíodo pensa a matéria da ética social através da manipulação de seus relatos míticos, em cujos valores simbólicos principiam sua própria abstração.
O poeta situa-se em um entremeio na recepção das tradições do repertório oral de séculos e formulação destes materiais segundo novos princípios conceituais. Estes são sinais de transformações estruturais na vida material dos gregos no fim do Geométrico, bem como de reconfigurações psicológicas decisivas para a história institucional dos gregos antigos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes primárias
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Fontes secundárias
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WALCOT, Peter. Hesiod and the Near East. Cardiff: University of Wales Press, 1966.
* Graduando em História pela Unesp Franca - renanfp_1990@hotmail.com
[1] A Beócia localiza-se na parte central da Grécia continental, entre os golfos de Eubeia e Corinto e é cercada fronteiriçamente por Mégara no sul e a Ática no sudeste.
[2] Se existe Homero como gênio único responsável pela Ilíada e Odisséia, ou se vários Homeros , rapsodos de áreas e períodos diferentes debruçados sobre um vasto tesouro de frases e fórmulas, mitos e lendas da herança oral compartilhada, é altamente debatível. No entanto, uma vez que nosso objetivo não é se aprofundar nas questões relativas às diferentes datações dos épicos e dissecação filológica das diversas camadas dos poemas em vista de reconhecimento da multiplicidade de níveis dentro deles, importa reconhecer que ambos os épicos apresentam um plano de fundo similar onde os valores heroicos se desenvolvem.
[3] [...] a title rather than a personal name. Todas as obras estrangeiras foram traduzidas em português pelo autor.
[4] Razão que leva estudiosos a considerar a precedência deste poema em relação ao Os trabalhos e os dias.
[5] O que está acontecendo aí em Mecona é obscuro, embora o que parece se realizar é um encontro em que se efetuará o divórcio futuro das porções alimentares sacrificiais devidas aos seres que antes dispunham do convívio mútuo das refeições. Isto talvez seja causa do fim da raça de ouro e do reinado de Cronos, dando lugar à nova soberania de Zeus.
[6]Métis significa astúcia, inteligência embusteira, maquinação ardilosa. Personificada, é uma das esposas de Zeus.
[7] A palavra hýbris significa violência provocada por paixão , ultraje , golpes desferidos por alguém , soberba etc. Assim, não me parece adequado traduzi-la por Desmedida ou por Violência, conforme consagrou a tradição, já que ambas refletem apenas parcialmente o sentido original; parece-me que Excesso se presta melhor para traduzir esta noção em português. (LAFER, 2006: 33, nota 12).
[8] Guerra entre os Titãs, liderados por Crono e os deuses olímpicos, liderados por Zeus (HESÍODO, 2007: 135-141, versos 617-721).
[9] In the third pair Hesiod contemplates a world dominated by injustice, hatred, and envy, which will grow worse and worse until Zeus destroys this generation like its predecessor. Whether it will be followed by a cyclical reversion to a second golden age is debated; I disagree with Vernant in thinking not, and that either mankind will come to an end or that Hesiod or his source simply did not consider the matter.
[10] The formula, oral or geometric, is both the tool and the stuff of the construction, and it lends to both monumental epic and monumental vase the qualities of stability and unity.
[11] O Linear B, um tipo de escrita utilizado na Idade Micênica com 60 ideogramas e ao menos 89 signos, foi identificado em tabuinhas de argila encontradas em Cnossos e Pilos, mas oferece apenas informações fragmentadas de administração burocrática dos antigos sistemas micênicos e desapareceu com o declínio dessa civilização.
[12] Por exemplo, letras emprestadas do fenício como β(beta) e γ (gama) eram nomes de objetos como casa e camelo no semítico original. Para os gregos, elas tornaram-se sem sentido independente, um mecanismo para assimilar valores acústicos. (HAVELOCK, 1996: 82-83).
[13] Expressão latina literalmente "o limite antes do qual", indica um limite cronológico pelo qual se infere algum acontecimento, a escritura de um documento ou o depósito de um artefato arqueológico. No caso da invenção da escrita, não pode ser esquecida a possibilidade que estes graffiti tenham sido marcados em um tempo muito posterior ao da fabricação da cerâmica. Ou que inscrições tenham sido primeiramente praticadas em materiais mais perecíveis que não puderem grassar os séculos do registro arqueológico.
[14] Jarro de vinho com lábio em formato de trevo.
[15] Whoever of all the dancers now dances most daintily, of him this..., .
[16] Reputation no longer depends on men and on what they may care to say. It is now through Zeus and at Zeus direction that men are celebrated or obscure, and it is the god, and not men, that we must think of as bestowing a fair or sordid reputation.
[17] Hesiod has no ready solution for the injustice he sees and indeed feels he has suffered. He can predict, however, that Zeus, who witnesses everything, will exact punishment for evil acts.
[18] Instead of rendering justice for the gifts they receive, they have done him an injustice. In this case, it appears that the man who given more gifts has received more justice.
[19] But that does not mean that he was na entirely new phenomenon, that mixed uses of myths did not stretch back a long way into past, or that even in what one might hypothetically call a true mythopoetic stage no connexion was implied and perceived between the content of myths and the content of life.
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