Uma Abordagem Ontológica
por Alexandre de Jesus Santos e Helem Novais Sousa
TONET, Ivo. Método Científico: Uma Abordagem Ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.
Sobre o autor*
Sobre a autora**
Professor Ivo Tonet
Ivo Tonet, professor de Filosofia na Universidade Federal de Alagoas UFAL dispensa apresentações delongadas. Com diversos livros publicados Educação Contra o Capital (2012) e Descaminhos da Esquerda: da centralidade do trabalho à centralidade da política (2009) em parceria com Adriano Nascimento e Em Defesa do Futuro (2005) entre outros tem dado importantes contribuições para a construção da teoria revolucionária.
Seu livro mais recente, Método Científico: uma abordagem ontológica, publicado no final de 2013 pelo Instituto Lukács possui 129 páginas divididas em quatro capítulos sendo eles: Dois caminhos , O padrão greco-medieval: centralidade da objetividade , O padrão moderno: centralidade da subjetividade e O padrão marxiano .
Nos primeiros parágrafos da introdução o leitor se depara com o objetivo traçado pelo autor, que impõe como parâmetro de sua proposição o debate em torno do método científico moderno, sua legitimidade e sua relação com os interesses materiais da sociedade na qual se estabelece. Afirma que o método moderno de investigação da realidade, atrelado diretamente aos interesses sociais da classe dominante, desqualifica qualquer outro método que faça a crítica radical da ordem estabelecida.
Em contraposição a institucionalização do padrão moderno de produção do conhecimento como única possibilidade histórica, Tonet afirma que Marx criou um método científico radicalmente novo que, longe de falsear a realidade social, é o que melhor permite compreendê-la[1] .
No primeiro capítulo afirma existir dois caminhos para investigação científica sendo um gnosiológico, cujo objeto é o próprio conhecimento, e o outro ontológico que busca estudar o ser, isto é, a apreensão das determinações mais gerais e essenciais daquilo que existe[2] . Ambas as formulações gnosiológica e ontológica , no entanto, são produtos sócio-históricos e só podem ser compreendidas dentro de sua historicidade, muito embora esta última possua características que lhe são próprias.
Na perspectiva da gnosiologia, o sujeito é o locus privilegiado da produção do conhecimento, uma vez que é ele a razão encarnada , quem institui métodos e regras, quem qualifica e quantifica, organiza e estabelece relações. Portanto, enfatiza-se, neste caso, não só o caráter ativo do sujeito no processo de conhecimento, mas especialmente, o fato de que é ele quem constrói o conhecimento[3] .
Por sua vez, a perspectiva ontológica de produção do conhecimento parte sempre do ser da coisa (o existente), pois somente após à apreensão mais geral das determinações deste ser é que podemos pensar (abstrair) nos meios adequados para conhece-lo em sua totalidade fenômeno e essência. Logo, há uma relação de subordinação do sujeito ao objeto, onde o ser do objeto determina o caminho do sujeito no processo de conhecimento.
Ambas abordagens tiveram seu lugar e função na história, mas na modernidade existe a supervalorização da primeira, a gnosiológica, em detrimento da segunda, a ontológica que norteou a produção de conhecimento durante todo o período greco-medieval.
Qualquer ontologia fenomenológica, existencialista ou histórica-social é sistematicamente rejeitada pelo padrão moderno de produção do conhecimento uma vez que a abordagem gnosiológica é considerada a única verdadeira e aceita na sociedade burguesa desqualifica[ndo][4] o tratamento ontológico da problemática do conhecimento[5] .
O atrelamento da produção de conhecimento à natureza inexorável das classes sociais explica essa desqualificação. Deste modo, como na sociedade atual as classes que movimentam a história são burguesia e proletariado, o conhecimento produzido pelo indivíduo singular no interior delas manifesta, consciente ou inconscientemente, o projeto de ambas para a humanidade. A classe que aspira imprimir seu projeto para a totalidade da humanidade deve, para isto, elaborar uma concepção de mundo que justifique esse objetivo[6] .
Portanto, as classes sociais consideradas a partir de sua determinação estrutural, ou seja, antagonismo entre produção e apropriação da riqueza, produzem conhecimentos antagônicos e proporcionais ao papel que desempenham no interior da sociedade.
Para Tonet, portanto, existem basicamente três padrões de produção do conhecimento, sendo respectivamente o padrão greco-medieval, o moderno e o marxiano. Enquanto o primeiro e o último são padrões ontológicos, apesar de suas diferenças substanciais, o segundo é gnosiológico. O padrão marxiano constitui um momento completamente diferente, realizando a crítica radical da sociabilidade burguesa e apontando para a possibilidade e a necessidade da plena realização humana de todos os indivíduos .
No segundo capítulo o autor procura esclarecer que cada mundo possui um padrão de racionalidade. Isso implica dizer que cada período histórico objetivamente determinado forja concepções de mundo que constituem um padrão de compreensão da realidade.
O mundo, enquanto unidade do diverso, conjunto de partes, articuladas, em constante processo de efetivação e reciprocamente determinadas[7] , constitui a objetividade, ao passo que a razão que significa a faculdade mental [...] de realizar os procedimentos teóricos operativos necessários à realização do processo de trabalho [...] e a elaboração do conjunto de ideias acerca dos fenômenos da natureza e da sociedade[8] equivale a uma parte da subjetividade. Mundo e razão, objetividade e subjetividade existem em relação dialética de determinação múltipla.
Deste modo, o conhecimento do mundo (objetividade) produzido durante a antiguidade clássica e o período medieval caracterizava-se por buscar o ser da coisa. O padrão greco-medieval de produção do conhecimento centrava-se na relação entre essência e aparência, contingencia e necessidade, onde a mudança estava relacionada à falsidade e a permanência à verdade.
A ontologia do mundo medieval, segundo Tonet, consistia no fato de que este padrão de conhecimento era marcado pela busca de fundamentos sólidos, intemporais, que garantissem a unidade e a permanência e, portanto, também a estabilidade do mundo social[9] .
Assim sendo, o padrão greco-medieval primava pela busca da essência do ser, estabelecendo um modo de pensar que determinava o processo de apreensão da realidade. Enquanto a doxa (opinião) fundava um conhecimento com base nos sentidos que não poderia ser comprovado, a episteme (conhecimento da essência), por sua vez significava [...] que a razão, norteada pela lógica, devia percorrer para, superando os obstáculos da aparência, alcançar a essência das coisas[10] . A busca da essência é, portanto, uma investigação epistemológica.
No terceiro capítulo o autor faz alusões ao processo de desenvolvimento histórico centrando suas atenções na transformação das condições objetivas que permitiram e determinaram mudanças no padrão de conhecimento, saindo da centralidade da objetividade padrão greco-medieval para a centralidade da subjetividade padrão moderno , onde o sujeito passou a ser o locus privilegiado da produção do conhecimento.
No padrão moderno de produção do conhecimento a determinação da objetividade (mundo) é substituída pela centralidade da subjetividade (razão) que passa a decidir a forma como o mundo pode ser compreendido. A unidade interna do mundo, preocupação do padrão de conhecimento greco-medieval, tornou-se incognoscível. A essência do mundo, para o padrão moderno, não pode ser alcançada, pois somente o fenômeno é perceptível e decodificado pela razão.
A consolidação deste padrão perpassou duas etapas acompanhando o próprio desenvolvimento da forças produtivas e das formas modernas de sociabilidade capitalista. Deste modo, o primeiro momento perpassou o período entre os séculos XVI e XIX caracterizado pela gestação da racionalidade moderna e da sociabilidade capitalista; o segundo momento, do século XIX aos dias atuais, caracterizava-se pela consolidação tanto da sociabilidade quanto do irracionalismo, momento em que o padrão moderno de conhecimento ganha estatuto eminentemente científico.
A produção do conhecimento no padrão moderno, segundo Tonet, exclui a busca da essência e da totalidade, por compreender que o mundo (objetividade) caótico somente pode ser organizada pela razão (subjetividade), mas nunca apreendido em sua essencialidade e totalidade.
A cisão entre conhecimento e realidade subjetividade e objetividade engendrada pelo fetichismo da mercadoria cumpre um papel fundamental para naturalizar as relações sociais, pois a consciência afirma o autor vai perdendo, cada vez mais, a capacidade de apreender a realidade em sua lógica própria[11] , uma vez que o padrão moderno de conhecimento nega a possibilidade da apreensão da essência e da totalidade, naturalizando a sociedade competitiva, egoísta e desigual.
No quarto e último capítulo, recorrendo aos princípios fundamentais da ontologia postulados principalmente por Marx e Lukács Tonet desconstrói tanto o padrão greco-medieval quanto o moderno de produção do conhecimento. Para tanto, afirma que entre a apreensão da essência da objetividade (mundo) pelo padrão greco-medieval e a hipersubjetividade perceptiva do fenômeno pelo padrão moderno existe a mediação da categoria ontológica da práxis[12] .
Nesta perspectiva, a produção do conhecimento realizada pelo indivíduo singular, enquanto síntese de múltiplas determinações, é atividade subjetiva e objetiva mediada pela categoria da práxis . O conhecimento, deste modo, é apenas uma dimensão da totalidade do ser social. As demais totalidades existentes possuem relação de determinação e autonomia com o trabalho, pois é esta a categoria fundante do ser social. Neste sentido, determinação e autonomia constituem duas categorias que se complementam, uma vez que espírito e material, consciência e realidade objetiva, subjetividade e objetividade são dois momentos que compõem uma unidade indissolúvel[13] .
Portanto, a mediação realizada pelo trabalho entre homem e natureza promove uma humanização da natureza e uma naturalização do homem [instituindo][14] um intercâmbio em que a natureza é transformada no corpo inorgânico do homem [15] . Assim, enfatiza o autor que, [...] Marx, e não Kant, quem verdadeiramente supera as unilateralidades do racionalismo e do empirismo, quem realiza a síntese superadora entre razão e dados da sensibilidade[16] no que se refere ao processo de produção do conhecimento.
A natureza do método materialista dialético possui uma caráter absolutamente ontológico, pois busca compreender o ser em sua totalidade e em sua processualidade. Deste modo, não parte de elaborações teóricas apriorísticas centradas no sujeito, pois afirma que não é a subjetividade que determina a objetividade, mas, precisamente, o contrário. Existe uma determinação da objetividade sob a subjetividade. Elaboração teórica é, nesta perspectiva, apreensão das determinações internas mais gerais do ser através do processo de abstração intelectual. Sujeito e objeto se complementam e se determinam mutuamente. Teoria é, portanto, a tradução do objeto concreto em conceitos abstratos, é a apreensão intelectual da objetividade que se realiza por meio da abstração racional (subjetividade).
A busca do conhecimento parte sempre da imediaticidade do fenômeno, mas o transcende na medida em que busca apreender as conexões internas que dão unidade ao objeto em sua totalidade. A construção ideativa do objeto na mente é, portanto, a busca da essência. Essência e fenômeno estabelecem uma relação dialética e sua captação depende da subjetividade, embora essa não seja determinante
O esforço intelectual realizado pelo autor no sentido de estabelecer as diferenças fundamentais entre os padrões greco-medieval e moderno de conhecimento e o padrão marxiano, radicalmente novo e capaz de compreender a realidade em sua totalidade, constitui uma contribuição introdutória notável. Certamente a leitura deste livro é imprescindível para estabelecer um contato primário e introdutório, mas sem simplismo, com categorias e conceitos de Marx e Lukács, compondo um prelúdio indispensável para leituras como O poder da Ideologia e Estrutura Social e Formas de Consciência I e II, ambos de Mészáros.
REFERÊNCIAS
TONET, Ivo. Método Científico: um abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.
* Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; graduado em História pela mesma instituição; especialista em Sociologia e Ensino de Sociologia pelo Centro Universitário Claretiano; pesquisador do GEILC Grupo de Estudos de Ideologia e Luta de Classes/Museu Pedagógico/UESB; membro do Coletivo LABUTA. Bolsista de pós-graduação CAPES/CNPQ. E-mail: alexandre_magno2@hotmail.com
** Graduanda do curso de bacharelado em Psicologia pela Faculdade Juvêncio Terra FJT. E-mail: helem_dayanapsi@hoymail.com.
[1] TONET, Ivo. Método Científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács: 2013, p. 10.
[2] Op. Cit., p. 12.
[3] Op. Cit., p. 13.
[4] Grifo nosso.
[5] Op. Cit., p 15.
[6] Op. Cit., p. 17.
[7] Op. Cit., p. 22.
[8]Ibidem.
[9] Op. Cit., p. 26.
[10] Op. Cit., p. 27.
[11] Op. Cit., p. 58.
[12] Atividade humana sensível.
[13] Op. Cit., p. 78.
[14] Grifo nosso.
[15] Op. Cit., p. 87.
[16] Op. Cit., p. 78.
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