quarta-feira, 15 de maio de 2013

A Disputa Política pelo Poder na Vila Oitocentista de São João Del Rei- MG (1829)



A DISPUTA POLÍTICA PELO PODER NA VILA OITOCENTISTA DE SÃO JOÃO DEL-REI, MINAS GERAIS (1829)

por Carlos Eduardo Maculan

Sobre o autor[1]

1. INTRODUÇÃO

Os primeiros anos do período pós-independência foram marcados por dois momentos cruciais na história brasileira: o de afirmação nacional e o do período regencial. Estes, por sua vez, testemunharam um período de intensa disputa entre grupos políticos onde cada um apresentava seu projeto considerado o mais adequado à realidade brasileira.

A ruptura política com Portugal e o engajamento na construção de um Estado que possuísse uma configuração própria desvinculada do país europeu permitiram a conjugação de interesses na figura de Dom Pedro I. Mas, o descontentamento com as políticas do imperador resultou em sua abdicação em 1831. Neste momento da história brasileira, marcado pela vacância do Trono e pela falta de unidade da elite política imperial [2], encontravam-se as condições necessárias para que as facções políticas entrassem em disputa pelo poder. Esse processo ensejou a participação de novos atores no cenário político nacional, que ganhando importância precisavam ser incorporados. Neste sentido, encontramos três grupos políticos principais: os liberais moderados , os liberais exaltados e os caramurus que vão disputar a direção do poder e tentar atingir o consenso sobre as melhores condições para o desenvolvimento do país.

Liberais moderados , liberais exaltados e caramurus designavam facções bem definidas que, embora heterogêneas, compartilhavam, em geral, idéias em comum [3] cada uma com uma identidade própria . As semelhanças correspondiam inclusive nas formas de se alcançar o consenso: das formas associativas, às aulas públicas, ao estabelecimento de livrarias públicas, passando pela eficiente e decisiva atividade jornalística. A ampliação das práticas políticas correspondeu à ampliação dos espaços políticos, dos seus espaços de discussões. Liberais moderados , liberais exaltados e caramurus vão dedicar grande parte de seu tempo em atividades destinadas à afirmação dos seus projetos como os mais condizentes para o Estado brasileiro.

Ao identificar a primeira metade do século XIX como um momento de disputas de projetos políticos, este artigo se insere na perspectiva dos estudos que buscam esclarecer como se deu este processo. Pioneiro nesta perspectiva, Ilmar de Rohloff Mattos propõe que o entendimento do processo de construção do Estado se [dê] a partir da dinâmica da Sociedade, da interação de estruturas econômicas, sociais, políticas e de ideologias e representações sociais [4].

Com base nestes pressupostos este artigo, através da análise do processo eleitoral de 1829 na vila de São João del-Rei, pretende analisar o processo de criação de consensos em torno dos projetos políticos defendidos. Neste processo emergem dois proeminentes personagens do cenário social da vila: Baptista Caetano de Almeida e Luis José Dias Custódio, que como líderes de grupos rivais, utilizaram como estratégias de alteração dos resultados das eleições representações e denúncias de fraudes e de compra de votos que culminaram em boatos de uma revolução na província mineira.

A pesquisa realizada se inscreve no conjunto de propostas estabelecidas pelo movimento que renovou a abordagem da história política[5], especificamente, foram consideradas as observações de Jean-François Sirinelli sobre as elites culturais; a história conceitual do político de Pierre Rosanvallon; e ainda, as reflexões sobre as relações de dominação e a cultura política de Ângela de Castro Gomes[6]. Fundamentado nestes pressupostos pretende-se identificar a intervenção das elites no recém implantado processo eleitoral e a disputa pelo poder institucionalizado. Esta análise possibilita identificar os primeiros momentos da formação dos grupos políticos que passaram a atuar na esfera pública sanjoanense.

A identificação e a análise de tais disputas foram facilitadas pela publicização das mesmas. Neste sentido, as páginas do periódico Astro de Minas se transformaram em um espaço privilegiado, onde ao público era oferecido o papel de juiz inquestionável. O processo eleitoral para vereadores e juiz de paz, as Atas da Câmara Municipal de São João del-Rei, os editais, etc., todo tipo de informação que de alguma forma fosse considerado de interesse público tinha espaço garantido em suas páginas. Discursos, pronunciamentos, projetos de lei e, principalmente, longas e muito elucidativas cartas fornecem um interessante material de análise.

Elemento essencial do constitucionalismo o sistema representativo foi uma grande novidade defendida por Baptista Caetano de Almeida[7] e o grupo que se organizou ao seu redor. O processo eleitoral era complexo e realizado em diversos graus: primeiro eram escolhidos os nomes daqueles que deveriam ser eleitores e estes seriam responsáveis pela escolha dos vereadores, deputados e senadores. De acordo com Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, as eleições legitimaram a soberania e exercitaram a liberdade [8].

Dentre as inovações políticas encetadas pela Constituição de 1824 a eleição para a Assembleia Legislativa e para o Senado foram as que mais representavam a possibilidade de definição dos rumos do Estado. A luta dos liberais moderados , dentre os quais Baptista Caetano se inclui, contra as prerrogativas monárquicas foi marcada pela disputa de poder entre o parlamento brasileiro e o monarca. As reformas político-institucionais visavam a redução dos poderes do imperador, ampliando as prerrogativas da Câmara dos Deputados e garantindo maior autonomia ao Judiciário. De modo geral, as reformas pretendiam garantir a aplicação das conquistas liberais previstas na comemorada Constituição de 1824. Contudo, instaurando uma liberdade que não colocasse em risco a ordem social e as instituições monárquicas [9].

2. UMA NOVA ERA POLÍTICA

Em 1828, reuniu-se o Colégio Eleitoral da vila de São João del-Rei ao qual Baptista Caetano fora eleito secretário. Este colégio contava com 63 eleitores e se responsabilizava pelo segundo processo eleitoral do Brasil independente, no qual seriam escolhidos os novos deputados e senadores. A participação dos eleitores nos Colégios Eleitorais para a eleição dos deputados e senadores foi exaltada pelo redator do Astro de Minas . Segundo ele, o governo da Província encaminhava na vereda Constitucional [10].

A Assembleia Geral se reunindo anualmente seria uma forma de pressionar os ministros e demais agentes do poder a respeitarem a Constituição. No entanto, apenas a Constituição não seria garantia contra um governo despótico: Constituição tínhamos desde 1824, e entretanto quantos males não fizeram ao Brasil os Ministros de Estado? . Estes males foram interrompidos pelo início da primeira legislatura em 1826.

O artigo continua, declarando o que os leitores/eleitores deveriam compreender: que a Constituição é indispensável para a prosperidade do Brasil; mas que é indispensável a reunião anual das Câmaras, isto é da Assembléia Geral . Pois a Constituição seria a garantia para a própria monarquia, caso contrário, em seu nome, e debaixo de seu regime se cometerão os maiores despropósitos, e crimes .

Como forma de garantir o bom funcionamento do sistema constitucional era necessário ainda dois componentes: a liberdade de imprensa e o estabelecimento dos jurados. O sistema constitucional seria sustentado por estes três pilares básicos: a convocação anual da Assembleia Geral, a liberdade de imprensa e, por fim, a participação dos jurados. Estas instituições tinham como marca a possibilidade de participação de setores não ligados ao governo.

Defensor do sistema constitucional, o Astro de Minas levou a público a importância central que o povo tinha para um governo justo. A legitimidade de um governo estaria ligada à opinião geral, que regra em todas as partes a administração [11]. A voz pública, manifestação do povo, colocaria, segundo o periódico, um obstáculo invencível, à soberba vontade de quem manda . De acordo com o artigo, seria impossível uma ilustrada administração onde os povos tratassem os grandes negócios públicos, ou com suma ligeireza, ou com descuido absoluto . O povo seria o integrante mais indispensável para um governo ilustrado. Não bastaria um governo ilustrado se o povo não estivesse apto a reconhecer e compreender as ações deste governo.

Além disso, o povo seria o impulsionador da administração. Um gênio extraordinário da administração, ministro, legislador ou qualquer outro, será inaplicado e inconstante, se a Nação for inconstante e inaplicada, será vazio de gênio e de instrução, se cada um abandonar ao acaso as matérias políticas . Porém, ao contrário, quando este gênio extraordinário até então incerto aos seus próprios olhos, confirmado pela opinião pública, ele será mais atrevido, e marchará com os homens que pensam .

Dessa forma, o sistema constitucional seria a forma de conjugar os dois elementos essenciais para um governo justo: o povo e os homens ilustrados. Povo era uma categoria muito ampla que englobava diversos setores sociais. À medida que este grupo crescia apenas a parte inferior e miserável era identificada como povo[12]. Povo a partir da Independência passou a designar os cidadãos em geral, com exceção dos escravos [13]. Na sociedade mineira a categoria povo ampliava-se à medida da integração econômica de contingentes mais amplos da população, por meio de relações várias com a propriedade, das formas de assalariamento e dos ofícios urbanos [14]. Seria justamente este povo que se distinguia dos homens ilustrados e da plebe, alvo da instrução dos periódicos sobre os benefícios do sistema constitucional.

O debate público seria a atitude a ser tomada para a resolução de grandes problemas da administração pública:

porque desde que as matérias, que interessam a administração, forem publicamente debatidas, elas em pouco tempo serão iluminadas; as questões mais embrulhadas tornar-se-ão axiomas claros, que a imperícia de uns, e a infidelidade de outros jamais poderão obscurecer[15].

Uma má administração seria reflexo de um povo que não se interessava como deveria aos assuntos de interesse público: quando os povos se queixam da administração, muitas vezes acusam-se a si mesmos; eles confessam, que não tem prestado aos negócios públicos aquela atenção, que merecem .

A representação parlamentar era extremamente importante no contexto político inspirado pelo sistema constitucional. Tanto era assim que o período eleitoral inspirava atenção especial das lideranças políticas no sentido de orientar os eleitores. Dentre estas lideranças, Baptista Caetano. Ele exaltou a importância da escolha dos nomes que se responsabilizariam pela escolha dos deputados: Eu bem quisera estar presente a um ato, para mim o mais majestoso, e para o qual desejaria concorrer com mais talento e luzes, de que aquilo que possuo [16].

Baptista Caetano explicou a importância deste processo para a nação: (...) porque é o único em que a Nação reassumindo seus Direitos, reelege os bons Deputados, e deixa em esquecimento os que mal a serviram ou elegendo novos mandatários (...) (grifo nosso). Ou seja, durante o período eleitoral a nação se colocaria na condição de decidir seu destino. Ela aprovaria ou não a conduta política dos legisladores reelegendo-os, ou elegendo novos membros para as Câmaras.

Reassumindo é o termo utilizado por Baptista Caetano para se expressar. A ideia de reassumir está diretamente ligada à noção de soberania popular. Em oposição à noção de soberania monárquica, a defesa da soberania popular implicava na percepção de que ela residiria no conjunto da população e seria exercida através de seus representantes. Essa ideia de que a soberania deveria residir no povo foi identificada por Rodrigo Fialho Silva ao analisar o Astro de Minas [17].

O deputado seria um dos principais personagens da política liberal. Sobre sua imagem política era identificado um cidadão honesto, político virtuoso e indivíduo letrado [18]. O cidadão para os homens das primeiras décadas do século XIX era aquele que estava politicamente ligado à Nação[19], capaz de exercer plenamente seus direitos, entre eles, o de eleger e ser eleito. Sendo assim, a eleição dos deputados seria o maior ato de ação dos cidadãos porque através dele a prosperidade do país se concretizaria sob leis capazes de permitir o desenvolvimento do Estado. Para Marcello Basille, o conceito de cidadania é entendido de forma genérica como a forma pela qual as pessoas se relacionam com o Estado [20]. Esta relação estaria ligada aos direitos que se almejavam ou já haviam sido adquiridos. De acordo com o autor, o exercício dessas prerrogativas, com a participação direta ou indireta na vida pública, e todo o conjunto de sentimentos e valores tendente a expressar ou forjar uma identidade nacional [21].

Baptista Caetano classificava o processo eleitoral como o (...) ato que julg[ava] ser o único verdadeiramente Nacional (...) [22]. Esta afirmação era uma clara identificação processo eleitoral como a autonomia do Estado enquanto nação independente, desvinculada da tutela do governo português.

Segundo o redator do Astro de Minas , as eleições seriam responsáveis pela nomeação daqueles que seriam árbitros de sua sorte [23]. Homens probos procurariam felicitar a opinião pública elegendo árbitros Cidadãos de reconhecida probidade, e amantes do Sistema Constitucional . Este por sua vez, seria o único capaz de fazer a nossa felicidade, devemos bem augurar do progresso da Causa Constitucional, e por conseguinte da felicidade da Nação . A garantia do sistema constitucional estaria diretamente relacionada à escolha dos deputados, mais do que dos senadores que passavam pelo crivo do Imperador[24]. Consolidada a via constitucional o Brasil passou a utilizar uma nova linguagem política, inspirada na crença dos princípios liberais [25]. A partir desta nova forma de fazer política a coisa pública se ampliou.

Nesta nova linguagem política as eleições eram assuntos de grande repercussão social. A mobilização ocorrida para a sua realização colocava interesses em disputa no foco das atenções. Neste sentido, este período é um momento privilegiado para identificar as posições políticas, a formação de alianças e as rivalidades de grupos pelo poder instituído.

3. 1829: REVOLUÇÃO EM MINAS GERAIS. A ELEIÇÃO DE BAPTISTA CAETANO A JUIZ DE PAZ E O GRUPO DE LUIS JOSÉ DIAS CUSTÓDIO

Instituída pela Constituição de 1824 a eleição era o exercício máximo da cidadania. No entanto, ela não estava ao alcance de todos. O processo eleitoral apresentava um caráter censitário e indireto: financeiramente era necessário ter uma renda líquida anual de 200$ réis por bem de raiz, indústria, comércio ou emprego. Ficavam excluídos do pleito quem não possuía esta renda, os libertos e os criminosos pronunciados em querelas e devassas[26], além das mulheres e dos escravos.

As eleições para os cargos no legislativo eram ainda uma novidade nas primeiras décadas do século XIX. Assim, a sua realização carecia de uma mobilização por parte dos setores dominantes no sentido de orientar os eleitores. Esta orientação talvez nem estivesse tão relacionada ao esclarecimento sobre a dinâmica do processo e, sim, a perspectiva de formação de consenso acerca dos nomes escolhidos para tão importante função. As divergências surgiram desde a escolha dos nomes dos eleitores, passando pelos nomes dos elegíveis, chegando até o processo de apuração dos votos.

No cenário político sanjoanense, dois nomes despontavam como figuras-chave: Baptista Caetano de Almeida e Luis José Dias Custódio[27], identificados pelos contemporâneos como líderes dos grupos que disputavam o poder na região da vila de São João del-Rei, nas décadas de vinte e trinta do século XIX. A polarização da disputa entre Baptista Caetano e o vigário Dias Custódio em torno dos periódicos, respectivamente, Astro de Minas e O Amigo da Verdade foi objeto de pesquisa de Rodrigo Fialho Silva. Segundo Fialho, os discursos transpareceram as visões doutrinárias pró e contra o centralismo monárquico de D. Pedro, cuja imagem se encontrava bastante desgastada [28].

Como já foi afirmado o processo eleitoral era uma novidade política inaugurada pela Constituição de 1824. Muitas dúvidas surgiram sobre o seu procedimento, e consequentemente, muitos distúrbios. Haja vista da importância de semelhante marco na história política brasileira a repercussão das eleições ganhou destaque na imprensa e encetou a participação incisiva dos grupos que defendiam seus projetos políticos para o Estado.

A rivalidade entre Baptista Caetano e o vigário Dias Custódio atingiu seu ápice nas eleições para vereadores e juiz de paz em 1829, nas quais Baptista Caetano foi eleito para os dois cargos[29]. A repercussão destas eleições culminou com os boatos de uma revolução em Minas Gerais e envolveu diversas autoridades de âmbitos local, regional e também nacional.

O Astro de Minas de 9 de maio de 1829 trouxe documentos que tratavam dos distúrbios ocorridos nas eleições para vereadores e juiz de paz, em 1829 na vila de São João del-Rei[30]. Reproduzidos do periódico O Universal , esses documentos eram certidões autênticas extraídas da Secretaria de Governo e nos quais se baseou o presidente da província de Minas Gerais, João José Lopes Mendes Ribeiro. O pedido de explicações feito por ele sobre o que ocorrera nas ditas eleições fundamentava-se em uma denúncia de um movimento que visava estabelecer um governo republicano em Minas Gerais.

O processo eleitoral responsável pelos boatos de uma revolução em Minas Gerais iniciou seus trabalhos em 15 de fevereiro de 1829. Ele correu dentro da normalidade até o dia 18 quando surgiu uma denúncia de suborno contra Baptista Caetano. Esta denúncia veio à tona quando os resultados apontavam a eleição de Baptista Caetano ao cargo de juiz de paz. Sendo entregue à mesa por um escravo de propriedade de José Maximiano Baptista, o outro concorrente ao cargo de juiz de paz.

Após a denúncia feita, através de um requerimento assinado por 16 cidadãos[31], surgiu um novo requerimento desta vez a favor de Baptista Caetano assinado por 58 cidadãos[32]. Os dois requerimentos foram anexados a Ata Particular do processo eleitoral. Os ânimos se acirraram com o surgimento destes requerimentos, momento então no qual o presidente da Mesa, Antônio Felisberto da Costa, convocou as forças policiais para conter o vigário Dias Custódio também membro da Mesa. Depois do tumulto o recinto fora tranquilizado - não tanto pelas forças policiais, o número efetivamente reduzido de oito homens não seria suficiente para conter o número de 400 cidadãos e o pleito finalizado.

A eleição de Baptista Caetano a juiz de paz suscitou o receio de uma revolução em Minas Gerais com seu foco em São João del-Rei. Seus boatos fornecem dados sobre a organização de grupos políticos em São João del-Rei. Estes grupos apresentavam muitas semelhanças entre si, a grande divergência seria a defesa da maior ou menor centralização do poder.

Os dois personagens centrais foram Baptista Caetano e o vigário Dias Custódio considerados os respectivos responsáveis pelos periódicos supracitados. Alguns pontos desta contenda merecem uma análise mais apurada. O primeiro deles é a identificação de Baptista Caetano como líder de partido em São João del-Rei.

O primeiro a se referir à formação de partidos foi João José Lopes Mendes Ribeiro, presidente da província de Minas Gerais, que pedia explicações sobre inquietações ocorridas na vila ocasionadas por diversos partidos [33]. O Capitão Comandante dos Destacamentos de São João del-Rei afirmou que sua ação e de seu destacamento consistiu em evitar partidos que poderiam gerar perniciosas conseqüências . Os dois relatos identificam os partidos como responsáveis por inquietações e possíveis perniciosas conseqüências . No entanto, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho foi o mais incisivo nas acusações.

Aureliano Coutinho responsabilizava o juiz de fora e presidente das eleições, Antônio Felisberto da Costa, pela nomeação imprudente de dois declarados, e encarniçados inimigos : Baptista Caetano e José Maximiano Baptista[34] para a Mesa responsável pelas eleições. Segundo o ouvidor, os dois poderiam ser considerados chefes de dois partidos que trabalharam um para excluir Baptista da Eleição de Juiz de Paz, e outro para o sustentar [35].

A indignação do redator quanto à formação de partidos demonstra a ameaça que representaria à nação a organização de partidos. Estes eram vistos como estruturas desorganizadoras da ordem social que deveriam ser repudiadas. É necessário ressaltar que o sentido de partido na primeira metade do século XIX é diferente da noção moderna de partido. Neste período, partido possuía uma conotação pejorativa, de facção. Somente a partir da década de 1850 é que os partidos passaram a ser aceitos como forma legítima de organização política[36]. Ao invés de partidos estruturados, hierarquizados, com estatutos formalizados o que encontramos neste momento é a organização de grupos formados por indivíduos com posicionamentos políticos próximos e que disputavam os cargos públicos. E no caso analisado, Baptista Caetano é identificado não apenas por seus aliados, mas também, por autoridades e adversários como o líder de um dos grupos.

Outro fato chama a atenção do observador desta contenda: o que seria capaz de mobilizar um grande número de pessoas, envolver diversas autoridades, ultrapassar as barreiras regionais, gerar denúncias de suborno e quase chegar a utilização de forças coercitivas mais drásticas? A resposta: a eleição a juiz de paz.

Os personagens deste artigo tinham motivos ao levar a eleição a juiz de paz às últimas consequências, pois o cargo acumulava funções administrativas, policiais e judiciais. Segundo Ivan de Andrade Vellasco,

a criação do juizado de paz marcava uma mudança importante na configuração do poder judiciário e criava um personagem que marcaria toda a década seguinte, alterando profundamente o cotidiano da justiça [37]. O juiz de paz passava a concentrar funções que se encontravam distribuídas por diferentes autoridades (juízes ordinários, almotacés, juízes de vintena) ou reservados aos juízes letrados (tais como julgamento de pequenas demandas, feitura do corpo de delito, formação de culpa, prisão, etc.) [38].

O juiz de paz era uma figura do projeto de reformas do judiciário que vieram com a Independência. Sua criação buscava pôr limites aos abusos e arbítrio praticados pelos magistrados, enfrentar o problema crônico da ineficácia e morosidade dos serviços jurídicos . Uma alternativa a falta de profissionais capazes de exercer a função jurídica o juiz de paz responsabilizava-se também de prover o Império de leis adequadas ao sistema constitucional e à marcha civilizatória [39].

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a declaração de Independência do Brasil inaugurou-se uma nova estrutura que representou expressivas mudanças na prática política. A via constitucional ampliou o espaço da ação política e, consequentemente, a quantidade de seus agentes. É neste contexto que se deve compreender a mobilização das lideranças sanjoanenses para a organização e orientação do processo. A vitória no processo eleitoral do primeiro juiz de paz, em 1829, na vila de São João del-Rei, significou para Baptista Caetano de Almeida a acumulação de poderes legislativos, judiciais, administrativos e, ainda, policiais. O cargo acumulava diversas e importantes atribuições, indicando o prestígio social dos eleitos, mas principalmente, aumentando a possibilidade de consolidação dos seus projetos políticos. Neste sentido, é compreensível toda a mobilização dos opositores de Baptista Caetano na tentativa de anular sua eleição e de seus partidários para a sua manutenção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fontes Primárias

Astro de Minas (O), São João del-Rei, nº 23, 41, 47, 149, 152, 206, 230 e 331 (1828-1829).

Livros

MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial, 1820-1840. São Paulo: Hucitec, 2005.

NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais. A cultura política da Independência (1820-1822).Rio de Janeiro: Editora Revan/FAPERJ.

RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI, Jean-François (dir.). Para uma história cultural. Lisboa, Editora Estampa, 1998.

SILVA, Wlamir. Liberais e povo. A construção da hegemonia liberal-moderada na Província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: HUCITEC; Belo Horizonte: Fapemig, 2009.

Artigos de periódicos

ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 15, nº 30, pp. 9-22, 1995.

VELLASCO, Ivan de Andrade. O juiz de paz e o Código do Processo: vicissitudes da justiça imperial em uma comarca de Minas Gerais no século XIX.

Capítulos de livros

GOMES, Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas reflexões. In: SOIHET, Rachel, BICALHO, Maria Fernanda B. & GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs.) Culturas políticas. Ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Faperj, 2005.

Teses

BASILLE, Marcello Otávio Néri de Campos. O Império em construção: projetos de Brasil e ação política na Corte Regencial. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.

Dissertações

MACULAN, Carlos Eduardo. As luzes do tempo: Baptista Caetano de Almeida, projeto civilizacional e práticas políticas no Brasil pós-Independência. (São João del-Rei,1824-1839). 219 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.

SILVA, Rodrigo Fialho. Por ser voz pública: intrigas, debates e pensamento político na imprensa mineira; Vila de São João d El Rei, 1827-1827. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2006.

[1] Mestre em História na linha de pesquisa Narrativas, Imagens e Sociabilidades pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Email: carlosmaculan@gmail.com.

[2] BASILLE, Marcello Otávio Néri de Campos. O Império em construção: projetos de Brasil e ação política na Corte Regencial. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004, p. 4.

[3] Idem, p. 14.

[4] MATTOS, Ilmar Rohloff apud SILVA, Wlamir. Liberais e povo. A construção da hegemonia liberal-moderada na Província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: HUCITEC; Belo Horizonte: Fapemig, 2009, p. 27. Em seu livro Wlamir Silva visa elucidar a ação da elite liberal moderada no sentido de criar um consenso em torno de seu projeto. Outra pesquisa referência para este artigo foi a tese de Marcello Otávio Neri de Campos Basille que identificou as ações e a dinâmica dos principais grupos políticos do período regencial. BASILLE, op. cit, 2004.

[5] Inspirado por René Remond o movimento contou ainda com as contribuições de Serge Bernstein, Jean-Pierre Riox, Jean-François Sirinelli, entre outros.

[6] RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI, Jean-François (dir.). Para uma história cultural. Lisboa, ed. Estampa, 1998; ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 15, nº 30, pp. 9-22, 1995; e GOMES, Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas reflexões. In: SOIHET, Rachel, BICALHO, Maria Fernanda B. & GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs.) Culturas políticas. Ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Faperj, 2005.

[7] Baptista Caetano de Almeida foi um próspero comerciante estabelecido na praça de São João del-Rei na primeira metade do século XIX. Socialmente influente, destacou-se no cenário político regional, contudo, sua maior contribuição para a vila foi a implantação da primeira livraria pública de Minas Gerais, assim como, da primeira tipografia de São João del-Rei. Para maiores informações sobre Baptista Caetano de Almeida cf. MACULAN, Carlos Eduardo. As luzes do tempo: Baptista Caetano de Almeida, projeto civilizacional e práticas políticas no Brasil pós-Independência. (São João del-Rei,1824-1839). 219 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.

[8] NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais. A cultura política da Independência (1820-1822).Rio de Janeiro: Editora Revan/FAPERJ, pp. 177-178.

[9] SILVA, Wlamir. Op. cit. 2009, p. 42.

[10] Esta e as próximas citações foram retiradas de Astro de Minas, São João del-Rei, nº 41, 21/02/1828.

[11] Esta e as próximas citações foram retiradas de Astro de Minas, São João del-Rei, nº 47, 06/03/1828.

[12] NEVES, op. cit. p. 214. A autora destaca que apesar da reabilitação da categoria povo, existia um subgrupo numeroso na estrutura social, que era desprezado pelos escritos liberais: a plebe, um grupo sem expressão econômica nem política. NEVES, op. cit. p. 216.

[13] CHAMON, Carla Simone. Festejos imperiais. Festas cívicas em Minas Gerais, 1815-1845. Belo Horizonte: UFMG, 1996. Apud SILVA, Wlamir, op. cit. 2009, p. 145.

[14] SILVA, op. cit. 2009, p. 147.

[15] Astro de Minas, São João del-Rei, nº 47, 06/03/1828.

[16] Baptista Caetano se encontrava no Rio de Janeiro. Esta e as próximas citações foram retiradas de Astro de Minas, São João del-Rei, nº 149, 01/01/1828.

[17] SILVA, Rodrigo Fialho. Por ser voz pública: intrigas, debates e pensamento político na imprensa mineira; Vila de São João d El Rei, 1827-1827. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2006, p. 141.

[18] NEVES, op. cit. p. 179.

[19] Idem, p. 180.

[20] BASILLE, op. cit. p. 16.

[21] Idem, p. 16.

[22] Astro de Minas, São João del-Rei, nº 149, 01/01/1828.

[23] Esta e as próximas citações foram retiradas de Astro de Minas, São João del-Rei, nº 152, 06/11/1829.

[24] Em edital convocando para as eleições de senadores o cargo era definido como uma das mais Augustas, e Distintas Funções de um Povo que começa a ser livre . Este edital fora assinado por Baptista Caetano, Manoel Moreira da Rocha, Francisco Antônio da Cunha e José Coelho Mendes. Astro de Minas, São João del-Rei, nº 23,10/01/1828.

[25] NEVES, op. cit. p. 257.

[26] SILVA, op. cit. 2006, p. 43.

[27] Luiz José Dias Custódio era natural da Vila de Penela, Comarca e Bispado de Coimbra. Filho de Dr. Antonio Dias Custódio e de Damásia Caetana Ribeiro da Conceição. Segundo Fialho, era conhecido em meio à hierarquia eclesiástica e transitava em seus diversos escalões com facilidade, desde que viera para o Brasil. Cursou o bacharelado em Cânone pela Universidade de Coimbra. SILVA, op. cit. 2006, p. 80-82.

[28] Idem, p. 22.

[29] Nestas eleições foram eleitos: Francisco de Paula de Almeida Magalhães com 723 votos, Francisco Pereira Pimentel com 656, Baptista Caetano de Almeida com 418, Gabriel Francisco Junqueira com 372, José Fernandes Penna com 311, Reverendo Antonio Joaquim de Medeiros com 294 e o Reverendo João Ferreira Leite com 285 votos. Astro de Minas, São João del-Rei, nº 206, 12/03/1829.

[30] Astro de Minas, São João del-Rei, nº 230, 09/05/1829.

[31] Nomes dos que assinaram a representação que denunciou o suborno nas eleições para vereadores e juiz de paz: João Baptista Machado, Manoel José da Costa Machado, Francisco José Alves S. Tiago, Francisco Izidoro Baptista da Silva, Manoel Gomes de Almeida Coelho, José da Rocha Neves Quintella, Antônio Gonçalves Liberal e Heitor José Alves S. Tiago. Astro de Minas, São João del-Rei, nº 331, 31/12/1829.

[32] Os nomes não foram dos assinantes não foram citados.

[33] Esta e as próximas citações foram retiradas de Astro de Minas, São João del-Rei, nº 230, 09/05/1829.

[34] Apesar de José Maximiano Baptista ser identificado por Aureliano Coutinho como líder de um dos partidos é sempre ao vigário Dias Custódio que se referem as acusações dos opositores.

[35] Astro de Minas, São João del-Rei, nº 230, 09/05/1829.

[36] Para as noções de partido cf. MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial, 1820-1840. São Paulo: Hucitec, 2005; e NEVES, op. cit. p. 194.

[37] VELLASCO, Ivan de Andrade. O juiz de paz e o Código do Processo: vicissitudes da justiça imperial em uma comarca de Minas Gerais no século XIX, pp. 4-5.

[38] Idem, p. 5.

[39] Idem, p. 5.






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Manoel Messias Pereira

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