Hilda Hilst no cinema e na TV
Uma década depois de sua morte, o interesse pela obra de Hilda Hilst tem crescido e alcançado proporção inédita. Um reconhecimento que ela nunca teve em vida. Livros, traduções, filmes e séries de TV devem saldar essa ‘dívida’. Autora de mais de 40 títulos, a escritora foi festejada entre críticos, em teses, ensaios e estudos. Mas, cercada por aura hermética, se manteve pouco conhecida do grande público, e reclamou um bocado disso.
Nesta terça, 4 de fevereiro, data do aniversário de dez anos da sua morte, Hilda Hilst (1930-2004) será lembrada em uma cerimônia que reunirá artistas e convidados. O lugar em que ela morou, em Campinas, interior de São Paulo, espaço conhecido como Casa do Sol, também receberá homenagem no evento, que será realizado na Câmara dos Vereadores da cidade.
Transformada em centro cultural, desde a morte da escritora, em 2004, a Casa do Sol tem sido responsável por manter vivo o espirito da autora. É lá também que está sediado o Instituto Hilda Hilst, que preserva acervo e obra. “Sempre foi um lugar de estudo e produção, e é essa a atmosfera que mantemos hoje”, afirma Daniel Fuentes, herdeiro dos direitos autorais da artista, e filho do escritor espanhol José Luís Mora Fuentes, morto em 2009, um dos grandes amigos de Hilda.
O local mantém ainda apresentações teatrais e um intenso programa de residências criativas. “A casa é parte fundamental da obra de Hilda, ela nunca se deixou sozinha e sempre viveu lá cercada de amigos”, declara Fuentes.
Furacão Hilda
“O ano será cheio de novidades”, anuncia o herdeiro de Hilda, que acompanha de perto, e atento, tudo o que está sendo produzido em torno do universo literário e artístico da escritora. Entre os lançamentos previstos pode estar parte de um material inédito encontrado na casa, que inclui um livro infantil, poemas, desenhos e textos em prosa de Hilda Hilst. Esse material ainda sem editora, segundo Fuentes, deve ser organizado e lançado em breve.
Fuentes explica que o atual ‘furacão Hilda’ começou com um boom de interesse em torno da escritora, há cerca de dois anos, principalmente nos EUA, após a tradução de um de seus livros mais conhecidos “A Obscena Senhora D” (Editora Globo). Uma revista americana citou o livro como ‘o milagre literário de 2012′. Outras traduções estão a caminho, na Alemanha, Argentina, Espanha, França, Itália e México.
No Brasil, Hilda Hilst começou finalmente a ser mais lida a partir da publicação de seus livros pela editora Globo, a partir do início de 2000. A obra completa foi republicada em 23 títulos. O lançamento mais recente é a coletânea de entrevistas, de 2013, “Fico Besta Quando me Entendem”, organizado por Cristiano Diniz.
A editora não revela números das vendas, mas segundo Fuentes, a coletânea já segue para sua terceira tiragem. Ainda este ano deve ser lançado também um livro de cartas de Hilda Hilst, segundo informou a editora Globo, por meio de sua assessoria. Uma biografia da escritora também está sendo produzida e deve chegar às livrarias em 2015, mas a editora não informou detalhes sobre o livro.
A vida e a obra de Hilda Hilst também serão retratadas no cinema e na TV. Um documentário dirigido por Gabriela Greeb deve começar a ser filmado ainda esse ano e lançado em 2015, quando a Casa do Sol completará 50 anos (tendo como referência a data de construção, em 1965). Uma ficção também deve entrar no forno, em breve, produzida e protagonizada por Tainá Müller, com direção de Walter Carvalho, previsto para 2016.
Outros dois projetos audiovisuais importantes estão em início de caminhada. O primeiro é um filme para TV, inspirado no livro “Tu Não te Moves de Ti”. O roteiro foi escrito por Mora Fuentes (pai de Daniel), morto em 2009, e contou com “a leitura” da própria Hilda. “Todas as adaptações sobre a obra original ganham uma legitimidade extra”, comenta Fuentes. A outra produção é uma série de oito episódios, cada um baseado em uma das peças de Hilda.
Essência libertária, humanista e transgressora
Autora premiada, Hilda Hilst passeou por todos os estilos, teatro, prosa, poesia e crônica. E inovou em todos eles, imprimindo em seus trabalhos sua essência libertária, humanista e transgressora – aliás, chegou a ser comparada a Guimaraes Rosa.
“Há dois pólos em Hilda, do sublime e do abjeto ou obsceno, que se complementam e interagem, de modo único”, analisa o escritor Claudio Willer, autor de diversos ensaios críticos que se debruçam sobre a obra da autora.
Natural de Jaú, a escritora formou-se em Direito, e publicou seu primeiro livro de poesia em 1950. Poucos anos depois, totalmente imersa na produção literária seus versos já inspiravam até Adoniram Barbosa. Em meados de 1960 se muda para a Casa do Sol onde aprofunda seu mergulho na literatura e no teatro.
Escritora pop sem leitores
É conhecido que Hilda costumava brincar com sua odiada falta de leitores. Ela chegou a dizer que o editor, Massao Ohno, escondia os livros embaixo da cama. Mas a brincadeira, como se diz, ‘tinha um fundo de verdade’, observa Fuentes.
“Era uma piada sobre a péssima distribuição do mercado editorial na época”, afirma. Ou seja, de acordo com o herdeiro da escritora, ‘os livros embaixo da cama do editor’ ocorreu de fato.
Ainda assim o universo artístico de Hilda tem contornos pop. Chegou até a gravar o CD “Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé”, parceria de Hilda Hilst e Zeca Baleiro, com participação de Zélia Duncan, Maria Bethânia, Ná Ozzetti, Olivia Byington entre outras.
Figueira mágica
“Hilda trabalhava, estudava e escrevia até 12 horas todos os dias na casa”, conta Fuentes. A residência foi construída nas terras da fazenda da mãe da escritora, e o local escolhido por causa de uma figueira centenária – hoje tombada como patrimônio histórico, junta com a Casa – por quem Hilda se apaixonou. “Dizem que essa árvore, de tão velha é mágica”, diz.
A casa da Hilda é mesmo cheia de histórias, em geral envolvendo amigos da escritora, que eram recebidos para almoços ou jantares, e alguns para pequenas ou grandes temporadas. O escritor Caio Fernando Abreu integra a lista de visitantes ilustres de períodos mais extensos. Ele teria sido um dos agraciados pela tal figueira mágica.
“Ele (Caio) pediu à árvore para que sua voz mudasse [tinha uma voz fina e não gostava nada dela] e para que ganhasse um prêmio literário para o qual estava concorrendo, no Rio”, conta Jurandy Valença, artista plástico. “E foi atendido”, completa.
Casa no campo
O artista plástico Jurandy Valença é um dos moradores da casa que Hilda construiu em meados de 1960 para viver e escrever. Ele coordena por lá o projeto de residências artísticas, desde junho de 2012. “Mais de 60 residentes já estiveram na casa, entre acadêmicos, pesquisadores, tradutores, escritores, poetas, artistas visuais, atores e atrizes. Da maioria dos estados do país, assim como dos EUA e da Argentina”, conta Valença.
Um dos mais recentes habitantes do pedaço foi o escritor mineiro Juarez Guimaraes Dias. Entre as emoções que viveu, ele conta que ajudou a apagar um incêndio que ocorreu na área de jardim da casa, durante o mês de janeiro deste ano. Essa e outras experiências devem virar um hibrido de romance e documentário, “A Casa da Senhora H”, que vai contar a história da Casa do Sol, projeto selecionado em edital da Funarte. O livro segundo ele deve ser lançado no segundo semestre desse ano.
“É um misto de realidade e ficção, mas tem o propósito de trazer à tona esse projeto de Hilda Hilst de viver no campo para ler e escrever e também de uma vida em comunidade”, explica o escritor. Segundo Dias, a casa o ajudou bastante no projeto. “Tem toda uma estrutura silenciosa, conventual, propícia à criação, à leitura”, relata. “No meu caso em específico teve ainda um sabor diferente porque estava dentro da minha própria personagem, a Casa do Sol”, arremata.
Contatos com o além
Além das histórias mágicas da figueira centenária, a casa guarda também histórias de uma fase mística de Hilda, que inclui contato com os mortos. Quem conta é a artista plástica, Olga Bilenky, mulher de Mora Fuentes, e mãe de Daniel. “Gravávamos os sons através dos ruídos entre as estações do radio”, relembra.
“Hilda chegou a captar uma grande mensagem de meu pai que havia falecido há seis anos, entre outras interferências surpreendentes”, conta. Essas histórias, segundo Bilenky, devem ser contadas no documentário da cineasta Gabriela Greeb.
A artista plástica chegou a Casa do Sol em 1976, e nos últimos anos é quem administra e gerencia o local. “Vim com o escritor espanhol Mora Fuentes, que foi um namorado comum (com Hilda)”, revela. “Mas em tempos diferentes”, ressalta.
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