Morte Voluntária na Obra Guerra dos Judeus de Flávio Josefo: Atitudes Judaicas Perante O Suicídio (Parte 1)
por André Ricardo Nunes dos Santos
Sobre o autor[1]
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Introdução
Este artigo pretende analisar as atitudes de judeus do século I a.E.C. ao século I E.C. perante a morte voluntária, a partir de relatos e discursos sobre suicídio presentes na obra Guerra dos judeus do historiador Flávio Josefo.
Uso o termo suicídio num sentido muito estrito, para indicar o ato exterior pelo qual um indivíduo perpetra a morte sobre si mesmo, e cujos meios são variáveis. Não se trata aqui da relação, expressa por Albert Camus (2008, p. 18), e seguida por Georges Minois (1998, p. 9), entre o pensamento individual e o suicídio, ou seja, das causas íntimas, muitas e difíceis de serem avaliadas, mas, trata-se da exterioridade do ato.
Essa definição se aplica aos casos narrados por Josefo. No episódio da sua rendição ele conseguiu, através de um discurso, impedir que seus companheiros se matassem a si mesmos e convenceu-os a serem mortos uns pelos outros. Não houve, pois, nessa ocasião, nenhum suicídio já que os dois últimos sobreviventes (o próprio Josefo e outro) acordaram não se matarem. No episódio análogo de Massada houve apenas um suicídio (JOSEFO, Bell. Jud., VII 398-399). Por outro lado, ocorreram vários suicídios durante a guerra judaica (66-73 E.C.), mas, apenas no episódio da tomada de Jotápata (JOSEFO, Bell. Jud., III 331) houve suicídio em massa. O suicídio em massa é, portanto, compreendido como a soma dos suicídios individuais numa dada ocasião.
Uma história das atitudes perante o suicídio
Uma história das atitudes perante a morte voluntária tem sido elaborada pelo historiador francês Georges Minois. Seus estudos partiram da constatação da ausência do tema nos grandes estudos historiográficos franceses - de autores como Michel Vovelle, François Lebrun, Pierre Chaunu e Philippe Ariès - sobre a morte, escritos nas décadas de 70 e 80 do século passado. Tal ausência se deveu em parte a problemas metodológicos, uma vez que as fontes para a história da morte voluntária não são as mesmas, e nem da mesma natureza, das que se utiliza para a história da morte. Os casos de morte voluntária não aparecem em registros paroquiais, já que aqueles que a praticavam não tinham direito ao enterro religioso. A documentação é fragmentária e escassa, devendo ser buscada nos arquivos judiciais, na literatura, nos jornais, em crônicas e em memórias pessoais. A escassez das fontes se deve aos poucos casos de morte voluntária, o que torna o assunto pouco significativo para análises seriais, demográficas ou sociológicas. Por outro lado, tal ausência se explica por questões de fundo: "não se podem estudar os suicídios como se faz quanto aos danos causados pela peste ou tuberculose, porque a morte voluntária é um tipo de óbito cuja significação não é de ordem demográfica, mas filosófica, religiosa, moral e cultural" (MINOIS, 1998, p.8).
Georges Minois busca responder à seguinte pergunta: Porque é que alguns homens optaram por deixar de viver? (MINOIS, 1998, p. 9). Para ele "cada um deles tinha as suas razões e importa tentar compreender como é que essa atitude é reveladora dos valores vitais da sociedade" (MINOIS, 1998, p. 9). Embora o autor se preocupe com as razões individuais, sua abordagem visa às mudanças nas mentalidades ao longo da história ocidental[2].
Para Georges Minois (1998, p. 60) uma das características da atitude antiga perante a morte voluntária é a pluralidade de opiniões. As escolas filosóficas gregas, por exemplo, possuíam cada qual uma posição própria, variando desde a oposição dos pitagóricos à aprovação dos epicuristas e estoicos. Tal diversidade era encontrada no direito e, algumas cidades determinavam punições aos suicidas e outras não. Mas, no geral as cidades eram indulgentes com a prática do suicídio. A história grega está repleta de exemplos de suicídios cometidos pelos mais variados motivos (MINOIS, 1998, p. 61).
A civilização romana é reputada como a mais favorável ao suicídio, devido à influência do estoicismo entre as elites e à quantidade de casos célebres de morte voluntária. Segundo Georges Minois (1998, p. 65) na Roma antiga, também, não havia unanimidade sobre a questão: "a sociedade romana está dividida entre a hostilidade para com um acto anti-social e a admiração por essa manifestação de liberdade do indivíduo, que lhe permite escapar aos abusos dos mais fortes e ao poder tirânico" (MINOIS, 1998, p. 65). Para os homens livres não havia nenhuma interdição legal do suicídio, porém, os escravos e soldados estavam impedidos de praticá-lo (MINOIS, 1998, p. 66).
A história judaica tem um número considerável de casos de suicídios (MINOIS, 1998, p. 27). Houve suicídios célebres que fizeram história e foram motivos de discussão. Além dos exemplos ilustres, narrados na historiografia bíblica e judaico-helenística, há vários casos de suicídios anônimos mencionados por Josefo. Por exemplo, o suicídio dos partidários de Aristóbulo quando da tomada de Jerusalém por Pompeu (Bell. Jud., I 150-151), e o dos soldados de Josefo na tomada de Jotápata por Vespasiano (Bell. Jud., III 331). Estes são, geralmente, suicídios por evasão para escapar às consequências de uma derrota militar.
Na Bíblia existem várias narrativas neutras de suicídios: o de Sansão (Jz 16,29-30), de Saul e seu escudeiro (1Sm 31,4-5) e o de Zambri (1Rs 16,18). Na historiografia judaico-helenística ocorre o mesmo (cf. 2Mc 14,41s; Bell. Jud., II,466; III,338-360; VII,323-388), o que evidencia que o suicídio não constituía um problema para os judeus. A única exceção é Flávio Josefo, que escreveu em grego uma história da guerra da Judéia (66-73) em que narra vários episódios de suicídio, sendo os mais importantes os dos cercos de Jotápata (Bell. Jud., III 141-339) ocorrido em 67 E.C. e Massada (Bell. Jud., VII 320-388), seis anos depois. Junto aos relatos, o historiador insere discursos nos quais reflete sobre o problema, utilizando argumentos filosóficos.
Flávio Josefo e a revolta da Judéia
Josefo, filho de Matias, nasceu em Jerusalém no ano 37 (JOSEFO, Vita 5; 418). Recebeu educação formal nas letras e no direito judaico, tendo se destacado excepcionalmente no estudo da Torah[3]. Aprendeu hebraico e aramaico. Entre quatorze e dezesseis anos de idade experimentou, ligeiramente, as seitas judaicas dos saduceus, dos fariseus e dos essênios. A crença dessa última na imortalidade da alma será de fundamental importância nas suas avaliações sobre o suicídio. Depois se tornou discípulo de um asceta chamado Banus, com quem conviveu durante três anos no deserto. Aos dezenove anos voltou para Jerusalém e começou a participar da vida pública. Como era da linhagem sacerdotal deve ter iniciado, nessa época, suas funções no Templo.
Josefo aprendeu também o grego, língua que lhe será muito útil no trato com os dirigentes romanos, já que era a segunda língua do Império e o principal idioma utilizado por eles na parte oriental. Será neste idioma que irá escrever suas obras. A dupla formação, retórica e rabínica, irá marcá-lo profundamente. Josefo será um homem marcado por duas culturas, a grega e a judaica, e dividido entre duas cidades, Jerusalém e Roma.
Ao completar vinte e nove anos Josefo decide ir a Roma para interceder por alguns amigos sacerdotes que haviam sido enviados presos por Félix, então procurador da Judéia, a fim de se defenderem diante de Nero, na época imperador. Na capital do Império Josefo teve acesso a Popéia, esposa do imperador, por meio de um ator judeu estimado por Nero, e obteve a absolvição de seus amigos.
Na volta a Jerusalém encontrou a cidade em clima de revolta. A Palestina judaica estava conturbada. A opressão do poder romano sobre os camponeses aumentava o clima de tensão. Não tardou para que judeus rebeldes pegassem em armas e expulsassem de Jerusalém as tropas do prefeito romano Céstio Galo. Logo, os rebelados rechaçaram também as forças do legado da Síria enviado em socorro do procurador. Esses breves sucessos animaram os revoltosos a levarem a revolta adiante e, então, começaram os preparativos para a guerra.
Josefo foi escolhido para organizar a resistência na Galiléia, região ao norte de Samaria. Como Vespasiano começou seu avanço sobre a Palestina a partir da Alta Galiléia, Josefo logo teve de se enfrentar com esse general. Encurralado na cidadela de Jotápata conseguiu, juntamente com a população, resistir durante quarenta e sete dias ao cerco romano. O cerco dessa cidadela é narrado em detalhes no terceiro livro da Guerra dos judeus (Bell. Jud., III 141-339). Josefo tinha motivos de sobra para fazê-lo. Ele mesmo comandou a defesa do lugar. Tinha um conhecimento preciso das operações e de toda a maquinaria de cerco romana empregada para abrir passagem pelos muros da cidadela. As máquinas romanas chamam a atenção. O que se vê provoca espanto, mas o que se ouve causa terror. Josefo está atento a tudo, inclusive aos sons produzidos pela batalha. Os mais diversos e de várias fontes. São os sons da morte (Bell. Jud. III 247, 248, 250).
Josefo produz um riquíssimo relato das escaramuças e batalhas em que judeus e romanos se enfrentaram e uma descrição minuciosa das criativas artimanhas por ele utilizadas para deter o avanço romano sobre a cidade.
No dia 20 de julho de 67 Jotápata é tomada e seus habitantes escravizados e mortos, alguns dos sitiados se matam antes de serem capturados. Durante a invasão, Josefo consegue se esconder numa caverna adjacente a uma cisterna, onde permanece por três dias até ser descoberto. Depois de reiterados apelos do tribuno Nicanor ele resolve se entregar, mas seus companheiros tentam impedi-lo. Josefo os faz pronunciar uma breve arenga, apelando à morte contra a sua rendição. Percebe-se que ele projeta no curto discurso um sentimento de culpa de quando ele escrevia a narrativa. Alguns elementos só são possíveis de se imaginar ex eventu. Josefo não tem muita escolha: ou se mata voluntariamente como general dos judeus ou, então, será morto como traidor. Mas ele não quer uma morte heroica. Nesta altura do relato ele interpõe um discurso contra o suicídio. Olhando em retrospectiva ao escrever seu relato, no conforto de sua residência em Roma, ele articula alguns argumentos e imagens para explicar sua posição contrária à morte voluntária.
Sem poder se render, Josefo propõe que, ao invés de todos cometerem suicídio, se escolha por meio de um sorteio quem irá matar o companheiro até que o último que restar, e apenas ele, se mate. Na estratégia econômica de Josefo o suicídio de um é melhor que o de muitos. Por meio de um artifício retórico ele parece convencer aos refugiados a não matarem a si mesmos, mas antes, matarem um companheiro e serem mortos por outro. O último, esse sim, deveria tirar a própria vida. Josefo transforma o drama da sua captura e rendição num jogo macabro em que o "vencedor" deve cometer suicídio. Ao final restam dois refugiados e Josefo é um deles. Ardilosamente ele consegue convencer o outro a não se matarem. Ele alega não querer manchar suas mãos com o sangue de um semelhante, no caso um judeu, mas se a sorte apontasse para ele não gostaria de ser morto. Ele não diz o que teria acontecido a seu amigo, nem sequer menciona seu nome. Mas ele se entrega a Vespasiano que o mantém prisioneiro. Daí para frente, e segundo sua narrativa, o destino de Josefo muda radicalmente. De líder rebelde ele se torna intérprete dos romanos e acompanha o avanço romano sobre a Palestina até a tomada de Jerusalém no ano 70.
Logo após a captura de Josefo em Jotápata chegam a Jerusalém falsos rumores de que ele estava morto. A notícia causa uma comoção geral na cidade, que realiza uma cerimônia fúnebre pública em memória do general. Mas ao ser visto em companhia de Tito, filho de Vespasiano, percebem que ele havia mudado de lado e passam a tê-lo como inimigo.
Restaurado o controle de Jerusalém pelos romanos em 70, sendo já Vespasiano imperador em Roma, Tito volta para a capital do Império acompanhado de Josefo onde receberá, juntamente com seu pai, a homenagem do triunfo. Josefo, já em Roma, irá se dedicar a escrever a história da revolta judaica, primeiramente, em aramaico e, depois, em grego, a partir de modelos historiográficos gregos (e.g. Tucídides e Políbio).
Os governadores deixados para governar a região se incumbiram de eliminar os últimos focos de resistência judaica. No ano 73 (ou 74) Flávio Silva se dirige para Massada a fim retomar o controle dessa fortaleza. Localizada no deserto da Judéia, era considerada uma praça inexpugnável. Nosso autor não dá muitos detalhes do cerco, pois já se encontrava em Roma e contava apenas com os relatórios militares romanos para descrevê-lo.
A praça havia sido tomada no início da revolta, no ano 66, por um grupo de sicários[4] que expulsou a guarnição romana do lugar e aí se alojou até a chegada de Flávio Silva. Após a morte de seu líder Menaém, pelo sacerdote e líder rebelde Eleazar, uma parte do grupo fugiu, escondendo-se em Massada. Durante o período da revolta eles viveram aí refugiados e não mais se envolveram na luta pelo controle de Jerusalém. Viviam dos escassos recursos locais e de pilhar as populações vizinhas. Foi esse grupo que Flávio Silva encontrou na praça forte, o último foco de resistência judaica na Palestina.
Segundo Josefo eram novecentas pessoas em Massada, lideradas por Eleazar ben Jair, um parente do antigo líder sicário Menaém. Os sicários não ofereceram nenhuma resistência. As dificuldades ficavam por conta da natureza do lugar. Vencidas as barreiras naturais, os romanos conseguiram penetrar na fortaleza, mas, encontraram todos mortos, exceto duas mulheres e algumas crianças. A fim de não se entregarem aos romanos, os sitiados tinham decidido se matar. Antes disso, porém, Eleazar precisou pronunciar um discurso, em duas partes, conclamando a população a se entregarem voluntariamente à morte. Esse discurso é uma defesa do suicídio e deve ser entendido como parte do propósito de Josefo de abordar o problema da morte voluntária. Nele o autor utiliza, novamente, argumentos e imagens retirados da filosofia e literatura gregas.
Bellum Judaicum
A obra Guerra dos judeus, segundo indicações do próprio Josefo, foi escrita aos poucos. Com certeza ele tomou muitas anotações durante o percurso da guerra e a seu término já devia possuir um material considerável para produzir sua obra. Sua participação na guerra durou até o ano 70, quando partiu para Roma a convite de Tito. A narrativa, porém, se estende até o ano 75, quando da dedicação do templo da Paz por Vespasiano em Roma. Segundo o autor sua primeira obra foi escrita enquanto Vespasiano ainda vivia (JOSEFO, Vita, 361), o que limita a data de sua redação final a 79, ano da morte deste imperador. O trabalho de redação deve ter levado vários anos, uma vez que os manuscritos foram primeiramente mostrados, segundo o autor, aos imperadores e a outras personalidades importantes e, só então, publicados. É o que se deduz de pelo menos uma das cartas de Agripa (JOSEFO, Vita, 365). Todavia, Guerra dos judeus pode ter sido publicada no principado de Tito (JOSEFO, Vita, 363), o que, se estiver correto, coloca a data da publicação entre 79 e 81. Ao que parece, o último livro só foi publicado no principado de Domiciano, devido às diferenças estilísticas em relação aos outros livros e a preeminência dada a este imperador (IBÁÑEZ, 1997, p. 91).
Quanto à estrutura, a obra divide-se em sete livros, cobrindo um período de 241 (duzentos e quarenta e um) anos desde a tomada de Jerusalém por Antíoco IV, Epífanes em 167 a.E.C. até o ano 75. Esse longo lapso de tempo não está distribuído de forma homogênea entre os livros. O primeiro e início do segundo são na verdade uma introdução ao tema da guerra, objeto da história de Josefo, que começa no ano 66. O relato é mais geral e menos detalhado, servindo apenas como preparação dos acontecimentos que irão determinar a guerra contra os romanos. A guerra propriamente dita inicia-se no ano 66 e perdura até a destruição do templo no ano 70, quando Jerusalém é retomada. O relato desse período é feito com detalhes a partir do segundo ao sexto livro da obra. O período seguinte que vai até aproximadamente o ano 75 é narrado no sétimo livro e se ocupa, principalmente, da destruição dos últimos focos de resistência judaica.
Foi escrita inicialmente em aramaico e depois traduzida para o grego pelo próprio autor, no período dos imperadores da dinastia Flávia. A partir dessa versão grega foram feitas várias edições e traduções, incluindo as contemporâneas, uma vez que o texto aramaico se perdeu. Nos anos 1885 a 1895 publicou-se uma edição crítica das obras de Josefo, feita por Benedict Niese, a partir de duas tradições distintas de manuscritos[5] e na qual se baseia a edição utilizada neste artigo.
O trabalho de tradução para o grego levanta alguns problemas de difícil solução. Tem sido proposto que Josefo se utilizou de assistentes gregos na composição da obra (THACKERAY, 1997, p. 15), teoria rejeitada por Tessa Rajak (1984, p. 233-236). Josefo escreve para leitores gentios e judeus helenizados. Segundo Arnaldo Momigliano (1990, p. 103) "o fato de ele escrever em grego já significava uma aceitação dos critérios de exposição e explicação inerentes à tradição historiográfica grega". As seitas judaicas estão caracterizadas à grega, os personagens principais são descritos com grande riqueza de meios retóricos, com o que não podiam competir os cortantes estilos hebraico e aramaico (MOMIGLIANO, 1990, p. 103). Além disso, Flávio Josefo elabora um processo de helenização dos conceitos judaicos (LAMOUR, 2006, p. 73). Segundo Momigliano, para Flávio Josefo a adoção do grego significava a expressão de seu desejo que o judaísmo, tal como ele o concebia, vivesse no âmbito da civilização greco-romana (MOMIGLIANO, 1990, p. 103). A questão da morte voluntária de judeus não é tratada de forma diferente, mas, inserida no contexto de uma discussão maior: o problema filosófico do suicídio elaborado na filosofia grega.
Nessa obra, Josefo relata alguns casos de suicídio e de tentativa de suicídio entre os judeus:
1.y Suicídio de partidários de Aristóbulo (Bell. Jud., I 150)[6];
2. Suicídio ou tentativa de suicídio de Fasael, irmão de Herodes (Bell. Jud., I 271-272)[7];
3. Suicídio de um velho bandido ao ser encurralado (Bell. Jud., I 313)[8];
4. Tentativa de suicídio da esposa de Ferora (Bell. Jud., I 593)[9];
5. Tentativa de suicídio de Herodes, frustrada (Bell. Jud., I 662)[10];
6. Suicídio de judeus rebelados na guerra de Varo (c. Ap., I 34; Bell. Jud., II 49)[11];
7. Suicídio de Simão ben Saul, de Citópolis[12] (Bell. Jud., II 476)[13];
8. Suicídio dos combatentes de Jafa e sua reprovação por Josefo (Bell. Jud., III 296)[14];
9. Suicídio dos soldados de Josefo em Jotápata (Bell. Jud., III 331)[15];
10. Suicídio dos piratas da cidade de Jope (Bell. Jud., III 425)[16];
11. Suicídio de mais de cinco mil judeus durante a tomada de Gamala (Bell. Jud., IV 78-80)[17];
12. Suicídio de judeus em Jerusalém durante a revolta da Judéia (Bell. Jud., IV 312)[18];
13. Suicídios dos judeus Meiro e José quando da tomada do templo de Jerusalém por Tito, no ano 70 E.C. (Bell. Jud., VI 280)[19];
14. Suicídio de judeus nos subterrâneos de Jerusalém (Bell. Jud. VI 430)[20];
15. Suicídio em Massada (Bell. Jud., VII 397)[21].
Não interessa, nesse momento, a discussão sobre a historicidade desses relatos[22]. Josefo relata, também, alguns casos de suicídio entre os romanos, como o de Nero, Ótão e de soldados envolvidos na guerra da Judéia (Bell. Jud., IV 493, 548; VI 181, 187)[23].
Da autoquiria ao suicídio
Um estudo histórico das atitudes perante o suicídio na obra josefiana evoca o problema da história desse vocábulo, desconhecido no latim clássico, bem como, do seu uso nas modernas traduções de Josefo. O termo, criado na Idade Média[24], só difundiu-se a partir do século XVII nas principais línguas europeias e, somente no século XIX começou a ser usado nas traduções das obras de Flávio Josefo, estreando na tradução inglesa The jewish war do Rev. Robert Traill, de 1851. No século XX aparece na tradução francesa Guerre des juifs de René Harmand, de 1911, e nas traduções inglesas de Thackeray, de 1927, e de Williamson, de 1959.
Nestas traduções contemporâneas o vocábulo "suicide" traduz a palavra grega autokheiría[25], utilizada por Josefo e, que denota o ato de se matar com as próprias mãos[26]. Josefo é bem claro em fazer distinção entre "um grupo se matar entre si" e um indivíduo "se matar" por iniciativa própria. A questão está na relação oposta entre morrer pelas mãos de outro e morrer pela própria mão.
A autokheiría parece indicar o tipo de morte em que o suicida utiliza sua própria espada ou punhal contra si mesmo[27], o que podia ser considerado uma morte honrosa (gr. kalós thánatos) e nobre (gr. gennaios thánatos). Representações contra as quais Josefo irá argumentar no terceiro livro da Guerra dos judeus (III 362-382), num discurso que "ultrapassa o próprio contexto e ganha outra dimensão filosófica e religiosa mais geral" e ainda "comporta todos os argumentos que serão retomados até à nossa época pelos adversários do suicídio" (MINOIS, 1998, p. 30). No sétimo livro ele elabora, num discurso, uma defesa desse tipo de morte (Bell. Jud., VII 323-388). Segundo Georges Minois, para quem Josefo apresenta todos os argumentos contra e a favor da morte voluntária, "trata-se de um verdadeiro elogio do suicídio, em que se misturam no contexto vetero-testamentário certas reminiscências estoicas, neo-platônicas e hinduístas" (MINOIS, 1998, p. 28, 31).
Os discursos
O uso de discursos era prática comum na historiografia antiga (GRANT, 2003, p. 45-48). Josefo lançou mão de uma porção deles e não tinha a intenção de reproduzir literalmente o que supostamente teria sido dito na ocasião. Nos discursos, Josefo expõe sua concepção a respeito da morte e do suicídio, porém, de forma controversa. A primeira arenga (Bell. Jud., III 362-382) o autor atribui a si mesmo e apresenta uma opinião desfavorável ao suicídio. A segunda (Bell. Jud., VII 323-388), atribuída ao líder sicário Eleazar ben Jair, é uma apologia do suicídio. Nelas destacam-se atitudes distintas com relação à morte. Pode-se fugir dela, por medo ou pavor ou, ainda, por um forte desejo de viver. Mas a morte pode, também, ser buscada, nunca desejada, mas preferível à vida, a um tipo de vida específico, desonrada, indigna, infame. A esta vida estão sujeitos os perdedores que sobrevivem à guerra, já que a consequência humana normal da guerra antiga é a total perda da liberdade e da dignidade pela escravidão. Uma mesma atitude pode ser interpretada de diferentes maneiras. Buscar a morte pode ser visto como um ato de coragem ou de covardia, de nobreza ou não.
Os conhecimentos retóricos de Josefo ficarão demonstrados pelo uso que faz dos discursos e contraposições (VIDAL-NAQUET, 1990, p. 127). Como nota Pierre Vidal-Naquet (1990, p, 127), ele utiliza alguns discursos contrapostos, mas, na grande maioria das vezes ele não dá a palavra aos rebeldes. Apenas ele e os líderes romanos têm o direito de se pronunciar através de discursos. O discurso do líder sicário Eleazar ben Jair em Massada em favor do suicídio é uma exceção apenas aparente, pois se trata de uma elaboração de Josefo colocada na boca de Eleazar. Além do mais, esse discurso pode ser considerado uma resposta ao discurso contra o suicídio supostamente pronunciado por Josefo em Jotápata (VIDAL-NAQUET, 1990, p. 242). Sendo assim, a única função do discurso de Eleazar seria a de dar um equilíbrio literário ao pronunciado em Jotápata contra o suicídio (GOODMAN, 1991, p. 216). Portanto, ambos os discursos devem ser entendidos como uma antilogia.
O uso retórico de discursos opostos em torno de uma mesma questão remonta a Protágoras (PLEBE, 1978, p. 10). Tanto no primeiro discurso quanto no segundo, o autor trata de uma mesma questão, o suicídio. Aquele é favorável ao suicídio, este é contra. Em ambos, os argumentos são retirados da filosofia grega, dos pitagóricos aos estóicos. Neste ponto Vidal-Naquet está certo. Mas não é necessário tentar buscar um precedente judaico para o segundo discurso. Ele quer encontrar um precedente literário para o discurso de Eleazar na literatura apocalíptica judaica (VIDAL-NAQUET, 1990, p. 285-292). Para ele o discurso de Eleazar era um apocalipse de morte (VIDAL-NAQUET, 1990, p. 242, 292). Porém, segundo Arnaldo Momigliano (1990, p. 105), esse discurso era um convite ao suicídio baseado em argumentos mais compreensíveis para um greco-romano do que para um judeu. Por outro lado, a opção pelo suicídio resulta da desesperança[28]. Portanto, tanto o primeiro quanto o segundo discurso josefiano sobre a morte voluntária podem ser explicados através do problema filosófico do suicídio. Os argumentos utilizados por Josefo contra e a favor da morte voluntária são tomados da discussão filosófica que remonta aos pré-socráticos.
Fernando Rey Puente (2008, p. 15, 16) alude aos discursos josefianos sobre a morte voluntária. Segundo ele, Josefo insere "no discurso de Eleazar três dos principais motivos que na tradição filosófica antiga haviam sido enumerados para justificar a morte de si". São eles: 1) a morte nos liberta de uma existência breve e infeliz; 2) é desprovido de razão o fato de continuar a viver quando só podemos entrever desgraças e infelicidades; e 3) a morte de si é a prova suprema de nossa liberdade. No discurso[29] de Josefo em Jotápata estão presentes algumas razões tradicionalmente apresentadas pelos opositores da morte de si na Antiguidade: 1) a morte de si é prova de covardia; 2) é ato contrário à natureza; e 3) é um atentado contra Deus. Nos dois discursos estão presentes representações platônicas de origem órfico-pitagóricas a respeito da alma, da morte e da imortalidade. Toda a discussão de Josefo gira em torno desses três elementos. O elemento central é a imortalidade da alma.
Morte e imortalidade
A crença grega na imortalidade da alma e no mundo dos mortos era compartilhada pela seita judaica[30] dos essênios, conforme o próprio Josefo afirma (Bell. Jud., II 154-155). Porém, essa crença surge entre os judeus com a literatura apocalíptica, ao redor do séc. IV a.E.C. (SACCHI, 2004, p. 454) e não era partilhada fora dos círculos enóquicos (BOCCACCINI, 2010, p. 226). Alguns autores judeus negavam expressamente a imortalidade (Ecl 3,19-21; Eclo 38,16-23). É o caso, por exemplo, dos saduceus (SALDARINI, 2005, p. 126). Os epicuristas e, também, os estoicos, acreditavam que a alma morria juntamente com o corpo e que o estado de morte é nada, o morto deixa de existir e não pode ter sensações e nem qualquer tipo de experiência (SCHUMACHER, 2009, p. 193). Nesse sentido para os estoicos, por exemplo, a morte não representa nem um bem e nem um mal, mas um indiferente, assim como a vida (OLIVA, 2012, p. 23). Embora Flávio Josefo (Vita, 12) diga que a escola farisaica se assemelha em alguns pontos ao estoicismo, este dista daquela em relação à questão da morte. A concepção da morte como nada se aproxima mais da crença da seita judaica dos saduceus (Bell. Jud., II 165).
No primeiro discurso a morte é representada como sendo a separação entre alma e corpo (Bell. Jud., III 362-63), representação estranha à literatura hebraica que concebe o homem como uma unidade (DE VAUX, 2004, p. 80; KNIBB, 1995, p. 378). O autor, porém, não a leva a maiores consequências, uma vez que essa mesma ideia irá servir de argumento em prol do suicídio no segundo discurso. Para os antigos hebreus a morte era representada como um estado de debilidade máxima (KNIBB, 1989, p. 384; SACCHI, 2004, p. 453; KEEL, 2007, p. 64). Morrer era terminar no sheol, mundo subterrâneo dos mortos onde reinam a escuridão, a putrefação, o silêncio e o esquecimento (SACCHI, 2004, p. 453; KEEL, 2007, p. 58; KNIBB, 1989, p. 384).
Enquanto durassem os ossos o morto continuava a existir como uma sombra no mundo subterrâneo dos mortos (KEEL, 2007, p. 62; DE VAUX, 2004, p. 80; BOCCACCINI, 2010, p.226). Daí a importância dada ao sepultamento a fim de evitar que o cadáver fosse destruído por algum animal necrófago. Várias passagens na historiografia bíblica testemunham a importância da inumação. Uma antiga inscrição hebraica próxima a Jerusalém (c. 700 a.E.C.) proíbe, sob maldição, que se viole o túmulo de um funcionário do palácio (KEEL, 2007, p. 62). Além do mais, incinerar os ossos de um morto era destruí-lo totalmente, aniquilar sua existência. Ficar insepulto ou ter os ossos incinerados era sinal de pecado e um castigo divino. Por outro lado, o sepultamento possibilitava manter viva a memória do morto, pela presença de seu túmulo e de seu cadáver (GAGNEBIN, 2006, p.45).
Segundo Josefo os judeus tinham a obrigação religiosa de sepultar os mortos (JOSEFO, c. Ap., II 211). Isso incluía os supliciados e os suicidas. Até aos inimigos de guerra era facultado o direito de enterrar os seus. No entanto, parece que o corpo do suicida deveria ficar insepulto por um curto prazo, o que não deveria exceder o por do sol (Bell. Jud., III 377). Essa medida, supostamente punitiva, visava talvez privar o morto dos rituais fúnebres brevemente descritos por Josefo (JOSEFO, c. Ap., II 205), mas, o cadáver não devia ficar exposto durante a noite. Esta era âmbito de morte, lugar dos chacais e todos os necrófagos (KEEL, 2007, p. 74-75). Assim, entre os judeus e segundo Josefo, os suicidas eram privados de sepultura apenas por algumas horas e não definitivamente, como entre outros povos do mediterrâneo antigo.
Para os antigos hebreus o morto estava privado da vida em seu sentido pleno. Qualquer um que se encontrasse em um estado de debilidade, ou seja, enfermo, sedento, faminto, ferido ou angustiado dizia-se que já se encontrava na região da morte. O enfermo, privado da presença dos amigos e de suas atividades normais, experimentava já uma morte social. O morto encontrava-se separado de Yahweh, esquecido por ele. A morte impossibilitava o culto a Yahweh, os louvores, os cânticos. A morte era, então, vista como oposta à vida e, do ponto de vista cultual, era um domínio proibido, pois contrário a Yahweh, o Deus dos vivos (WILLI-PLEIN, 2001, p. 54).
A ideia platônica de que a morte é a separação entre a alma e o corpo implica na imagem órfico-pitagórica do corpo como prisão da alma, da qual esta se liberta no momento da morte. O corpo era visto como o túmulo da alma. Assim como o cadáver fica encerrado no túmulo (gr. sema) como numa prisão, a alma fica encarcerada no corpo (gr. soma). Assim, na representação órfica, a vida é uma espécie de morte enquanto a morte é a verdadeira vida, pois liberta a alma. Mas essa libertação não é automática uma vez que a alma deve ser julgada e se encontrada em falta encarnar novamente até a sua libertação final. Essa ideia parece implicar na metempsicose (ELIADE, 2011, p. 168) e talvez seja o que Josefo quer dizer com contínuo retorno da vida (Bell. Jud., III 374).
Essas ideias estão presentes no diálogo platônico Fédon. Mas Platão argumentava que não era permitido ao homem tirar sua própria vida sem uma necessidade divina, sem que a divindade mandasse (PUENTE, 2008, p. 17-19). A vida é um dom divino e abrir mão dessa dádiva é ofender a divindade. Assim como o escravo não é dono de si mesmo e não pode se fazer o que quer sem o consentimento de seu dono, também o homem sem a autorização da divindade. Josefo se utilizará expressamente desse argumento platônico contra a morte voluntária no primeiro discurso: "...o suicídio é... um ato de impiedade contra Deus, que nos criou" (Bell. Jud., III 369). Na mesma passagem Josefo argumenta que o suicídio é contrário à natureza dos animais, pois "não há nenhum ser vivente que acabe com a vida premeditadamente ou por si mesmo." (Bell. Jud., III 370).
Quando Josefo trata da questão legal, ele afirma que entre os judeus "está estabelecido que sejam deixados de fora, sem sepultar, até a hora que o sol se ponha, aqueles que tenham cometido o suicídio..." (Bell. Jud., III 377). O texto pretende representar uma medida legal contra o suicídio. O autor a atribui a Moisés, que ele qualifica como um sábio legislador. No entanto, ela não aparece em nenhum texto legal judaico, nem em qualquer outro lugar. A questão se complica já que, como notou Émile Durkheim em seu estudo sobre o suicídio, não existe no judaísmo nenhuma disposição formal contra o mesmo (DURKHEIM, 2011, p. 202). A única prescrição judaica contra o suicídio localizada por Durkheim seria esta suposta ordenança de Moisés mencionada por Josefo. O próprio Durkheim (2011, p. 203) questiona se a mesma seria realmente uma medida penal. De Aquitofel, conselheiro de Absalão, diz-se apenas que "pôs em ordem a sua casa e depois se enforcou, e morreu." (2Sm 17,23). A respeito de Saul é dito que "arrancou de sua espada e lançou-se sobre ela", o mesmo fazendo o seu escudeiro (1Sm 31,4-5). Nem Aquitofel, nem Saul ficaram sem sepultura (cf. 2Sm 17,23; 1Sm 31,13).
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[1] Mestrando em História pela Universidade Federal Goiás (UFG).
[2] Porém, apenas um quarto da sua obra dedica-se ao suicídio antigo e medieval.
[3] Nome que os judeus dão ao conjunto dos cinco primeiros livros da bíblia hebraica.
[4] Os sicários eram um grupo violento que tinham suas raízes na seita revolucionária anti-romana fundada por Judas o Galileu e denominada por Josefo de Quarta Filosofia. Eram conhecidos como sicários devido à faca que escondiam sob o manto, usada para matar suas vítimas no meio das multidões, ser parecida com a sicae romana.
[5] A primeira, e melhor, formada pelo Codex Parisinus Graecus, Codex Ambrosianus Graecus, Codex Marcianus Graecus e Codex Laurentianus; a segunda, formada pelo Codex Vaticanus Graecus, Codex Palatinus Graecus e Codex Urbinas Graecus.
[6] O primeiro caso de suicídio relatado na Guerra dos judeus ocorreu quando da invasão do templo de Jerusalém por Pompeu (63 a.E.C.), no contexto da disputa entre Antígono e Aristóbulo pelo governo da Judéia (Bell. Jud., I 150-151): "Muitos sacerdotes continuaram com seus ritos sem mudança, ainda que vissem os inimigos que vinham contra eles com a espada na mão, e foram degolados enquanto realizavam suas libações e queimavam incenso, pois antepunham o culto a Deus a sua própria salvação. A maioria deles foi assassinada por judeus do bando contrário e uma multidão inumerável se lançou pelos precipícios. Alguns, enlouquecidos pela dura situação, prenderam fogo ao redor da muralha e arderam nele." (Bell. Jud., I 150). Para Émile Durkheim esse episódio é um exemplo da mescla das tendências altruísta e anômica do suicídio: "Se os judeus, por exemplo, se mataram em massa no momento da tomada de Jerusalém, foi ao mesmo tempo porque a vitória dos romanos, tornando-os súditos e tributários de Roma, ameaçava transformar o gênero de vida ao qual estavam acostumados e porque eles gostavam demais de sua cidade e de seu culto para sobreviver à aniquilação provável de ambos." (DURKHEIM, 2011, p.370).
[7] Josefo apresenta duas versões a respeito da morte de Fasael. Na primeira este teria batido sua cabeça numa pedra e morrido em consequência do ferimento: "Sem embargo, o valor de Fasael foi mais destacado. Ao não poder fazer uso de uma arma nem de suas mãos, se antecipou a Antígono e bateu sua cabeça contra uma pedra" (JOSEFO, Bell. Jud., I 271). Na outra versão, Fasael teria sobrevivido ao golpe, porém um médico enviado por Antígono para, supostamente tratar a ferida, o teria envenenado. Se a primeira versão for verdadeira houve um suicídio. Se a segunda corresponde ao que realmente ocorreu, houve uma tentativa de suicídio. Para Josefo, o suicídio de Fasael havia foi um ato de valentia. De qualquer forma a razão de sua morte é vista positivamente por Josefo: "Seja qual for a verdade, em ambas as versões se trata de uma causa gloriosa" (Bell. Jud., I 272).
[8] "Sem embargo, ele não cedeu ante suas palavras, senão que reprovou a Herodes sua baixeza e, além de seus filhos, degolou também sua mulher. Após lançar seus corpos pelo precipício, finalmente acabou por atirar-se ele mesmo." (Bell. Jud., I 313).
[9] "O rei mandou buscá-la e lhe ordenou que rapidamente trouxesse o veneno que lhe haviam dado. Ela saiu, como se fosse buscá-lo, e se atirou desde o telhado para dessa forma evitar demonstrar sua culpabilidade e os ultrajes a que a submeteria o rei. Mas, segundo parece, a Providência divina, que buscava vingar-se de Antípatro, fez que ela não se golpeasse na cabeça, e sim em outras partes de seu corpo, e assim se salvou." (Bell. Jud., I 593).
[10] "O rei... forçado pela falta de alimentos e por uma tosse convulsiva, e vencido pelas dores, se dispôs a adiantar-se ao Destino. Pegou uma maçã e pediu uma faca, pois ele costumava cortar o que comia. Logo, quando viu que ninguém o podia impedir, levantou sua mão direita com a intenção cravar-se a faca. Mas seu primo Aquiabe correu para lhe deter e pegou sua mão." (Bell. Jud., I 662).
[11] "Muitos judeus morreram sobre estes pórticos ao se verem envoltos de repente pelas chamas, muitos também pereceram nas mãos dos inimigos ao saltarem-se sobre eles, alguns se lançaram desde o muro pela parte detrás e outros, desesperados, se mataram com suas próprias espadas para não serem pasto do fogo." (Bell. Jud., II 49).
[12]Cidade helenística ao sul do Mar da Galiléia que pertencia à região conhecida como Decápole.
[13] "Quando acabou com toda a sua família, se colocou em cima dos cadáveres, em um lugar visível para todos, estendeu sua mão direita, para que assim não se passasse inadvertido a ninguém, e enfiou toda a espada em sua garganta." (Bell. Jud., II 476).
[14] "Aprisionados em massa pelas duas muralhas, muitos se mataram entre si, muitos também cravaram seus próprios punhais e uma quantidade inumerável deles pereceram nas mãos dos romanos, sem ter valor para se defenderem. Além do medo que tinham dos inimigos, a traição dos seus lhes havia partido a alma." (Bell. Jud., III 296).
[15] "Isto levou a se suicidar inclusive a muitos dos soldados escolhidos de Josefo. Como viam que não podiam matar a nenhum romano, se adiantaram para não cair em mãos inimigas e, reunidos na parte extrema da cidade, deram a si mesmos a morte." (Bell. Jud., III 296).
[16] "De toda essa gente uns morreram engolidos pelas ondas, e muitos arrastados pelos restos do naufrágio. Alguns se adiantaram ao mar e quitaram a vida com a própria espada, como se esta fosse uma morte mais fácil de suportar." (Bell. Jud., III 425).
[17] "Muitos judeus, que haviam perdido a esperança de salvação, ao se verem rodeados por todas as partes se lançaram, junto com seus filhos e mulheres, ao barranco que havia sido aberto com uma grande profundidade debaixo da cidadela. Em consequência, a cólera dos romanos parecia mais suave que a loucura dos vencidos contra si mesmos. Quatro mil judeus foram degolados pelos romanos, enquanto se viu que foram mais de cinco mil os que se precipitaram pelo barranco." (Bell. Jud., IV 78-80).
[18] "Não havia nenhum lugar por onde fugir, nem nenhuma esperança de salvação. Eram despedaçados, amontoados uns sobre os outros. A maioria, como não tinha lugar para escapar e os assassinos estavam já em cima deles, se viu obrigada pela falta de perspectivas a se lançar desde cima da cidade. Dessa forma, em minha opinião, sofreram voluntariamente uma morte mais terrível que aquela da qual fugiam." (Bell. Jud., IV 312).
[19] "Dois dos indivíduos mais eminentes entre eles, que tinham a possibilidade de se salvar, se se entregassem aos romanos, ou de esperar a mesma sorte que os demais, se lançaram às chamas e morreram queimados junto com o Templo, Meiro, filho de Belgas, e José, filho de Daleo." (Bell. Jud., VI 280).
[20] "Havia ali mais de dois mil cadáveres: uns haviam se suicidado, outros haviam se matado entre si e a maioria havia sido vítima da fome." (Bell. Jud. VI 430).
[21] "Ao final os nove ofereceram seu pescoço, enquanto o último e único que ficava passou os olhos por cima da grande quantidade de cadáveres que jaziam no solo, para ver se ainda havia no meio da imensa matança alguém que necessitasse de sua mão. Quando viu que todos estavam mortos, provocou um grande incêndio no palácio e com toda a força de sua mão cravou em seu corpo sua espada completa e caiu ao lado de seus familiares." (Bell. Jud., VII 397).
[22] A meu ver, todos os casos são verossímeis, não importa o grau de veracidade dos relatos e, todos ocorreram em contextos bélicos. Para essa questão, ver: The forms and historical value of Josephus' suicide account, de Robert Newell. Para o problema de Massada há uma bibliografia extensa, para uma introdução à questão, ver: Masada: Herod s fortress and the zealots last stand, de Yigael Yadin; Josephus and Masada, de David Ladoucer; Eleazar s second speech on Masada and its literary precedents, de Menahem Luz; Flavio Josefo y Masada, de Pierre Vidal-Naquet.
[23] Para o problema do suicídio entre os romanos, ver: Le suicide dans la Rome antique, de Yolande Grisé; Ambitiosa mors: suicide and self in roman thought and literature, de Timothy Hill.
[24] O vocábulo latino suicida surgiu no medievo para designar, pejorativamente, a pessoa que mata a si mesma. A primeira menção de que temos registro aparece no século XII na obra Contra quatuor labyrinthos Franciae de Galtiero de São Vitor. Mais de quatro séculos depois o termo "suicide" aparece na obra Religio medici do inglês Sir Thomas Browne, em 1643 d.C. Quase ao mesmo tempo os termos suicidio e suicida são utilizados pelo teólogo moral Caramuel em seu tratado Theologia moralis fundamentalis, em 1656. Na língua francesa a palavra "suicide" é introduzida em 1737 pelo abade Desfontaines em seu Le pour et le contre e, é oficialmente incluída no Dictionnaire de l Académie Française de 1762 (VAN HOOFF, 1990, p. 257-259).
[25] Sigo, neste artigo, as normas de transliteração do grego antigo para o alfabeto latino, acordadas pela Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos.
[26] "A situação ainda levou muitos dos homens escolhidos por Josefo ao suicídio [autokheirían]" (Bell. Jud., III 331); "Não, o suicídio [autokheiría] é igualmente contrário à natureza que todas as criaturas compartilham, e um ato de impiedade contra Deus que nos criou" (Bell. Jud., III 369) e "Por esses e muitos argumentos semelhantes Josefo procurou dissuadir seus companheiros do suicídio [autokheirías]" (Bell. Jud., III 384).
[27] "Se eu me esquivar agora da espada dos romanos, seguramente mereço perecer pela minha própria espada e minha própria mão." (Bell. Jud., III 364).
[28] "Também está implícito nas representações que Flávio Josefo nos oferece que Eleazar prefere o suicídio porque reconhece que as esperanças apocalípticas imediatas se tem revelado como falácias" (MOMIGLIANO, 1990, p. 105).
[29] Ao se referir ao discurso contra o suicídio, supostamente pronunciado por Josefo na cidadela de Jotápata, o autor faz confusão em atribuí-lo a Eleazar, ao não identificar corretamente os contextos históricos de cada discurso.
[30] Para as diferentes seitas do Judaísmo, ver: fariseus e saduceus (SALDARINI, Anthony. Fariseus, escribas e saduceus na sociedade palestinense. São Paulo: Paulinas, 2005), essênios (BOCCACCINI, Gabriele. Além da hipótese essênia: a separação dos caminhos entre Qumran e o judaísmo enóquico. São Paulo: Paulus, 2010).
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