segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Reflexão Literária - Manoel Messias Pereira, Rubens Alves, e Antonio Agostinho Neto

Artigo de Manoel Messias Pereira


A Nudez ideológica

Outro dia lendo o livro de Martha Medeiros, intitulada "Strip tease" encontrei na pagina cinquenta e oito o texto "quanto mais palavras saem da minha boca/mais me dou conta de que não sou eu que falo/pois o que penso não tem nada a ver/e o que faço já é outro papo/e o que parece já não sei contar" Este fragmento literário trouxe-me a ideia de que nosso mundo está alicerçada numa infra-estrutura física, biológica na qual insere-se a vida humana, que estabelece-se e convive com uma superestrutura ideológica quer-se física para atender as necessidades físicas do ser humano mas submetida a uma superestrutura sócio-cultural na qual verificamos que a política, a cultura, a economia, as ciências, a filosofia convergem na lógica da dominação de poder.

A partir deste ponto ir contra a lógica é estabelecer o conflito, que pode ser dolorido, mas que é também saudável ao impulsionar atitudes, que leva-nos a romper com o imobilismo. E isto é dar o pontapé inicial no processo dialético, para caminharmos até o gol da transformação social.Se procurarmos olhar o idealismo hegeliano na chamada síntese ou negação da negação, veremos que Friedrich Hegel afirmou que cada conceito possui em si o seu contrário, cada afirmação a sua negação. O mundo não é um conjunto de coisas prontas e acabadas mas o resultado  do movimento gerado pelo choque dos antagonismos e dessas contradições a afirmação traz o germe da negação e depois de desenvolver essa negação entra em choque com a afirmação e este choque vai gerar um elemento mais evoluído, a síntese.

Agora o nosso olhar procura ver o que Karl Marx e Friedrich Engels fizeram com a dialética hegeliana e veremos que ele virou pelo avesso a teoria de Hegel. E assim no marxismo a história desenvolveu-se dialeticamente a partir das relações de produção existentes em cada momento. As tais relações seriam a infra-estrutura sobre a qual sustenta-se a superestrutura, política, jurídica e ideológica.

A superação de um modo de produção por outro dar-se-a à partir das lutas de classe, com a derrubada da nobreza pela burguesia e com isto afirmou-se o capitalismo. Já no Manifesto Comunista, as idéias ali contidas dizem que a luta de classe entre trabalhadores e burguesia derrubariam o capitalismo.

Porem a crítica que Marx e Engels fizeram ao capitalismo é a respeito de seu caráter exploratório da burguesia sobre os trabalhadores e fundamenta-se na crítica ao  liberalismo clássico inglês, no postulado do iluminista David Ricardo e a sua teoria do valor do trabalho.Para Marx bastaria apenas quatro ou cinco horas de trabalho para o operário comporem o seu salário. Os restantes das horas trabalhadas são apropriadas pelos patrões e isto é o que Marx chamou de "mais valia". A lógica marxista foi contrária a lógica hegeliana gerou o conflito ideológico e impulsionou a ação humana, na qual referimos a luta de classe. Pois a luta de classe no marxismo compreende-se a luta econômico, política e ideológica.

O professor George Politzer, diz que não se pode lutar pelo pão sem lutar pela paz, sem defender a liberdade e todas as idéias que servem a luta por tais objetivos. E o mesmo aconteceu na luta política depois de Marx, tornou-se uma verdadeira ciência pois é preciso ter em conta  ao mesmo tempo a situação econômicas e as correntes ideológicas para conduzir essa luta. A luta ideológica geralmente manifesta-se pela propaganda, deve-se ter em consideração, quer seja pela eficiência, a situação econômica e política.
Todos estes problemas estão intimamente ligados, porém é na luta ideológica que devemos cotidianamente ter subsídios para resolver inúmeras questões, até então tidas como como verdades absolutas, como a imortalidade da alma, a existência de Deus, a origem do mundo, a existência do demônio, o destino pré estabelecido o horóscopo, a igualdade iluministas e tudo parece ser sem nenhum mistério combinado.

 E para entender Martha Medeiro no seu livro Strp Tease, é dispor-se de todas as palavras que saíram de sua boca e descobrir que todas foram traçadas, armadas, organizadas por um conjunto de valores ideológicos, que domina o nosso tempo e que estas já estão incorporadas intimamente em nós. Romper com isto é outro papo, é ficar nu ideologicamente e romper com o imobilismo dialético e dar outro pontapé no status quo, e ai o jogo é outro.

Manoel Messias Pereira

professor, cronista e poeta
São José do Rio Preto-SP
Maria Bethânia - fera ferida.


Crônica - Rubens Alves
Há escolas que são gaiolas e a escolas que são asas

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.


Rubens Alves
cronista brasileiro


Maria Bethania - Sonho impossível




Poeta Antonio Agostinho Neto -Angola


ASPIRAÇÃO

Ainda o meu canto dolente
e a minha tristeza
no Congo, na Geórgia, no Amazonas

Ainda o meu sonho de batuque em noites de luar

Ainda os meus braços
ainda os meus olhos
ainda os meus gritos

Ainda o dorso vergastado
o coração abandonado
a alma entregue à fé
ainda a dúvida

E sobre os meus cantos
os meus sonhos
os meus olhos
os meus gritos
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado
Ainda o meu espírito
ainda o quissange
a marimba
a viola
o saxofone
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco

Ainda a minha vida
oferecida à Vida
ainda o meu desejo

Ainda o meu sonho
o meu grito
o meu braço
a sustentar o meu Querer

E nas sanzalas
nas casas
nos subúrbios das cidades
para lá das linhas
nos recantos escuros das casas ricas
onde os negros murmuram: ainda

O meu Desejo
transformado em força
inspirando as consciências desesperadas.

*

Sou um mistério.

Vivo as mil mortes
que todos os dias
morro
fatalmente.

Por todo o mundo
o meu corpo retalhado
foi espalhado aos pedaços
em explosões de ódio
e ambição
e cobiça de glória.

Perto e longe
continuam massacrando-me a carne
sempre viva e crente
no raiar dum dia
que há séculos espero.

Um dia
que não seja angústia
nem morte
nem já esperança.

Dia
dum eu-realidade.





Antonio Agostinho Neto

poeta Angolano



Sherifa Gunn

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