quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Música, Profissão de fé
Música, profissão de fé
Quando a arte é caminho, vida ou profissão, o estudo se converte em eterno companheiro. Ele representa apenas uma parte de toda a engrenagem de dedicação que as mais variadas manifestações artísticas exigem de quem as abraçou. Seja na música, no cinema, no teatro, na literatura ou em qualquer outra maneira de interpretar um tempo e uma história.
Nos últimos dois meses de 2011, os alunos do curso de Bacharelado em Música da Universidade do Estado do Pará (UEPA), em parceria com a Fundação Carlos Gomes, venceram uma dessas etapas durante os recitais de formatura que ocorreram na Sala Ettore Bósio, no Conservatório Carlos Gomes em Belém. O desafio agora é projetar o futuro, sem enterrar o passado ou deixar de viver o presente.
A pianista Natalia Monique da Silva Gama, 27, já tem planos para 2012. Só falta decidir qual a melhor possibilidade de realização. “O que quero fazer? Ai tem muita coisa”, diz. Natalia vai morar na França no próximo ano. Quer aprender o idioma e tentar uma bolsa de Mestrado numa das renomadas universidades do país. Mas as dúvidas ainda a acompanham. Não sabe se quer fazer performance - as chamadas apresentações em eventos - ou se quer outra realidade.”Geralmente quem escolhe Bacharelado é porque gosta de tocar”, reflete. Por outro lado, Natalia Gama tem plena certeza do que não deseja para o futuro. Ser professora, por exemplo.
“É bom, mas não é o que quero”. Nem fazer parte de orquestras. “Eu não penso. É uma dedicação que te anula pra outras coisas. A gente já estuda muito e [quem participa de orquestra] vai estudar ainda mais”, avalia Natalia. A jovem deu início a trajetória como musicista aos dez anos de idade e desde então dedica boa parte das 24 horas do dia para o piano. Até um empreendimento fora do ramo ela já tentou ter. A rotina de seis horas diárias de estudo em casa, fora o aprendizado em sala de aula, não deixou tempo para o próprio negocio e decidiu abandoná-lo. Hoje, Natalia Monique também anda de olho numa bolsa de estudos na Universidade de Salamanca. “É uma das mais importantes da Espanha”, elogia. Natalia quer mesmo deixar as escolhas a cargo do destino. “As coisas vão acontecendo”, acredita a pianista.
Natalia defendeu um extenso programa no recital de formatura em Piano - o equivalente às tradicionais defesas dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) - composto pelos trabalhos dos compositores Bach, Bethoveen, Chopin e Ernesto Nazareth. Foi numa tarde de sábado de dezembro. Mãe, amigos e professora, a respeitada pianista Helena Maia, na plateia. Vencida pelo nervosismo, não alcançou a nota máxima. Ainda assim fez bonito e obteve a aprovação necessária. E já tinha o elogio da orientadora. “Ela é uma menina que tem dons musicais. Ela tem sensibilidade e gosta de estudar, de praticar, que é o principal. Tudo parte da repetição, repetir até chegar à perfeição. Toda arte precisa de muita prática”, ensina Helena.
Repetir e estudar. Estudar e repetir. É um exercício que, por vezes, beira a exaustão. Pede paciência e empenho. Escolher a música como atividade requer uma dose extra de entrega na personalidade do profissional, seja ele pianista, cantor ou compositor. Para se ter uma ideia, só o curso técnico de piano leva 12 anos para ser concluído. O aprendizado, no entanto, nunca se esgota. Estudar vira elemento essencial para aperfeiçoar o talento. Quem se formou no curso de Bacharelado em Música não encerrou uma trajetória. Terminou um ciclo de muitos outros que virão.
“O músico nunca tem a sua formação completa. Ele está sempre estudando. Nunca há uma final e sempre um começo”, lembra a cantora lírica e professora de canto Madalena Aliverti. Madalena foi orientadora de Eugênia Lobato, 34, soprano que arrancou aplausos e emocionou o público presente no recital de formatura dela no último dia 19 de dezembro.
Eugênia é um claro exemplo de dedicação à música, expressada no envolvimento com os estudos de diversas modalidades da arte musical. A cantora começou a estudar música aos 15 anos, no que é hoje a Escola de Música da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Comecei tocando piano e, posteriormente, a cantar em coral. Após quatro anos de estudo, abandonei e fui tocar violoncelo, onde participei da Orquestra Jovem de Cordas”, lembra. O interesse pelo estudo do canto veio nesse período. Quase oito anos de muito aprendizado.
“Nesse ínterim eu já estava fazendo o curso de Licenciatura com Habilitação em Música pela UFPA. Ao mesmo tempo me formei no Curso Técnico de Canto. Depois de formada comecei a trabalhar nas escolas publicas, e por esse motivo o meu lado musicista ficou parado. Depois de cinco anos eu já estava fazendo especialização e decidi a voltar a estudar canto. Fiz vestibulinho para Bacharelado em Música e fiquei trabalhando e estudando ao mesmo tempo. Trabalhei como professora substituta na Escola de Música e lá eu dava aula de canto coral para criança, jovens e adultos. Aliás, é o que eu gosto de fazer”, ressalta.
Dar aulas é o passo seguinte que o músico, e agora Bacharel pela Uepa, Alcir Meireles pretende dar na carreira. “Uma das coisas que mais gosto de fazer, trocar ideias e entender o lado sociológico das gerações. Quero continuar estudando e aprender sempre!!!”, deseja. Alcir nasceu numa família musical, em 1982 iniciou os estudos de flauta transversal erudita na Escola de Música da UFPA, um dos grandes celeiros de artistas da cena erudita de Belém. Dez anos depois passou para o piano popular.
Meireles se formou numa das mais recentes habilitações do curso de Bacharelado em Música, o de “Composição e Arranjo”. O curso tem duração de quatro e começou em 2007, com um formando em 2010. “A turma atual é a segunda a se formar”, ressalta o coordenador do Bacharelado da Uepa, em parceria com a Fundação Carlos Gomes, Jonathan Miranda. O coordenador avalia de forma positiva o desempenho dos alunos que têm se apresentado nos recitais, tanto em “Composição e Arranjo” como ems outras modalidades.
Músicos “da noite” elogiam a teoria
“Os recitais tem sido muito bons, refletindo em cima do palco o aprendizado feito dentro dos quatro anos de duração do curso. Esse momento é de suma importância, pois é em cima do palco que o músico se comunica com a plateia. Sem a plateia não temos música. É uma espécie de troca, de comunicação sem palavras entre o intérprete e a plateia. Os programas de cada aluno mesclam vários estilos e épocas da história da música, demonstrando habilidades em transitar na interpretação de diversos compositores. Muitos se emocionam, pois vêem ali seus familiares, seus professores que logo não o serão mais. Relembram em questão de segundos diversos acontecimentos, dificuldades, superações”, analisa.
Para Alcir Meireles, a experiência e o conhecimento acumulados no processo de formação superior contribuíram para aprimorar o trabalho que ele desenvolveu ao longo da carreira. “Com certeza as idéias mudam muito depois de um curso com professores tão competentes. Posso resumir que muita música que fiz antes do curso já não quer mais tocar”, brinca. “Compor música hoje pra mim é poder contribuir com alguma coisa para a cultura e principalmente para a sociedade. Sinceramente, esperava um bom curso, mas foi muito melhor do que eu imaginava. Aprendi muito em vários aspectos. Hoje me sinto mais maduro como pessoa e como profissional”, completa.
Aos 42 anos, Alcir comemora a atual formação. “Um curso de nível superior é sempre bem vindo para o mundo profissional. Mas o aprendizado no curso me trouxe um grande preparo diretamente para o que mais faço hoje, que é produzir CDs e shows de artistas paraenses. [Fazer o curso foi uma] necessidade dupla de fazer um curso acadêmico na área de composição e de ter nível superior”, aponta.
Além de dar aulas, Eugênia Lobato voltou a cantar em coral e em coro cênico. “Toco de vez em quando em casamento, orquestra. Todo ano participo de festivais de música em Londrina, Juiz de Fora, Brasília e Rio de Janeiro. É um a forma de sempre estar envolvida com a música na questão performática e se reciclando ao mesmo tempo”, avalia.
Assim como Alcir e Natalia, Eugênia também continua a caminhada. “Ter um curso superior abre as portas para a pessoa ter um bom emprego, mas a realização profissional no ensino aprendizagem é muito boa. Se eu tiver uma oportunidade de trabalhar com o canto lírico, ótimo. O canto como qualquer outro instrumento precisa de dedicação”, destaca.
(Diário do Pará)
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