arqueóloga Rita Juliana Soares Poloni
por Rita Juliana Soares Poloni
Sobre a autora[1]
O ano de 2013 foi marcado pela inauguração dos estudos no campo da Arqueologia da Repressão e da Resistência na UNICAMP. Trata-se de um novo grupo de estudos do CNPq que tem como líderes Rita Juliana Poloni, pós-doutoranda em Arqueologia da Unicamp e Inês Prado Soares, Procuradora da República do Estado de São Paulo e pesquisadora do Laboratório Arqueologia e Ecologia Histórica dos Neotrópicos do MAE-USP. Abarca alunos de pós-graduação, pesquisadores e professores da própria universidade, além de professores e pesquisadores de outras instituições do país. Dentre os colaboradores da casa destaca-se a presença do professor Pedro Paulo Funari enquanto de outras Universidades do país contamos com outros importantes pesquisadores da área de Arqueologia como Michel Justamand da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), Patrícia Mechi, da Universidade Federal do Tocantins e Andrés Zarankin da Universidade Federal de Minas Gerais. Tendo o propósito de realizar estudos teóricos e desenvolver pesquisas na área, o grupo leva ainda o nome de Paulo Duarte, importante nome da arqueologia humanista brasileira. A escolha de tal tema de pesquisa evoca, entretanto, a discussão acerca de sua pertinência e abrangência.
Nesse sentido, o tema "arqueologia da repressão e da resistência" insere-se dentro de um campo de pesquisas da Arqueologia já consolidado em âmbito internacional e que se prende às relações entre ciência e contextos repressivos, tais como os governos ditatoriais e os Estados de Exceção, assim como contextos democráticos nos quais a repressão e ou a violência desmedida contra a população ou um grupo são tomados como objeto de demanda social e de investigação científica.
As relações entre o nascimento e o desenvolvimento do campo da arqueologia e a formação dos Estados Nacionais tem sido estudada por importantes pesquisadores da área (DÍAZ-ANDREU; CHAMPION, 1996) e apontam para uma relação intrinseca entre o desenvolvimento das ideologias nacionalistas e a consolidação do campo arqueológico como ciência moderna.
O estudo amplo das relações entre esse campo científico e os regimes repressivos surge, ainda, da percepção da sua vantagem na compreensão aprofundada entre ciência e política, como ressaltam Galaty e Watkinson (2004: 6): "a relação entre a Arqueologia e a ideologia tende a ser expressada de maneira mais marcada em regimes totalitários, enquanto nas democracias esta relação pode ser bem mais matizada, em muitos casos ausente". Os autores ainda ressaltam que os estudos sobre as ditaduras e a Arqueologia colocam em relevo o efeito da política nos arqueólogos em todas as nações e sistemas políticos.
Com essas premissas, este novo grupo de pesquisas pretende abarcar o tema proposto em duas vertentes principais. Em primeiro lugar, o estudo das táticas de repressão ou de resistência, dos espaços, dos personagens e da produção material que caracterizam as práticas ou a oposição a governos repressivos. Em segundo, os usos da Arqueologia nesses contextos, ou seja, a forma como o campo científico é utilizado, direcionado ou reprimido durante esses governos autoritários ou ditatoriais. De modo geral, o grupo pretende discutir os horizontes teórico-metodológicos do campo científico, seu percurso histórico, estudos de caso, bem como desenvolver e auxiliar projetos de intervenção dentro do tema. Procura explorar a importância do estudo dos contextos materiais relacionados a períodos repressivos ou das pesquisas arqueológicas realizadas durante os mesmos, como forma de compreensão das ações e objetivos dos seus governos, lideranças constituídas, opositores e também como forma de contribuir para reparação simbólica das vítimas. Nesse aspecto, a pesquisa do grupo se insere nas ações de garantia de não-repetição e não esquecimento (AÍNSA, 2006).
Arqueologia é encarada neste contexto como um discurso científico autônomo, algumas vezes único, capaz de balizar, reafirmar, questionar, ou refutar outras formas de discurso acerca do tema. Nesse sentido, as investigações dentro do campo da Repressão e da Resistência podem contribuir de forma original para a compreensão aprofundada dos períodos repressivos, nas suas ações, construção de ideários, e formas de resistência, bem como para a aproximação entre a população afetada por esses contextos, através de construção de narrativas alternativas a partir de memórias oprimidas, contribuindo, assim, no âmbito das discussões recentes da Arqueologia Pública.
Neste sentido, a Arqueologia da Repressão e da Resistência é um campo de estudos com abrangência internacional e multitemática, ampliando a investigação para além dos contextos de resistência, combate, prisão, julgamento, tortura, morte e desaparecimento decorrentes dos períodos repressivos, e englobando a materialidade inerente à construção dos mecanismos de poder, quais sejam diretamente, ou não, relacionados aos aparelhos repressivos, como forma de compreensão ampla das ações desses governos e lideranças, bem como do próprio campo científico dialógico aos mesmos. Abarca os estudos dos silêncios, da repressão estabelecida a indivíduos, grupos e temas específicos, não só no que se refere aos opositores políticos dos regimes, mas também a outros profissionais (cientistas, professores universitários, escritores, jornalistas, dentre outros) atuantes no período, em especial dentro do campo da Arqueologia. Procura, por fim, trabalhar na divulgação do tema bem como no estabelecimento de diálogo entre os diversos discursos sobre os contextos repressivos, nacional e internacionalmente.
Dessa forma, o desafio de dar início a este novo grupo de estudos pretende ser o de explorar os potenciais do campo procurando estabelecer um debate constante entre a população e o seu passado de forma a reconhecer os efeitos dos regimes repressivos sobre si, seus mecanismos de atuação e dar voz aos seus mortos e desaparecidos. Pretende-se que venha acrescentar ao debate do arqueológico bem como à própria sociedade brasileira e que venha a ganhar destaque a partir dos trabalhos a serem desenvolvidos num futuro próximo.
Referências Bibliográficas
DÍAZ-ANDREU, Margarita, CHAMPION, Timothy (Eds.). In: Nationalism and Archaeology in Europe. London: UCL Press, 1996.
GALATY, Michael L.; WATKINSON, Charles. Archaeology under ditactorship. New York: Kluwer Academic/Plenum publishers, 2004.
[1] Pós-doc Unicamp
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