1
Eu não queria ter em mimáguas incertas
laços de tormentas
mares de castelos movediços
abismo obediente
nem saber que atrás de mim
há comportas com ninhos de serpentes
Eu queria entender
esta cantiga de crianças:
"A menina pretinha será rainha, olê, seus cavalheiro!
mas está presa no castelo, olê, olê, olá!
e por que ela não foje?, olê, seus cavaleiros!
mas com quem está a chave?, olê, olê, olá".
Eu nao queria ser levada
pela correnteza de rosa
rosa perfume sem ponto
desse meu Rio interno da infância submersa.
2
Eu não queria ter em mim
mar vermelho alquimia do tempo
corredeira frequente
sina de fêmea
desejo no fogo quimera
nem pérola d'olho em lágrimas.
Eu queria aprender o beabá
navegar no mar do conhecimento
meu corpo desvendado
mergulha no meu rio
mas ... aprendi a amar.
Não queria
proibidas lições de amor,
uma barriga lunágua
nem ficar ancorada em dúvidas:
em meu ventre há uma boneca quebrada?
como vou a escola?
Eu não queria ter
rosto à margem da multidão
a dor mergulhada no íntimo.
Não queria ouvir
a cantiga cantada pela Menina de Rua:
"A moça preta será rainha olê, seus cavaleiros!
mas está presa no castelo, olê, olê, olá!
e por que ela não foge?, olê, seus cavaleiros!
mas com quem está a achave?, olê, olê, olá!.
Mas...
remo o choro em coro
correntezas incertas
balanço das águas devastadas.
Não queria
cair nas areias movediças do Touro
Touro é valente.
3
Eu queria
ondas silenciosas dentro do meu Rio
aquelas que batem e voltam
levado minhas barquinhas de sonhos.
Não queria
pensamento ancorados em dúvidas:
não tenho mais bonecas quebradas?
O amor era de vidro e se acabou?
Eu queria depois de aplacar o vendaval,
depois de matar as travestidas baleias,
descansar no leito da noite.
Eu queria
mergulhar meus sonhos para entender
a cantiga da menina de tranças
que agora é o meu oposto:
"A mulher negra será rainha, olê, seus cavaleiros!
mas está presa no castelo, olê, olê, olá!
e por que ela não foge?, olê seus cavaleiros!
mas com quem está a chave?, olê, olê, olá!.
Eu queria
ondas silenciosas dentro do meu Rio
aquelas que fazem
xuá, xuá
desmanchando portas de areias
xuá xuá
Eu queria
descansar no leito da noite
de manhã navegar no Dia
preparar o próximo mergulho
ou talvez desaguar em
algum
happy end
Esmeralda Ribeiro
poetisa
Cadernos negros
São Paulo-S
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