Unesco aponta má qualidade como principal problema da educação no Brasil
Relatório vê avanços no acesso ao ensino entre a população mais pobre, elogia o Fundeb como uma política de sucesso e diz que a solução dos problemas passa pela valorização dos professores.
Nenhum dos seis objetivos estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) será cumprido globalmente até 2015, segundo o Relatório de Monitoramento Global Educação para Todos. O levantamento, que será divulgado nesta quarta-feira (29/01) em Brasília e em Adis Abeba, na Etiópia, aponta que 250 milhões de crianças não conseguiram aprender o básico na escola primária e que um quarto da população jovem do mundo não é capaz sequer de ler parte de uma frase.
Apontado diversas vezes como exemplo positivo, o Brasil conseguiu atingir as metas de "educação primária universal" e "habilidade de jovens e adultos", mas ainda precisa avançar para melhorar a qualidade do ensino e diminuir os índices de analfabetismo. Treze milhões de brasileiros não sabem ler nem escrever, o que faz do Brasil o oitavo país com maior número de analfabetos.
"O grande nó crítico do país é a qualidade da educação, especialmente em relação ao aprendizado. O aluno está na sala de aula, mas não aprende. É uma exclusão intraescolar: 22% dos alunos saem da escola sem capacidades elementares de leitura e 39% não têm conhecimentos básicos de matemática. De qualquer maneira, não podemos negar os grandes avanços que o Brasil apresentou", afirma Maria Rebeca Otero, coordenadora de educação da Unesco no Brasil.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é visto como uma política de sucesso. O relatório diz que o fundo aumentou em 20% a frequência escolar entre as crianças mais pobres e elevou o número de matrículas, especialmente no norte do país. "O Fundeb é tido como um exemplo para o mundo, mas devemos destacar que a gestão dos recursos ainda é muito deficitária", avalia Otero.
A Unesco critica o fato de as políticas sociais e educacionais não reduzirem a disparidade de investimento por aluno no país. Em 2009, o Estado gastou 611 dólares por aluno do ensino primário na região Nordeste, metade do que é investido em um estudante do Sudeste. O mínimo de gasto para uma educação adequada seria 971 dólares por aluno, diz a publicação.
Valorização dos professores
O relatório, intitulado Ensinar e aprender: atingindo a qualidade para todos, destaca que cerca de 10% do gasto na educação infantil no mundo é perdido devido às falhas no sistema de ensino. A crise global do aprendizado custa aos governos 129 bilhões de dólares por ano. "No estágio atual, os países simplesmente não podem reduzir o investimento em educação", ressalta o texto.
A Unesco conclui que a valorização dos professores pode mudar esse cenário e faz um alerta aos governos para que ofereçam melhores condições de trabalho a esses profissionais. "É preciso atrair melhores candidatos e preencher as vagas. Eles precisam ser treinados para entender as necessidades das crianças e também ser valorizados, com melhores salários e planos de carreira", diz Otero.
O especialista em políticas públicas de educação Erasto Fortes, membro do Conselho Nacional de Educação, afirma que o governo deve se comprometer a construir uma política nacional de formação de professores e oferecer programas de especialização, como prevê o Plano Nacional de Educação (PNE). "O piso salarial, que é muito baixo, também precisa corresponder à média paga a outros profissionais que tenham o nível de formação de ensino superior. Ainda assim, estados e municípios têm recorrido à Justiça para fazer com que essa lei não tenha vigência, em função de dificuldades orçamentárias", critica.
De acordo com a Unesco, será necessário recrutar 5,2 milhões de professores em todo o mundo até 2015.
Ainda sem um Plano Nacional
O Brasil está sem um Plano Nacional de Educação desde 2011. O primeiro, aprovado em 2001, teve vigência de dez anos. O novo texto que tramita no Congresso Nacional estabelece 21 metas para aprimorar a educação no país. "O problema principal a ser considerado é o prazo. O Congresso ainda não cumpriu com sua competência de aprovação do plano e precisa ser mais ágil", considera Fortes.
O PNE foi aprovado no Senado em dezembro de 2013, mas, como houve modificações, o texto voltou para a Câmara dos Deputados. A nova versão é alvo de críticas de movimentos de educação, que veem um tom "privatista" nas mudanças.
Como exemplo do impacto do novo texto aprovado pelos senadores, o especialista em financiamento da educação José Marcelino de Rezende Pinto explica que o Fies, que permite ao estudante financiar as mensalidades das instituições privadas, e o Prouni, que oferece bolsas de estudo em universidades particulares, seriam considerados gastos públicos. "É muito pior, porque infla o gasto e considera todos os repasses ao setor privado como gasto público. É o velho artifício de incrementar o gasto educacional", diz.
O coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, teme que o PNE não seja aprovado na Câmara antes das eleições, em outubro. "Durante todo o processo, o governo federal tentou protelar a votação. Se a pressão das eleições não fizer com o que o governo aprove o plano, o debate pode ficar para 2015 ou 2016. É um momento muito delicado", avalia.
Financiamento da educação
Pressionado pelos protestos de junho do ano passado, o Congresso Nacional aprovou em setembro a destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação. Para Marcelino, os recursos não serão suficientes para bancar a elevação de 10% do PIB para gastos em educação, como prevê o PNE.
No relatório, a Unesco estabelece que o mínimo a ser investido é 6% do PIB. De acordo com a entidade, o Brasil destina 5,9%. Segundo Marcelino, esse parâmetro internacional não pode servir cde comparação. "Países ricos gastam cerca de 6% do PIB, mas o montante deles é muito maior. O que deve ser analisado é o gasto por aluno. Os Estados Unidos, por exemplo, investem seis vezes mais do que o Brasil", diz.
O especialista argumenta que, para cumprir a meta de 10% do PIB para educação, o Congresso deverá fazer um grande esforço orçamentário. "O próprio ministro da Educação, Aloísio Mercadante, admitiu que os royalties não seriam suficientes. Agora, tudo depende da batalha dos deputados. Só o petróleo não dá. Acho que o exemplo da Copa é interessante: quando se precisa de dinheiro, ele aparece."
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