domingo, 30 de dezembro de 2012

Feliz ano novo







A alegria da nossa existência
o compartilhamento de paz
A determinação das nossas vidas
O respeito ao próximo
e a arte do encontro
são desejos e desenhos
que ilustram cenários do meu pensamento
Pra que todos tenham um feliz 2013


Manoel Messias Pereira
poeta 
São Jose do Rio Preto

Discriminação gera indenização a empregada do Carrefour em Brasília

Discriminação gera indenização a empregada do Carrefour em Brasília 28/dez/2012 Veja notícias relacionadas A mulher e o assédio moral Supervisor que visitou página de empregado no Orkut é absolvido de acusação de assédio moral TST reduz valor da condenação por assédio moral para empresa de bebidas veja mais Fonte: TST - Tribunal Superior do Trabalho Em decisão tomada, o Carrefour Comércio e Indústria Ltda. foi condenado, pela Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, a pagar R$ 100 mil de indenização por dano moral a uma ex-funcionária que sofreu discriminação racial, tratamento grosseiro e excesso de trabalho. Em decorrência do assédio moral por catorze anos, ela acabou sendo vítima da síndrome de esgotamento profissional, ficando incapacitada por três anos. A empresa recorreu da decisão, por meio de embargos à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), pedindo a redução do valor. Proporcionalidade A indenização, inicialmente arbitrada em R$ 100 mil pela 18ª Vara do Trabalho de Brasília, foi reduzida

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

In Memoria de Thereza Santos



IN MEMORIAM THEREZA SANTOS 
Anunciamos o falecimento de Thereza Santos no último dia 19, mas só agora visto na imprensa. Foi uma militante do PCB, do movimento negro e do movimento feminista. Durante a ditadura patronal-militar foi presa e esteve exilada na África, onde participou, como guerrilheira, no movimento de libertação de Guiné-Bissau e de Angola.  Fundou o Teatro Experimental do Negro. Foi a primeira negra a ser nomeada para o Conselho Estadual da Condição Feminina.  Escreveu "Malunga Thereza Santos - A história de vida de uma guerrilheira".

Ernesto Pichler
--
Partido Comunista Brasileiro

domingo, 23 de dezembro de 2012

nossa leitura

EUA Chefe da Cia minimiza tortura sobre perseguição a Bin Laden

EUA



 Chefe da CIA minimiza tortura em filme sobre perseguição a Osama bin Laden Wasshington - O director interino da CIA, Michael Morell, disse que o filme "A hora mais escura" (Zero Dark Thirty) sobre a perseguição a Osama bin Laden exagera aimportância da informação obtida através de tortura, noticia a AFP.

O filme da directora vencedora de um Oscar, Kathryn Bigelow, conta a história de uma longa década de busca, após 11 de Setembro de 2001, que acabou numa incursão dramática e mortal em Maio, no esconderijo do líder da Al-Qaeda em Abbottabad, Paquistão.

O filme mostra oficiais norte-americanos usando técnicas, entendidas como tortura, como o "submarino"(ou water-boarding), para forçar presos a falar. A informação obtida foi crucial, de acordo com o filme, para reunir as pistas que levaram à trilha de Bin Laden. Nem tão crucial, disse Morell numa mensagem a funcionários da CIA na sexta-feira.

 O filme "cria a impressão errada de que técnicas de interrogatório que eram parte de nosso antigo programa de detenção e interrogação foram chave para encontrar bin Laden. Essa impressão é falsa", sustentou o patrão da CIA. Segundo ele, múltiplas fontes da inteligência levaram os analistas da CIA a concluir que bin Laden estava escondido em Abbottabad, embora tenha reconhecido que algumas informações tenham vindo dos prisioneiros submetidos a essas técnicas, proibidas por Obama em 2009. Morell enfatizou que o filme, provável candidato ao Oscar, "usa significativa licença artística, ao pintar a si mesmo como historicamente preciso".



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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O Sonho de Cipião

O Sonho de Cipião Por Da Redação - agenusp@usp.br Do USP Online A Editora Humanitas lança o livro O Sonho de Scipião: acerca da recepção de Cícero no Portugal quinhentista, de Flávio Antônio Fernandes Reis. Com apresentação de Adma Muhana, a obra é um estudo histórico, literário e retórico do Sonho de Cipião, “tirado em linguagem” por Duarte de Resende, fidalgo da corte de D. João III, e impresso por Germão de Galharde nas prensas do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, no ano de 1531. O Sonho de Scipião encontra-se à venda no site da editora e na Livraria Humanitas-Discurso, localizada no Prédio da Filosofia e Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A obra também pode ser adquirida em todas as distribuidoras que possuem parceria com a editora, a lista delas está disponível também no site da Humanitas. A FFLCH fica na Av. Prof. Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, São Paulo. Mais informações:

A UE é uma inter-estatal imperialista

"A UE é uma união inter-estatal imperialista" por Giorgos Marinos [*] Caros camaradas: Agradecemos ao Partido Comunista dos Povos de Espanha e aos nossos camaradas dos outros partidos. Apreciamos muito a organização desta iniciativa e tentaremos contribuir para a discussão acerca da UE com as posições e a experiência do KKE. O KKE argumenta que a União Europeia é uma aliança imperialista inter-estatal que tem como critério os interesses dos monopólios europeus, o grande capital europeu, o aumento da sua lucratividade e o reforço da sua competitividade, o aumento do nível de exploração da classe trabalhadora, a abolição de direitos trabalhistas, a deterioração das vidas dos povos. É uma união imperialista inter-estatal que facilita a livre actividade do capital ao nível nacional, regional e internacional. Para a expansão das actividades de negócios dos grandes consórcios económicos, para a aquisição de novos mercados e esferas de influência a fim de saquear os recursos naturais. Sejam quais forem os mecanismos de manipulação, eles não podem esconder que a União Europeia neste momento tem 30 milhões de desempregados e um número semelhante de sub-empregados, mina o futuro da juventude, condena mais de 127 milhões de pessoas à pobreza extrema. A União Europeia tomou parte nas guerras imperialistas na Iuguslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia junto com os EUA e a NATO, e agora está a desempenhar um papel de liderança na intervenção e nas ameaças contra a Síria e o Irão, utilizando pretextos miseráveis, quando a verdade é que eles procuram adquirir novos mercados, para garantir fontes de gás natural e petróleo. Isto é a União Europeia, a união do anti-comunismo que está a tentar enegrecer a contribuição histórica dos comunistas na luta pelo progresso social, que difama a contribuição decisiva da União Soviética para a derrota do fascismo na II Guerra Mundial e está a tentar anti-historicamente igualar comunismo, o oponente real do capital e do capitalismo, a fascismo, o qual é a criatura do sistema e servidor do capital. Os últimos 20 anos são muito instrutivos para os povos. Primeiro: no princípio da década de 1990 as bases para a promoção do livre movimento de capitais, mercadorias, serviços e trabalho foram lançadas, a bem conhecida reestruturação capitalista que abole trabalho fundamental, direitos de segurança social e impõe bárbaras medidas anti-trabalhadores. A estratégia de Maastricht, "Tratado de Lisboa" e a "EU-2020" serve de um modo planeado o aumento da competitividade e da lucratividade dos consórcios económicos monopolistas com o objectivo de satisfazer as necessidades actuais do capital, o qual nas condições da crise capitalista escala a ofensiva a fim de promover a redução do preço da força de trabalho, a intensidade do nível de exploração da classe trabalhadora. Segundo: um objectivo básico da Política Agrícola Comum (PAC) da UE é a concentração da terra e da produção nas mãos de poucos, de modo a que as relações capitalistas na produção agrícola sejam expandidas e fortalecidas, de modo a que sejam formadas grandes culturas capitalistas com um alto nível de competitividade. Esta política demonstrou-se ser desastrosa para pequenos e também para muitos médios agricultores. Culturas tradicionais foram reduzidas, o gado sofreu, a Grécia foi engolfada por produtos agrícolas importados, o défice comercial aumentou. Terceiro: através da chamada praça da "Liberdade, Segurança, Justiça" o edifício da UE, o poder político dos monopólios, o sistema capitalista está a ser gradualmente reforçado. Repressão e autoritarismo e as lutas populares da classe trabalhadora estão a ser incriminadas e criminalizadas, medidas duras estão a ser tomadas contra os imigrantes, todo um mecanismo para a vigilância e perseguição dos trabalhadores está a ser criado. Quarto: a "Política de segurança e defesa comum" está a ser utilizada como uma ferramenta da UE para a intervenção político-militar em todo o mundo, para controlar e explorar novos mercados para os monopólios, para adquirir novas posições na competição inter-imperialista. Quinto: a União Económica e Monetária (UEM) , a qual hoje inclui 17 estados e uma divisa comum, o Euro, deu ímpeto à integração capitalista, mas aguçou contradições inter-imperialistas. As necessidades do sistema de estabilidade monetária foram e estão a ser utilizadas para a imposição de duras medidas anti-populares. Na realidade, apesar dos passos que têm sido dados rumo à integração capitalista, a União Europeia, como uma união de estado com diferentes níveis de desenvolvimento, enfrenta graves problemas devido à desigualdade capitalista e isto manifestou-se intensamente durante a crise capitalista. Os próprios burgueses e os apologistas do capitalismo e da UE estão preocupados acerca do futuro da Eurozona, do rumo das contradições inter-imperialistas e da competição e com o fortalecimento de tendências centrífugas. As leis do capitalismo são implacáveis. O aguçamento da contradição básica entre o carácter social da produção e a apropriação capitalista dos seus resultados levou à crise de super-acumulação de capital e não a uma crise de dívida ou crise do neoliberalismo como afirmam os sociais-democratas e partidos oportunistas. Hoje, quatro anos após os estalar da crise, o problema retornou à Eurozona, a qual sofreu uma nova recessão e uma nova redução da sua produção e economia em 2012. Nestas condições, o capital precisa de maior lucratividade. A chamada "Governação económica europeia" significa a estrutura das medidas económicas e fiscais anti-povo, que além disso constitui a supervisão dos estados membros pela equipe da UE e a cedência consciente de direitos soberanos pelas classes burguesas e seus representantes. O "Mecanismo Europeu de Estabilidade" (MEE) que foi criado para tratar ocorrências de bancarrota controlada, como no caso da Grécia, opera de acordo com as mesmas linhas. Enquanto isso a discussão e a confrontação no auge acerca das duas importantes opções anti-populares: Primeiro, a & quot;Multi-annual Financial Framework 2014-2020" em que graves contradições inter-imperialistas estão a manifestar-se entre a Alemanha e a França e entre a Alemanha e a Grã-Bretanha. E em segundo lugar, quanto à proposta recente da Comissão para o "Aprofundamento da União Económica e Monetária" para a protecção da Eurozona. Em conclusão, podemos dizer que a agressividade da UE não se limita a uma ou outra política. O problema básico é que esta união capitalista foi criada para servir as necessidades do grande capital e a estratégia da aliança predatória está a ser formada e actualizada com base neste objectivo. Assim, as políticas anti-povo adequadas estão a ser implementadas. Por esta razão, respondemos aos partidos burgueses e às forças oportunistas decisivamente e esclarecendo o povo que a UE é uma união inter-estatal do capital que se tornará continuamente mais reaccionária. Sublinhamos isto, denunciando o papel do Partido de Esquerda Europeu (PEE) o qual emergiu das entranhas da UE, implementa a sua estratégia e faz a apologia deste união imperialista. O KKE está numa confrontação contínua com a UE, sua actividade está ligada a muitas mobilizações populares importantes e à classe trabalhadora as quais ao longo do tempo adquiriram continuamente objectivos de luta mais radicais. A par destes objectivos está a luta pelo desligamento da Grécia da UE (bem como da NATO) e pelo cancelamento unilateral da dívida, com o poder da classe trabalhadora e a socialização dos meios de produção concentrados. Isto é de importância particular, pois o desligamento das organizações imperialistas está conectado ao caminho do desenvolvimento socialista, levando em conta que só através deste caminho um país pode desenvolver-se baseado na satisfação das necessidades do povo e procurar criar relações mutuamente benéficas com outros estados e povos. O KKE argumenta que os problemas do povo não podem ser resolvidos e as necessidades populares não podem ser satisfeitas mesmo se um país se retirar da UE, da Eurozona e do Euro e continuar a seguir o caminho do desenvolvimento capitalista. O regime da exploração do homem pelo homem será perpetuado. A dominância do capital permanecerá. As pré-condições para o irromper da crise capitalista e a participação em guerras imperialistas serão mantidas. Por esta razão, consideramos necessário intensificar os esforços para fortalecer a luta anti-monopojlista, anti-capitalista e reunir forças da classe trabalhadora e populares mais vastas, para constituir uma forte aliança do povo com a classe trabalhadora como sua força de vanguarda rumo ao derrube da barbárie capitalista e desligamento de uniões imperialistas. Dezembro/2012 Ver também: El KKE se niega a que el PcE organice el próximo EIPCO en España [*] Membro da Comissão Política do CC do KKE. Discurso em 15 de Dezembro no evento político organizado pelo PCPE sobre a UE com a palavra-de-ordem "Pela retirada da UE, do Euro e da NATO". O original encontra-se em http://inter.kke.gr/News/news2012/2012-12-17-marinoy/ E

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Cinema novo: política e engajamento em Barravento de Glauber Rocha




Cinema Novo: Política, Religião e Engajamento em "Barravento" de Glauber Rocha: Reflexões sobre a relação História-Cinema-Ficção por Hélton Santos Gomes

 Sobre o autor[1]


 Temos como objeto de pesquisa o cinema, mais especificamente a obra ficcional denominada "Barravento"[2], 1961, de Glauber Rocha. Neste trabalho procuraremos evidenciar, teórica e metodologicamente, os motivos que fazem com que a análise desta obra seja importante para a História. De acordo com Pesavento, [...] se a arte se apresenta como fonte ao historiador - ou seja, como marca de historicidade que guarda uma impressão de vida - ela é uma fonte que diz sobre o seu momento de feitura e não sobre o tempo do narrado ou figurado. Assim, temáticas e personagens do ciclo arturiano, retomadas no século XIX pela pintura e pela poesia, servem ao historiador não como indícios de entrada ao mundo medieval, tal como ele teria sido, e sim da maneira como o século XIX pensava a Idade Média, ou ainda do modo como, através da inspiração medieval, os artistas do oitocentos expressavam as questões cruciais do seu próprio tempo. É assim que a arte fala sempre das razões e sensibilidades do presente de sua criação. [...]. A arte é fonte privilegiada para o historiador interessado em resgatar não as verdades do acontecido, e sim as verdades do simbólico, expressas no imaginário de uma época. (PESAVENTO, 2002, p. 57, grifo nosso) Diante do fragmento supracitado podemos dizer que a arte, no nosso caso o cinema, é um objeto cultural e tudo que está relacionado à cultura tem uma dimensão móvel, de modo que se reatualiza constantemente, o que nos permite dizer que cultura é, ao mesmo tempo, herança e transformação. E esta cultura é produzida e disseminada na esfera do social, que é o terreno comum onde acontecem as experimentações, entendidas aqui como algo relacional.

 Deste modo, as representações construídas pelo cinema não deixam de ter o "real" como seu referente, [...] seja como confirmação, negação, ultrapassagem, transformação, inscrição de um sonho, fixação de normas e códigos, registro de medos e pesadelos, exteriorização de expectativas, a arte é um registro sensível no tempo, que diz como os homens representavam a si próprios e ao mundo. (PESAVENTO, 2002, p. 57) Estas palavras de Pesavento se revelam importantes para o nosso estudo à medida que Glauber Rocha trabalha constantemente com estas questões em sua obra. Glauber em "Barravento" parte da premissa de que "a religião é o ópio do povo" e a princípio[3] nega que o fenômeno religioso, em certas condições ou circunstancias sociais, possa exercer um papel crítico, de protesto e até mesmo revolucionário. Ao construir tal enredo, o mesmo reafirma a ideia de que o fenômeno religioso contribui para legitimar o "statu quo". Contudo, para que possamos realizar uma análise mais precisa, seria interessante adotarmos como metodologia o diálogo constante entre as esferas micro e macro, a primeira diz respeito ao indivíduo e a segunda à cultura. (GAY, 2010).

 De acordo com Gay É possível, e pode ser altamente produtivo, que os estudiosos da sociedade, ao ler os romances, oscilem entre o macro e o micro, explorando cada um à luz do outro. O romance, numa palavra, é um espelho erguido ao mundo. Mas fornece reflexos muito imperfeitos. (GAY, 2010, p. 18) Estas palavras são muito importantes para nós, pois evidencia a necessidade de ler as obras de arte sempre em relação com a sociedade que lhes deram origem e que irão receber estas obras. Além disto, o fragmento supracitado, ao usar a metáfora do espelho, deixa claro que a obra de arte não nos evidencia a realidade tal como foi, mas sim uma realidade transformada pela linguagem artística que toma o real como parâmetro/inspiração e a transforma, em outras palavras, a obra de arte, tomando o "real" como ponto de partida, tem a liberdade de criar algo novo, algo que não existia até então.

Os olhos do poeta/artista ultrapassam a simples "realidade", pois esta realidade que serviu de inspiração para este artista foi, de certo modo, reatualizada ou (re) construída através da mediação, exercida por este artista, entre a "realidade", aquilo que é vivido, e o conhecimento construído, que pode ser uma poesia, um filme, etc. Acerca da cinematografia de Rocha, mais especificamente sobre o filme "Barravento", Lisboa nos diz que Glauber [...] nega a ideia de transposição pura e simples, ou de registro das tradições populares pela obra de arte, a cultura e a tradição popular sempre aparecem em seus filmes de forma hibrida, transformada, decodificada segundo os parâmetros criadores do próprio cineasta.

 O Candomblé de Barravento é uma recriação do universo mítico afro-brasileiro segundo os conceitos do teatro épico, por isso incomodou tanto os especialistas da área na época. Os personagens de Barravento são hora reais do registro humano, ora arquétipos das identidades míticas que eles representam: Aruan filho do casal Oxalá/Iemanjá, mas também "Ulisses" ou líder nato da comunidade de pescadores; Firmino elemento externo, trazendo um outro parâmetro de julgamento para as condições de vida na comunidade de Buraquinho, mas também arquétipo do elemento mágico que representava Exu e seus múltiplos. (LISBOA, 2006, p. 7, grifo nosso) É por isto que a obra de arte tomada como objeto de estudo para o historiador sempre nos revelará alguma coisa sobre o artista e a sociedade a que pertenceu este artista em uma determinada época e espaço.

 Mas para tal, é preciso considerar a obra de arte em sua historicidade, "integrando-a numa rede de relações e significados em movimento, interagindo com a realidade num incessante e recíproco jogo de pressões e limites". (PEIXOTO, 2011, p. 30) De acordo com Ismail Xavier "no inicio dos anos 1960, o Cinema Novo expressou sua direta relação com o momento político em filmes onde falou a voz do intelectual militante, sobreposta à do profissional de cinema" (XAVIER, 2001, p. 57). Deste modo, para que possamos verificar tal assertiva nos será necessário repor o movimento do Cinema Novo, e consequentemente o filme "Barravento", nas condições históricas de sua produção, recolocando-o no debate estético e político da época, o que supõe confrontá-lo com outros autores e recorrer a outros documentos. (PEIXOTO, 2011). Isto nos ajudará a entender os motivos que levaram os "críticos" e autores do Cinema Novo a propagarem a ideia de que os filmes produzidos pelos cinemanovistas não eram sucesso de público devido ao fato de que os filmes realizados eram dirigidos a um público que praticamente não conhecia o cinema nacional. Como é possível afirmar que o público brasileiro não conhecia o cinema nacional se sabemos da existência do sucesso de bilheterias das chanchadas, gênero que predominava até então, e também do sucesso de público de alguns filmes produzidos pelo cinema marginal, como por exemplo, alguns filmes de José Mojica Marins? Como podemos afirmar que um filme como "O homem do Sputnik", 1959, de Carlos Manga ou "À meia noite levarei a sua alma", 1964, de José Mojica Marins não possui um conteúdo crítico? Deste modo, tomaremos de empréstimo as palavras de Pesavento: Mas não só o cânon estético é levado em conta pelo historiador.

 A mediocridade pode lhes dar mais respostas sobre as sensibilidades de uma época do que a obra do gênio. Se este institui o espírito do seu tempo e o estetiza de maneira arguta e fina, pondo-o em narrativa, a boa recepção da obra literária de menor mérito nos diz também muito sobre o plano da recepção. Sucessos de público indicam algo sobre o horizonte de expectativas de um momento dado da história. (PESAVENTO, 2002, p. 67) Portanto, se o historiador pretende avaliar qual evidência um filme pode fornecer ele deve "procurar não apenas a ficção em questão, mas seu criador e a sociedade desse criador" (GAY, 2010: 24), o historiador tem que estar atento não apenas ao que acontece na cultura do artista/poeta/cineasta, ele tem que se atentar às maneiras como este artista recebe estes acontecimentos sociais, os remodela e os devolve para sociedade. Além disto, tem que se atentar aos modos como a sociedade os recepciona. Entretanto, não podemos ser inocentes e imaginar que a análise do contexto da produção de determinada obra nos dará todas as respostas que queremos.

White nos alerta sobre isto dizendo que A pressuposição informadora do contextualismo é que os eventos podem ser explicados ao serem postos dentro do "contexto" de sua ocorrência. Por que ocorreram como ocorreram há de ser explicado pela revelação das relações específicas que têm com outros eventos ocorrentes em seu espaço histórico circundante. (WHITE, 1992, p. 32-33) White vai mais além ao interpretar Pepper e diz: O contextualista avança, diz-nos Pepper, isolando algum (na verdade, qualquer) elemento do campo histórico como assunto de estudo, seja o elemento tão amplo como "a Revolução Francesa" ou tão pequeno como um dia na vida de uma determinada pessoa. Em seguida passa escolher os "fios" que ligam o evento que vai ser explicado a diferentes áreas do contexto.

 Os fios são identificados, estendidos para fora, na direção do espaço natural e social circundantes dentro do qual ocorreu o evento, e estendidos para trás no tempo, a fim de determinar as "origens" do evento, e para a frente no tempo, a fim de determinar seu "impacto" e "influência" sobre os eventos subsequentes. Essa operação termina no ponto em que os "fios" ou desaparecem no "contexto" de algum outro "evento" ou "convergem" para provocar a ocorrência de algum novo "evento". [...]. O "fluxo" do tempo histórico é encarado pelo contextualista como um movimento ondulatório [...] em que certas fases ou culminâncias são consideradas intrinsecamente mais significativas do que outras. A operação de estender os fios de ocorrências de modo a permitir o discernimento de tendências no processo sugere a possibilidade de uma narrativa em que as imagens de desenvolvimento e evolução pudessem predominar. Mas, na realidade, as estratégias explicativas contextualistas inclinam-se mais para as representações sincrônicas de segmentos ou seções do processo, cortes feitos, por assim dizer, a contrapelo do tempo. (WHITE, 1992, p. 33-34) Ao que parece a historiografia tradicional tem feito exatamente isto, privilegiam e propagam as narrativas que estejam em sincronia com os discursos produzidos pelo Cinema Novo e rechaçam aqueles que não estão. Por que grande parte dos historiadores, ao analisarem o Cinema Novo, se utilizam da análise contextual para referendar um determinado ponto de vista se utilizando de obras produzidas pelos próprios cinemanovistas para realizar uma análise comparativa e descartam as obras produzidas por outros seguimentos cinematográficos, como por exemplo, do cinema marginal ou da chanchada?

Por que estes historiadores não utilizam obras produzidas por outros seguimentos, como por exemplo, pelo Neorrealismo italiano para confrontar com os filmes produzidos pelo Cinema Novo, sendo que este dizia ter se inspirado no Neorrealismo italiano e na "Nouvelle Vague" francesa? Por que não se realiza uma pesquisa sobre a recepção das obras produzidas pelo Cinema Novo no Brasil e na Europa, mais especificamente na Itália e na França? Quando alguns pesquisadores mencionam o fato de que alguns filmes do Cinema Novo não foram sucesso de público, estes alegam que o público não conhecia o cinema nacional ou que o público não era "maduro" o suficiente para compreender o propósito dos filmes.

Ora, nos parece que tal afirmação é equivocada e imprecisa. Se o público não conhecia o cinema nacional como poderemos explicar o sucesso de público das chanchadas? Como o público pode não ser "maduro" o suficiente para compreender os filmes sendo que, de acordo com o discurso cinemanovista, era o próprio "povo" que estava sendo retratado nas telas? O "povo" não era "maduro" o suficiente para compreender a sua própria realidade? Para que possamos tentar responder minimamente a tais questões nos seria necessário realizar um estudo que tivesse como objeto a estética da recepção destas obras. Mascarello diz o seguinte a respeito da falta de novas abordagens em torno do Cinema Novo: De forma que a desestruturação das teorias da incomunicabilidade, bem como sua substituição pela comunicabilidade do culturalismo e do cognitivismo, são noticias internacionalmente correntes que parecem ter sofrido alguma espécie de censura, difícil de compreender, nos estudos de cinema do Brasil. Ou, Talvez, nem tão incompreensível: reconhecer a falência do modernismo político [...] equivaleria, certamente, a consentir na ultrapassagem da maior parte da produção do Glauber teórico e de seus pares latino-americanos dos anos 60 e 70 (Solanas, Espinosa etc.). Daí a opção cômoda da maioria pelo silêncio omisso. O pouco interesse na atualização da teoria do espectador em padrões internacionais obstrui o cumprimento de uma função precípua da Academia: o diálogo com a linha de frente do pensamento contemporâneo (por mais que esta "vanguarda" teórica venha colocar em xeque as estimadas cinematografias dos anos 60). Além disso, em um de seus efeitos mais danosos, produz a inviabilização da recepção. [...]. E o dado mais definitivo: nunca um estudo acadêmico sobre a recepção de um filme brasileiro foi montado no país. As consequências? Óbvias, nefastas. A Universidade se demonstra impotente para fornecer respostas (mesmo que parciais) a questões repetidamente indagadas pela comunidade cinematográfica. Faz-se urgente, em meio às permanentes dificuldades para a afirmação mercadológica e sociocultural do cinema brasileiro, responder a perguntas tão singelas e fundamentais como: Que pensa o público nacional do "seu" cinema? O que espera dele? Que lugar este ocupa em seu imaginário? Constitui (e em que medida) sua identidade cultural? Que opinião tem o público sobre as representações de Brasil nos filmes nacionais? Estas questões, sabe-se muito bem, não têm sido respondidas pela Academia, pelo simples fato de não as ter incorporado à sua agenda investigativa. (MASCARELLO, 2004, p. 7, grifo nosso) Uma abordagem nos moldes propostos por Mascarello nos seria muito útil, haja vista que, segundo o discurso dos cinemanovistas, o Cinema Novo tinha a intenção de realizar um cinema que expressasse um suposto legítimo homem brasileiro que, em outras palavras, seria a classe trabalhadora nacional. E, partindo do pressuposto de que nosso objeto de estudo tem relação direta com o cinema produzido no continente europeu, principalmente na Itália e na França, ser-nos-ia interessante utilizarmos a metodologia de Jacques Revel, denominada por ele de "jogos de escalas". Para ele é o princípio da variação que conta, não a escolha de uma escala em particular (REVEL, 1998)

De acordo com Ricoeur, Depende deste jogo de escalas a postura micro-histórica adotada por alguns historiadores italianos. Ao reterem como escala de observação um vilarejo, um grupo de famílias, um indivíduo apanhado no tecido social, os adeptos da microstoria não somente impuseram a pertinência do nível micro-histórico no qual operam, mas trouxeram para o plano da discussão o próprio princípio da variação de escalas. [...] A ideia chave ligada à ideia de variação de escalas é que não são os mesmos encadeamentos que são visíveis quando mudamos de escala, mas conexões que passaram despercebidas na escala macro-histórica. (RICOEUR, 2007, p. 220-221, grifo nosso) Deste modo, acreditamos que seria interessante trabalhar dialeticamente entre as esferas macro e micro, pois ao mudarmos de escala vemos coisas diferentes, tanto é que no âmbito nacional o discurso autojustificador do Cinema Novo era de que os filmes produzidos por eles possuíam certa "originalidade" e "autenticidade" em relação aos demais, contudo, se utilizarmos da variação de escalas perceberemos que este discurso merece ser tratado com cautela e atenção. Ao sairmos da esfera ou do contexto restrito que envolve a produção do Cinema Novo e ampliarmos um pouco o nosso olhar para o contexto de toda a cinematografia nacional, confrontando vários documentos e obras, perceberemos que várias destas obras produzidas pelos cinemanovistas possuem pontos de aproximação e distanciamento com obras produzidas antes da constituição do Cinema Novo, assim como com obras produzidas em "Hollywood". Um exemplo disto é a obra de Glauber Rocha "Deus e o Diabo na Terra do Sol", 1964, que possui aproximações com o gênero "Western", assim como com "O Cangaceiro", 1953, de Lima Barreto. Além disto, podemos afirmar que não foi o Cinema Novo, mas sim a obra de Nelson Pereira dos Santos "Rio 40 Graus", 1955, que inaugurou a possibilidade de se fazer cinema independente no Brasil, já que na época houve a falência dos grandes estúdios cinematográficos paulistas. Agora ampliaremos um pouco mais a nossa escala e iremos até a Europa.

Já evidenciamos anteriormente que os filmes de Rocha se aproximam com os de outros autores/diretores em diversos aspectos. Como exemplo podemos citar o próprio "Barravento" que se assemelha muito em alguns aspectos com o filme "La Terra Trema", 1948, de Luchino Visconti. Com isto o discurso autojustificador de originalidade pretendida pelo Cinema Novo cai por terra. Entretanto, vale ressaltar que num estudo como este a variação de escalas só será bem sucedida se tomarmos como objeto vários tipos de documentos, relatos e/ou indícios, e o estudo da estética da recepção pode ser um bom começo. Posto isto, acerca da recepção do público europeu aos filmes do Cinema Novo, Paula Siega, em seu artigo intitulado aponta: [...] ingressam os primeiros filmes do Cinema Novo em festivais internacionais, onde privilegia-se uma concepção autoral de cinema que distingue entre produção comercial e artística. A aceitação dos cineastas brasileiros será mediada por esta expectativa de "autoridade" que propiciará leituras críticas contrastantes: de um lado, as que vêem nos filmes autenticas obras de arte e, de outro, as que consideram falsificações de matrizes estéticas européias. (SIEGA, 2008, p. 2) De fato, percebemos inovações na forma de se pensar e problematizar questões sociais em filmes oriundos do Cinema Novo, mas, quanto à estética, a qual muitos defendem como também sendo inovadora, não compartilhamos tais posicionamentos: exemplo da não inovação é a forma com que os mesmos foram recebidos na Europa, sobretudo na Itália onde por muitas vezes foram apontados como cópias de mau gosto de obras existentes.

 Desta forma acreditamos que as palavras proferidas por Silva, ao interpretar La Capra, são importantes para nós. Ele diz: [...]. Em oposição a essa concepção documental, o teórico propõe outra que toma o texto a partir de uma perspectiva que leve em consideração o respeito à sua condição enquanto obra: pensar o texto como um "ser obra" que não se liga mecanicamente a uma realidade histórico-social e que é capaz de propor e construir experiências temporais em sua narrativa. [...]. É seguindo essa linha de raciocínio que o autor reclama da má utilização, através de uma leitura reduzida, de obras literárias durante o fazer historiográfico. Disso deduz-se que se deve explorar não apenas os fatos narrados e que guardam uma relação representacional com uma realidade vivida - a vida do autor (filiações políticas e desventuras pessoais) ou o contexto sócio-político em que se encontra - mas, também, a própria linguagem como constitutiva e constituída de temporalidade histórica. (SILVA, 2011, p. 196-197, grifo nosso) Logo, acreditamos ser de grande importância utilizarmo-nos do conceito "o ser obra" cunhado por La Capra. De acordo com este, " o ser-obra complementa a realidade empírica com acréscimos e roubos" (LACAPRA, 1998, p. 245-246). A partir do momento que nós, pesquisadores do Cinema Novo, tomarmos consciência de que o texto não se liga mecanicamente a uma realidade histórico-social e que é capaz de propor e construir experiências temporais em sua narrativa correremos menos riscos de cometermos injustiças interpretativas e, consequentemente, de propagá-las através de nossas narrativas. Referimo-nos a isto porque, conforme já mencionamos, em diversas leituras localizamos tentativas de hierarquização do cinema brasileiro, onde no ápice desta "cadeia" temos o Cinema Novo como o referencial político, estético e ideológico. Como exemplo podemos citar Ismail Xavier que em sua obra "Cinema Brasileiro Moderno" afirma que No inicio dos anos 1960, o Cinema Novo expressou sua direta relação com o momento político em filmes onde falou a voz do intelectual militante, sobreposta à do profissional de cinema. Assumindo uma forte tônica de recusa do cinema industrial - terreno do colonizador, espaço de censura ideológica e estética -, o Cinema Novo foi a versão brasileira de uma política de autor que procurou destruir o mito da técnica e da burocracia da produção, em nome da vida, da atualidade e da criação. Aqui, atualidade era a realidade brasileira, vida era o engajamento ideológico, criação era buscar uma linguagem adequada às condições precárias e capaz de exprimir uma visão desalienadora, critica, da experiência social. (XAVIER, 2001, p. 57, grifo nosso) Não discordamos de Xavier quanto à importância e o caráter político ativista empregado no trabalho de cineastas ligados ao movimento do Cinema Novo, mas percebemos em sua defesa certo juízo de valor acerca da negação da linguagem do cinema industrial, o que torna seu processo de análise impreciso. Assim sendo, a nosso ver, Ricoeur é muito feliz ao trocar o conceito de "representação" pelo de "representância" com o intuito de evidenciar que a representação não é neutra em si mesma, ela tem intencionalidade. Segundo Ricoeur A palavra "representância" condensa em si todas as expectativas, todas as exigências e todas as aporias ligadas ao que também é chamado de intenção ou intencionalidade historiadora: designa a expectativa ligada ao conhecimento histórico das construções que constituem reconstruções do curso passado dos acontecimentos. Introduzimos acima essa relação sob a feição de um pacto entre o escritor e o leitor. Diferentemente do pacto entre um autor e um leitor de ficção que se baseia na dupla convenção de suspender a expectativa de qualquer descrição de um real extralinguístico e, em contrapartida, reter o interesse do leitor, o autor e o leitor de um texto histórico convencionam que se tratará de situações, acontecimentos, encadeamentos, personagens que existiram realmente anteriormente, isto é, antes que tenham sido relatados, o interesse ou o prazer de leitura resultando como que por acréscimo. A pergunta agora colocada visa a saber se, como e em que medida o historiador satisfaz à expectativa e à promessa subscritas nesse pacto. (RICOEUR, 2007, p. 289)



 De acordo com as reflexões de Ricoeur podemos dizer que a linguagem histórica é atravessada por temporalidades, e a compreensão de qualquer realidade passa, necessariamente, por uma análise atenta e contextualizada das formas narrativas sob as quais essa linguagem se organiza. Deste modo, concordamos com Silva quando este nos diz que Ricoeur é muito feliz ao destacar em seus estudos a influência do local de leitura, ou seja, a importância da experiência estética da leitura e o ato de ler como prática histórica que, segundo ele, é marcada por lugares e expectativas que devem ser levadas em consideração no momento da problematização histórica do texto literário. (SILVA, 2011) Diante de tudo que foi exposto tomaremos de empréstimo as palavras de Nietzsche quando este nos diz: O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu o que são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam a sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas. (NIETZSCHE, 1873, p. 57, grifo nosso)

 Destarte, partilhamos das palavras de Vieira quando esta nos diz que "as linguagens conferem memoriabilidade à experiência ("mise em memoire"), e embora estejam ambas, sensibilidade e formas linguísticas, submetidas à mudança histórica, seus ritmos de transformação são manifestamente diferentes" (VIEIRA, 2011, p. 357). Portanto, A linguagem não é um efeito direto do que poderíamos chamar de realidade: ela é um elemento constitutivo dessa realidade. Logo, a linguagem, como categoria histórica, é constituída de temporalidade. [...]. Em outro nível, a linguagem pode funcionar como ferramenta/suporte para a compreensão das formas como, numa dada configuração, o ser humano se põe no mundo, se constitui como ser histórico (temporal). (SILVA, 2011, p. 199, grifo nosso) É preciso termos em mente que as linguagens constituem e institui o mundo real, logo, nós historiadores temos que ser responsáveis e éticos na prática de nosso oficio. Conforme já mencionamos, ao analisarmos algum objeto, seja ele uma obra de arte ou não, temos que recolocá-lo no debate estético e político de sua época e, consequentemente, confrontá-lo com outros autores e recorrer a outros documentos (PEIXOTO, 2011), mas sem perder de vista, na medida do possível, a mobilidade do olhar, ou seja, o jogo de escalas. Além disto, não podemos perder de vista que este passado, erigido pela linguagem, sempre é mediado pela visão do historiador/pesquisador que está imerso em seu presente que sem dúvida será um tempo e espaço diferente de seu objeto de estudo. De acordo com Vieira, nesta relação [...] se dá um inevitável entrelaçamento entre subjetividade e objetividade, julgamento e construção, temporalidades passadas e presentes, cuja irredutível interação exige negociações complexas e uma tensão que preserve o máximo de espaço possível para a alteridade do que foi, mas já não se mantendo mais a crença na ideia de reatualização ou reconstrução fiel de outro tempo. (VIEIRA, 2011, p. 356) Por isto é necessário realizarmos um estudo criterioso de nosso objeto em questão, mediante procedimentos de pesquisa, mas para isso é preciso estarmos bem munidos teórica e metodologicamente, até mesmo porque, conforme afirma White, "relatos narrativos não consistem apenas em afirmações factuais (proposições existenciais singulares) e argumentos, mas também em elementos retóricos e poéticos", (WHITE, 2006, p. 193) o que faz de todo "texto", entendido aqui como relatos narrativos, uma representação de uma determinada realidade. Referências bibliográficas GAY, Peter. Represálias Selvagens: realidade e ficção na literatura de Charles Dickens, Gustave Flaubert e Thomas Mann. São Paulo: Cia das Letras, 2010. LISBOA, Fátima Sebastiana Gomes. A arte revolucionária recusa a mistificação da revolução: a contribuição de Glauber Rocha para a discussão sobre a relação cinema e história. In: Anais Eletrônicos do VII Encontro Internacional da ANPHLAC, Campinas, 2006. MASCARELLO, Fernando. O dragão da Cosmética da Fome Contra o Grande Público: uma análise do elitismo da crítica da cosmética da fome e de suas relações com a Universidade. In: Intexto. Porto Alegre: UFRGS, v. 2, n. 11, p. 1-14. NIETZSCHE, F. [1873] - Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral. Tradução de Rubens Rodrigues T. Filho. Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Nova Cultural, 1999. OLIVEIRA E SILVA, José L. Narrativas Urbanas: Sensibilidades e fantasmagorias modernas em O Coração Denunciador, de Edgar Allan Poe. In: História e Perspectivas. Uberlândia, 45, p. 193-215, 2011. PEIXOTO, Maria do Rosário da C. Saberes e Sabores ou conversas sobre história e literatura. In: História e Perspectivas. Uberlândia, 45, p. 15-33, 2011. PESAVENTO, Sandra J. Este mundo verdadeiro das coisas de mentira: entre a arte e a história. In: Estudos Históricos, RJ, n. 30, 2002, p. 56-75. REVEL, Jacques. Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV. 1998. RICOEUR, Paul. Explicação/Compreensão e A representação historiadora. In: A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p. 193-301. SIEGA, Paula. Ressonâncias Sertanejas em Alberto Moravia e Gianni Amico: Leituras do Centro sobre a periferia. In: XI Congresso Internacional da ABRALIC: Tessituras, Interações, Convergências. São Paulo, 2008. VIEIRA, Beatriz de Moraes. Ecos e ressonâncias teóricas: para pensar a relação entre poesia e história. In: A palavra perplexa: experiência histórica e poesia no Brasil nos anos 1970. São Paulo: Hucitec, 2011, p. 346-392. WHITE, Hayden.

 A poética da história. In: Meta-História: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP, 1992, p. 17-56. WHITE, Hayden. Enredo e verdade na escrita da história. In: MALERBA, J. (Org.). A História Escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006, p. 191-210. XAVIER, Ismail. Cinema Brasileiro Moderno. 3ª ed. São Paulo. Paz e Terra. 2001. [1] Mestrando em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, integrante do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC) e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

 E-mail: hellpet@hotmail.com [2] Barravento narra a estória de um grupo de pescadores de Xaréu que vivem numa aldeia pobre da Bahia, cujos antepassados vieram da África como escravos. Com eles permanecem antigos costumes como, os cultos místicos ligados ao Candomblé. A chegada de Firmino, antigo morador da aldeia, que havia se mudado para a cidade para fugir da pobreza, altera todo o panorama local, polarizando tensões. [3] Mencionamos "a principio" porque a obra de Glauber é bastante complexa, de modo que não poderemos discuti-la em seus pormenores neste trabalho, pois se o fizéssemos iríamos estender demasiadamente este trabalho, haja vista que teríamos que estabelecer alguns diálogos com vários pensadores marxistas, inclusive com os autores que defendem e divulgam a Teologia da Libertação.

Trabalhadores da erva mate: mundo ervateiros e as relações de trabalho no Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso



Trabalhadores da erva-mate: os "mundos ervateiros" e as relações de trabalho no Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso

por José Antonio Fernandes


Sobre o autor[1]
A erva-mate é nativa de algumas regiões da América do Sul, dentre as quais: nordeste do Paraguai; província de Missões na Argentina e; nos estados brasileiros do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul (o qual denominamos neste artigo de "Antigo Sul de Mato Grosso" ou "SMT", devido ao período estudado ser anterior a divisão em dois estados, ocorrida em 1977). Assim, antes de qualquer coisa, devo salientar que, embora algumas informações venham parecer demasiado superficiais, isso se deve ao espaço e ao fato deste artigo ser uma tentativa de abertura de diálogo, comparativo diga-se, sobre as relações de trabalho e as condições de vida dos trabalhadores dos ervais, mas não só isso, tomando três localidades diferentes, os estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso, cujas atividades comerciais em relação à erva-mate vêm desde o século XIX, pelo menos, e se relacionam ao longo dos processos históricos e ciclos da economia ervateira, envolvendo ainda questões relacionadas à evolução das técnicas de trabalho.
Temos que nas localidades por mim consideradas neste artigo fazia-se uma separação, baseada no status dos indivíduos, entre trabalhadores, proprietários, produtores de erva-mate cancheada[2] e mesmo industriais (ou beneficiadores) do mate, assumindo diversas denominações de acordo com a localidade observada. Nem sempre os donos dos ervais, ou ainda os industriais, trabalhavam eles mesmos na extração, no cancheamento ou no beneficiamento do produto. É certo que nos pequenos ervais paranaenses e em Santa Catarina fossem usadas formas familiares de trabalho, onde os proprietários trabalhavam, por vezes juntamente com seu núcleo familiar, na elaboração do produto, onde também não faltavam formas de hierarquização.
Voltando nossos olhares para o século XIX, deparamo-nos com a questão de existirem ou não o uso de trabalhos escravos nos ervais, no que Temístocles Linhares nos diz que "havia um traço pouco compatível com a situação do escravo: a sua inconstância". Seria mais correto falar em "servidão", "trabalho forçado" ou "compulsório". No Paraná desde esse período já se falava em "salário", no uso dos "jornaleiros", empregados na coleta, ou mesmo simplesmente em "trabalhadores"[3]. Depois, também, "o trabalhador assalariado era submetido a um sistema de controle e incentivo [...], além de estar sujeito a demissão e admissão, segundo as necessidades da empresa"[4].
Segundo Virgílio Corrêa Filho, os "mineiros"[5] no estado de Mato Grosso sujeitavam-se "aos processos de trabalhos mais primitivos e brutais", concordando com ele Gilmar Arruda, quando trata das condições de trabalho impostas pela Companhia Mate Laranjeira[6]. Além disso, Corrêa Filho complementa falando sobre a origem do trabalhador, que na sua maioria dominante era constituída de paraguaios. É claro que entre esses trabalhadores era grande o contingente indígena, que viram suas terras serem ocupadas pela Companhia Mate Laranjeira, por colonos rio-grandenses e depois também pela Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND)[7], a partir da década de 1940. Muitos tiveram que se submeter aos trabalhos nos ervais como forma de sobreviver e permanecer em suas terras tradicionais, ou próximas delas.
O que restava na região fronteiriça mato-grossense-paraguaia, pelo menos à "massa" trabalhadora dos ervais, seria um regime de "semi-escravidão", ou "servidão" como prefere Caio Prado Júnior (1979), onde eram presos os empregados em regimes de trabalho compulsório. Assim ocorria, por exemplo, nos domínios da Companhia Mate Laranjeira, onde esses mesmos homens eram submetidos a códigos de postura e por vezes ao policiamento, coisa que ia além do horário de trabalho, ficando patente essa situação em Guaíra e Campanário[8], aglomerados com características urbanas de propriedade da Companhia[9]. Ao mesmo tempo, são inúmeros os casos conhecidos de fugas, conflitos e mortes por causa das condições em que viviam esses trabalhadores nos ranchos ervateiros da Companhia Mate Laranjeira[10].
Em Mato Grosso os "conchavos" eram as formas correntes de "contratação" dos trabalhadores paraguaios, realizadas por um intermediário que recebia por número de "conchavados". Envolvia uma estratégia de sedução para que o trabalhador aceitasse o contrato. Acontecia, geralmente, durante um jeroki(um baile), quando os "conchavadores" aproveitavam-se dos paraguaios para reuni-los e deixá-los disponíveis para os trabalhos em determinadas localidades[11]. Nesse contexto, como complemento da coação era feita a entrega de antecipos(adiantamentos), a fim de chamar a atenção dos possíveis trabalhadores e prendê-los no trabalho por dívida.
Sobre a rotina dos ervais do extremo sul de Mato Grosso, Gilmar Arruda descreve o dia a dia dos trabalhadores da Mate Laranjeira[12], que bem serve também, em certa medida, para a produção independente da empresa no estado (produtores geralmente chamados pela empresa de changa-y, ladrões de erva), já que os processos, com algumas sutis modificações continuaram os mesmos. Tudo começava antes mesmo da instalação dos ranchos, com o descobrimento dos ervais, sua localização dentro das matas, trabalho esse feito pelos monteadores, ou simplesmente chamados de "exploradores". "Aos dois ou três, a pé ou montados, armados, com instrumentos para abertura de picadas e providos dos alimentos necessários, internavam-se nas matas, onde passavam de dois a cinco dias"[13].
Fez e faz-se ainda uma discussão sobre os benefícios à saúde proporcionados pelo mate[14], onde se menciona a resistência física e sensação de saciedade que seu consumo proporciona. No caso do Mato Grosso, isso aparecia nos relatos sobre os trabalhadores, os quais tendo uma vida de poucos recursos, constantemente tendo que se embrenhar nas matas em busca das "minas", viam no mate um "instrumento para enganar a fome".
Na década de 30, já com o advento da "Marcha para Oeste", no Estado Novo, o Governo Federal pregou o progresso e a nacionalização das fronteiras com os países vizinhos, especialmente o Mato Grosso com o Paraguai, na região onde o Guarani era a língua mais falada. Uma das primeiras medidas, antes mesmo de implantar as colônias agrícolas, foi a instauração da Lei de Nacionalização de Mão de Obra, chegando a enviar trabalhadores desempregados dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro para os ervais mato-grossenses. Para o bem ou para o mal, ao que se sabe, os mesmos não teriam se adaptado às condições de trabalho que eram impostas aos paraguaios e indígenas, mesmo nos casos em que não trabalhassem diretamente nos ervais.
A desclassificação do trabalhador nacional, através da divulgação de sua suposta não adaptação às condições de trabalho exigidos nos ervais, revela de um lado, as reais condições à que estavam submetidos os trabalhadores paraguaios, de outro, a maneira encontrada pela Mate [Laranjeira] para continuar recrutando mão de obra de origem paraguaia[15].
Fica neste ponto evidente uma preferência pelos trabalhadores fronteiriços por serem eles antes de qualquer outra coisa mão de obra barata. Os enviados da região Sudeste do Brasil também não estavam enquadrados em disciplinamentos nos locais de origem, também não estavam inseridos nas relações de trabalho mais afiguradas aos tipos capitalistas nas localidades, que já avançavam, de certa forma, na questão de urbanização. Com as colônias agrícolas nacionais, neste caso especialmente a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), no sul de Mato Grosso, "menina dos olhos" de Getúlio Vargas, é que ocorreu de fato um aumento populacional de trabalhadores não paraguaios[16], vindos, sobretudo, do Nordeste brasileiro. Uma grande parte desses migrantes encontrou erva-mate em seus lotes, sendo que uns arrancaram as árvores para a limpeza e implantação de culturas agrícolas, outros, no entanto, viram na economia ervateira um meio de sobreviver em um espaço de difícil escoamento de qualquer tipo de produção, mas que tinha um mercado certo para a caa[17], ainda que este mercado por algum tempo tivesse sido a própria Companhia Mate Laranjeira.
Já no estado do Paraná, os trabalhadores conhecidos como "camaradas" não pareciam ter melhor sorte. Segundo Linhares, o estado teria passado por pelo menos três fases de transformações técnicas no que diz respeito à produção ervateira, que alteraram as relações de trabalho e as formas de convivência na região. A princípio, na primeira fase, as técnicas dos engenhos do século XIX, com processos rústicos de sapeco e morosidade no preparo, incluiria ainda os engenhos movidos a água, em alguns casos a vapor, técnicas extremamente rústicas, processos basicamente manuais. A presença de escravos é notada, embora, segundo o autor, seja em número bem reduzido, como já vimos, e em algumas poucas atividades. A segunda fase ganharia novas técnicas, com processos mecânicos sendo introduzidos, mas com permanência ainda de formas manuais em diversas cidades da então província do Paraná, já tendo avançado, também com a adoção de barbacuás de "tipo paraguaio". Já na terceira fase, começando entre 1875 e 1880, teríamos uma verdadeira transformação nas técnicas industriais, ganhando finalmente ares de modernidade.
Nos meados do século XX, tendo como destaque o aparecimento, embora não em todos os lugares, da energia elétrica, o próprio Linhares se isenta de caracterizar uma nova fase, preferindo sair pela tangente, dizendo que o mate, ao menos no Paraná, quando ele escreve em 1969, já "ultrapassou seu período áureo"[18].
No Mato Grosso nenhum autor chegou a separar, ao que parece, a produção de erva-mate por fases (a não ser antes, durante e após a existência da Mate Laranjeira). Em termos de inovações tecnológicas, embora os ranchos fossem considerados melhor equipados do que os "soques" rio-grandenses (principalmente os maiores), o que temos é uma permanência nos processos produtivos simples de experiências e técnicas herdadas dos indígenas e paraguaios. Talvez uma das poucas inovações que tenha se destacado neste ponto seja a introdução de "cilindros" movidos por animais para o cancheamento, a partir da década de 1910, mas, ainda assim, reservado aos ranchos em que existissem ervais grandes e mais densos, isso porque nos ranchos menores, chamados também de "ranchadas" ou "ranchitos", em que predominavam instalações precárias, a tendência era a da mudança de lugar de acordo com a duração da extração, sendo incompatível com tal aparelho[19]. Outra instalação que inovou de certa forma os trabalhos ervateiros nesse estado foi a "tambora", usada para o sapeco, que semelhante ao que ocorreu com o "cilindro", seria destinada especialmente aos ranchos de caráter mais permanente. A "tambora" protegia a planta da ação destrutiva dos cortes, tradicionalmente feitos com facões, sendo que não havia necessidade de galhos grandes, ficando o corte mais próximo ao talo e das folhas. Tempos depois, o Instituto Nacional do Mate chegou a tentar a introdução do uso de tesouras
Entretanto, apesar das intenções do Instituto e da concorrência de alguns patrões, os mineiros não aceitaram as propostas de mudança. O argumento usado para rejeitá-la foi bastante revelador do peso da tradição: "recusaram de imediato posto que assim procediam seus antepassados e quem não carregasse o raído de erva às costas, como faziam, não era hombre[20].
Para além do aspecto econômico, vale notar ligeiramente que no mundo do trabalho de Mato Grosso (e creio que não seria tão diferente nos outros estados ervateiros), o aspecto simbólico era bastante presente nas manifestações culturais, nos tratos interpessoais e formas de compreensão de si mesmo e dos "outros". Desde o fim do século XIX, passando pelas décadas iniciais do XX e o período por mim estudado (até a década de 1970), o "ritual", se assim podemos chamar, de produção de erva-mate parece ter uma permanência muito forte, indo sempre do corte com facão das erveiras, ao sapeco e secagem pelos urus[21] nosbarbacuás[22], ao cancheamento, etapa do semipreparo, e finalmente ensacamento e transporte para beneficiamento (que nesse caso era feito já na Argentina). Essas práticas, formas de trabalho e as ferramentas tradicionais usadas (facões para cortar, a estrutura dos barbacuás para secagem, os raídos, etc.), apesar de algumas ações por parte do estado e mesmo dos produtores com o fim de modernizá-las, se mostraram bastante duradouras, envolvendo simbolismos muito fortes. Um exemplo disso é a ligação da virilidade dos "mineiros"com o tamanho de um raído[23] por ele carregado, quanto maior e mais pesado melhor, mais hombre ele era. É como se repetissem constantemente em suas mentes que quanto maior estivesse sua carga, a quantidade de galhos cortados e amontoados nos raídos, maior seria sua fama, seu reconhecimento, escondendo toda carga simbólica e as representações que isso viesse a carregar, incutindo em sua mente apenas uma necessidade supostamente natural, quando na verdade levaria o interesse dos encarregados pelos ranchos ervateiros e mais amplamente os dirigentes da Companhia Mate Laranjeira. Creio que esse simbolismo da hombridade tenha permanecido ainda com os colonos da CAND, por certo que no caso em que fossem contratados trabalhadores paraguaios, que passavam a ficar disponíveis com o fim dos arrendamentos de terra por parte da Companhia.
Não era tão fácil também a vida de um bom número de donos de ervais e pequenos produtores (no Mato Grosso os independentes da Companhia Mate Laranjeira), sendo que vários fatores influenciavam na perda de ganhos com o produto. Para que possamos dar um exemplo disso, o Instituto Nacional do Mate, através de suas reuniões da Junta Deliberativa e da Diretoria, trabalhando com suposições e prospecções, executava análise de mercado, das taxas de câmbios, além de estudos diplomáticos, através dos quais tentava prever o futuro do produto e traçar medidas a serem tomadas ou repassadas na forma de pedidos às entidades e autarquias do Governo Federal. O que se sabe é que nem sempre essas previsões tinham os resultados esperados, isso por serem dependentes de muitos fatores e estarem sujeitos a muitos imprevistos, dentre os quais um mau andamento das colheitas em um dos estados produtores, que poderia ser agravado por mau tempo, geadas, pragas nos ervais (como o caso do coruquerê[24]), etc.
Além disso, nos casos de Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina, em relação às suas exportações para a Argentina, poderiam surgir ânimos desfavoráveis dos importadores, por vezes resultantes de conflitos de interesse entre produtores e industriais daquele país, sendo que os primeiros defendiam sempre a suspensão das importações do produto brasileiro e ampliação do parque moageiro no próprio país. Poderiam ocorrer também, como ocorreram, crises políticas e econômicas. Por fim, teríamos as ações diplomáticas, que poderiam ou não favorecer as exportações do produto brasileiro, cumprir ou não acordos firmados.
Todos esses fatores apontados afetavam diretamente o dia a dia do trabalhador, seja na sua remuneração, que já era baixa, seja ainda em relação aos esforços e cobranças, que presumo fossem aumentados em situações de crise ou desconforto na economia ervateira. Estes não eram necessariamente também os donos dos ervais em que trabalhavam, podendo ser pagos por produção, empreitada, ou em alguns casos como mensualeiro, recebendo por mês trabalhado, como era geralmente o caso dos urus (barbacuazeiros).
Para Laércio Cardoso de Jesus
O baixo padrão de vida do trabalhador ervateiro de Mato Grosso decorria das incertezas dos mercados consumidores ervateiros e também da ausência de mercado de trabalho alternativo. Isto levava as populações fronteiriças a aceitar as duras condições nos ervais, restando a estas, refúgios ao embrenhar-se nas matas ervateiras, a fim de obter um mínimo de possibilidades de sobrevivência[25].
Temístocles Linhares fala sobre a presença dos imigrantes europeus nas regiões ervateiras, sobretudo nos estados sulinos, mostrando seu apreço por sua sabedoria e inventividade[26]. Pode ser que os europeus tenham trazido experiências diferentes e técnicas que não eram conhecidas, especialmente nos estados do sul do Brasil, contudo, as invenções e inovações propostas quase sempre esbarravam nos escassos recursos dos pequenos ervateiros, se limitando ao alcance de uns poucos grandes industriais. Mesmo nas invenções de brasileiros, exemplo muito citado de Francisco de Camargo Pinto, um dos "fundadores" da terceira fase do mate paranaense, tais limitações se mostravam latentes. Discordando em parte de Linhares, Samuel Guimarães da Costa diz que "o imigrante se fez ervateiro [...]. Foi mais influenciado que influenciou"[27].
Com relação às limitações de recursos e materiais, parece não ter sido diferente também no estado de Mato Grosso, onde até a década de 1940 predominava a Companhia Mate Laranjeira, sobrando aos pequenos produtores, antes do surgimento das cooperativas nessa mesma década, recorrer à natureza e aos seus conhecimentos adquiridos e transmitidos religiosamente por gerações, pelos regionais, paraguaios ou indígenas, habituados ao trata do mate, daí por ter-se o seu know-how indispensável e insubstituível[28]. É certo que a Companhia investia em infraestrutura e meios de escoamento da produção no estado, mas os melhoramentos nem sempre, ou quase nunca, se convertiam em qualidade de vida para os trabalhadores.
Nesse sentido, também, uma diferença dos engenhos paranaenses em relação aos ranchos ervateiros de Mato Grosso era quanto ao número de trabalhadores, mudando, às vezes, as formas de instalação e materiais utilizados. No Paraná, quase sempre, o número de "camaradas" era reduzido, menos de uma dezena em alguns casos, segundo Linhares, isso em todas as fasesda história ervateira no estado, não diferindo muito do caso catarinense[29]; enquanto que o número de "mineiros" mato-grossenses variava bastante, podendo concentrar alguns poucos ou algumas dezenas de pessoas, considerando que o número de "ranchadas" ervateiras mato-grossenses era grande e sempre rotativo, ocupava-se entre 10 e 20 pessoas, aumentando o número de trabalhadores nos ranchos maiores e de maior permanência [30].
Em relação às questões de trabalho em Santa Catarina, Alcides Goularti Filho nos diz que "até meados dos anos 40, a base produtiva da economia catarinense [no conjunto] era comandada pelo pequeno e pelo médio capital mercantil". Era pequena a parcela das indústrias com mais de 80 trabalhadores, em todos os setores produtivos, uma pequena parcela no conjunto, tanto na produção como na geração de emprego[31]. Dada a entrada constante de imigrantes, a oferta de mão-de-obra nunca foi escassa nesse estado, não chegando ao ponto de estrangular a produção das principais mercadorias exportadas. O mercado de trabalho para todos os setores era formado por colonos imigrantes, pescadores açorianos, caboclos do planalto e mão de obra oriunda de outros estados[32].
As condições de trabalho ervateiro eram precárias, assim como as condições de vida dos trabalhadores catarinenses, diferindo claramente da situação de uma parte dos proprietários e por certo dos industriais.
Mesmo em Mato Grosso, temos ainda, com algumas nomenclaturas diferentes, os empreiteiros e empregadores, além dos produtores e donos de armazéns, especialmente em Dourados e Ponta Porã. Temos depoimentos de moradores da região que contratavam paraguaios ou outros moradores para os trabalhos de extração e "cancheamento", tendo em vista que a erva-mate cancheada era o único tipo de produto para exportação do estado para a Argentina, seu principal mercado consumidor.
Uma questão que se colocou em relação à economia ervateira e é interessante para discussão de mercado e mão de obra é a oposição de interesses entre industriais e produtores, valendo uma rápida menção neste artigo. Para Samuel Guimarães de Costa os produtores sempre perderam essa queda de braço, mesmo, e, sobretudo, quando do tempo de vida do Instituto Nacional do Mate, que priorizava, ao que parece, os industriais, especialmente o "parque moageiro" paranaense, tendo em conta este estado ser o maior produtor e exportador de erva-mate[33]. Para Temístocles Linhares o Instituto teria dado atenção aos produtores, embora ele mesmo reconheça que algumas medidas restritivas impediram o bom desenrolar da economia para as centenas de produtores, que dependiam do mate para sua sobrevivência. Uma ata de uma reunião da Junta Deliberativa do Instituto Nacional do Mate, de 19 de dezembro de 1942[34], deixa transparecer o descontentamento de um representante dos produtores de Mato Grosso, quando o senhor Lício Borralho, salientando a pouca atenção que a autarquia dispensava aos mesmos. Ele se manifestou no sentido de que se promovesse um estudo para o aumento da erva-mate produzida nos estados ervateiros, lembrando o fato de estar o produtor "ao contrário do exportador, no caso de Mato Grosso, desamparado pelo INM".
A oposição entre industriais e produtores como era de se esperar afetava os trabalhadores[35], no sentido de que as medidas privilegiavam os industriais, com taxas de exportação, restrições e cotas de venda aos mercados tradicionais. Para Costa, com esse privilegiamento, o poder ficava na mão dos industriais, que representavam uma parcela ínfima na produção ervateira. Ele, assim como Linhares e a maioria dos autores, não trata das questões de trabalho ou nem mesmo se debruçam no assunto sob a ótica dos "microespaços" e "microanálises", visualizando o mercado como "um todo", não focando a figura dos trabalhadores, personagens chaves dessa "história ervateira", o que ocorreu na tentativa feita por Gilmar Arruda em seu livro "Frutos da terra: os trabalhadores da Matte Laranjeira", de 1997, já mencionado e discutido anteriormente.
Por fim, vale dizer que, apesar dos aspectos econômicos permearem este artigo, não podemos nos esquecer que outras relações ocorriam, especialmente as culturais, com trocas de experiências e vivências, com momentos dedicados ao lazer e ao cultivo das relações interpessoais, não podendo ser resumidos às relações de trabalho. Tanto trabalhadores quanto produtores e industriais, de maneira geral, tinham seus espaços privados de convivência, onde podemos incluir: as bailantas ou jerokis dos ervateiros de Mato Grosso; festas religiosas; usos e experiências trocadas com os indígenas; os clubes sociais (CTGs gaúchos, clubes de campo, etc.); outras festas requintadas de alguns poucos que tinham amplos recursos financeiros; sobrando espaço ainda aos eventos esportivos[36], como as cavalgadas e hipismo, os jogos de futebol, vôlei, além de outros[37]. O certo é que havia tantas outras formas de conviver socialmente, que não podem ser resumidas, claro, apenas às festividades, incluindo ainda as relações conjugais e as brincadeiras de criança[38].
Portanto, se aprofundarmos o assunto, perceberemos, consideradas suas proporções, que a vida nos ervais não era feita só de sofrimento e pesar.
Referências bibliográficas
ARRUDA, Gilmar. Frutos da terra: os trabalhadores da Matte Laranjeira. Londrina: Editora UEL, 1997.
CORRÊA FILHO, Virgílio. A sombra dos hervaes mattogrossenses. São Paulo: São Paulo Editora, 1925.
COSTA, Samuel Guimarães da. A erva-mate. Curitiba: Coleção Farol do Saber, 1995.
GOULARTI FILHO, Alcides. A formação econômica de Santa Catarina. in Ensaios FEE, v. 23, n. 2, Porto Alegre: 2002.
JESUS, Laércio Cardoso de. Erva-mate: o outro lado - a presença dos produtores independentes no antigo Sul de Mato Grosso. 2004. Dissertação (Mestrado em História) - PPGH/FCH/UFMS, Campos de Dourados, MS.
LINHARES, Temístocles. História Econômica do mate. São Paulo: José Olympio Editora, 1969.
OLIVEIRA, Benícia Couto de. A política de colonização do Estado Novo em Mato Grosso (1937-1945). 1999. 255 f. Dissertação (Mestrado em História) - FCL/UNESP, Assis, SP.
PRADO JR., Caio. A questão agrária no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1979.
VALVERDE, Orlando. Geografia Agrária do Brasil. 1° Vol. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Estudos Pedagógicos, 1964.

[1] Mestre em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) com a dissertação "Erva-mate e frentes pioneiras: dois mundos em um só espaço (1943 a 1970)". E-mail: jose_jaf@hotmail.com.
[2] Forma de preparo da erva-mate, considerada pelos industriais e alguns autores como "semipreparada". O processo final da produção simplificada de erva-mate, quando ocorre a malhação, coagem e ensacamento, diferenciando do beneficiamento por este acrescentar alguns cuidados adicionais, como embalagens padronizadas, por exemplo.
[3]LINHARES, 1969, p. 239.
[4]LINHARES, 1969, p. 239.
[5] Designação dada aos trabalhadores dos ervais mato-grossenses, fazendo alusão à erva-mate como um "tesouro", aqueles que faziam a colheita, o sapeco e o transporte aos pontos de carregamento.
[6]cf.ARRUDA, 1997.
[7] Sobre a presença dos indígenas nos trabalhos ervateiros cabe uma consideração a respeito da dificuldade corrente de muitos autores em diferenciar a população indígena, sobretudo da etnia guarani, mas também Kadiwéu, em meio aos demais trabalhadores, sendo por vezes confundidos com os paraguaios. Sobre isso ver trabalho de Eva Maria Luiz Ferreira e Antonio Brand, "Os Guarani e a erva-mate", Fronteiras - Revista de História, vol. 11, n. 19, UFGD, 2009. Outro texto mais completo, da mesma autora, é sua dissertação de Mestrado, também pela UFGD, "A participação dos índios Kaiowá e Guarani como trabalhadores nos ervais da Companhia Matte Laranjeira", 2007.
[8] Guaíra, era ponto estratégico no Paraná, hoje é cidade, já Campanário, central da Companhia Mate Laranjeira em Mato Grosso, ao contrário do que alguns visitantes imaginaram, não se tornou uma cidade de fato, continuando como propriedade particular até os dias atuais.
[9]ARRUDA, 1997, p.97.
[10]Id., Ibid..
[11]ARRUDA, 1997, p.102.
[12] Muitos autores fizeram descrições sobre os processos de trabalho, mas uma boa parte deles não se preocupou em dar voz aos próprios trabalhadores. Mais recentemente, parte deste trabalho tem sido feito através de entrevistas de História Oral, como, por exemplo, "A história dos ervais sob a ótica dos trabalhadores rurais", produzido pelo Arquivo Público do Estado de Mato Grosso do Sul em 2000; o próprio Gilmar Arruda, em seu "Frutos da terra", de 1997, nos diz ter ouvido alguns ervateiros, saindo também do âmbito das elites, dos mandantes da Companhia. O caso, no entanto, é que a quase totalidade desses trabalhos se voltaram mais especificamente para os trabalhadores da Mate Laranjeira. Em meu projeto de pesquisa, anteriormente apresentado, trabalharei com entrevistas, procurando dialogar também com outros trabalhadores ervateiros, especialmente os moradores da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND).
[13]ARRUDA, 1997, p.62.
[14]cf.CORRÊA FILHO, 1925; LINHARES, 1969; entre outros.
[15]ARRUDA, 1997, p. 20.
[16]OLIVEIRA, B. C. A política de colonização do Estado Novo em Mato Grosso (1937-1945). 1999. Dissertação (Mestrado em História) - FCL/UNESP, Assis.
[17]Caa é o nome guarani da ilex paraguaiensis, a erva-mate.
[18]LINHARES, 1969, p. 172.
[19] ARRUDA, 1997, p. 64.
[20]ARRUDA, 1997, p. 91, citando Athamaril Saldanha, 1986.
[21]Era a forma como se chamava o trabalhador responsável pela secagem e sapeco da erva no barbacuá, trabalho feito a noite e sob calor intenso. Seu apelido é ligado a ave uru, encontrada no atual Mato Grosso do Sul e outros estados do Sul do Brasil.
[22] Local de secagem da erva-mate antes de ser ensacada e levada para o beneficiamento.
[23] Fardo de erva-mate carregado pelos colhedores (mineiros) após o corte.
[24]Coruquerê (Alabama argilacea) é uma larva metamorfoseante, praga frequente e resistente ao uso de inseticidas. Tinha o poder de transformar, em poucas horas, o aspecto frondoso e copado de qualquer erveira ou erval (LINHARES, 1969, p. 283).
[25]JESUS, 2004, p. 49.
[26]Existem casos citados em documentos de imigrantes em Mato Grosso, sobretudo após a década de 1940, mas esse número é pequeníssimo, se incluindo em contexto diferente dos estados de Santa Catarina e Paraná.
[27]COSTA, 1995, p. 87.
[28]JESUS, 2004, p. 45.
[29]Ainda segundo Temístocles Linhares, o estado de Santa Catarina, embora correntemente se encontrasse em conflitos políticos e fundiários com o Paraná, quase sempre se confundia com esse na produção ervateira, por comportar interesses comuns e formas de produção muito semelhante.
[30]Sem contar mulheres e crianças.
[31]GOULARTI FILHO, 2002, p. 983.
[32]Idem, p. 984.
[33]COSTA, 1995.
[34]As atas do Instituto foram digitalizadas pelo professor Paulo R. Cimó Queiroz e se encontram disponíveis no Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD.
[35]Muitos deles eram os próprios produtores, pelo menos em Santa Catarina e no Paraná, existindo os produtores independentes no Mato Grosso também, conforme estudo de Laércio Cardoso de Jesus.
[36]Alguns esportes citados em documentos e bibliografia para Campanário e Guaíra, além também das cidades que foram se formando no Paraná e Santa Catarina motivadas especialmente pela produção de erva-mate.
[37]Depoimento do senhor Joaquim Mangini Fernandes, ex-morador e dentista em Campanário. Consta em "A história dos ervais sob a ótica dos trabalhadores rurais",produzido pelo Arquivo Público do Estado de Mato Grosso do Sul, 2000.
[38]Isso quando estas tivessem tempo para as mesmas, sendo que em Mato Grosso, segundo depoimento de um senhor, Idelfonso Centurião, trabalhavam desde cedo. Ele mesmo, nascido em 1904, diz ter começado a trabalhar com 9 anos de idade. Consta em "A história dos ervais sob a ótica dos trabalhadores rurais", op. cit..



Manoel Messias Pereira

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