Armando Souza Teixeira
ÁFRICA DESCONHECIDA
PARA A HISTÓRIA DO COLONIALISMO PORTUGUÊS
Por Armando Sousa Teixeira
Barreiro
Os sonhos doirados acalentados pelos primeiros descobridores portugueses na costa Sudeste de África, levaram pouco tempo a desvanecer-se. Em 1513, Pedro Vaz de Soares, agente real de Sofala, escreve uma longa queixa para Lisboa acusando os “cafres e mouros” de só entregarem oiro sob a forma de pequenas contas e jóias.
5. A LENDA DO MONOMOTAPA
Os povos antigos que habitavam a África Oriental muito antes da chegada dos portugueses no princípio do século XVI, tinham uma lenda muito curiosa segundo a qual os relâmpagos eram aves gigantes descendo rapidamente à terra em dias de tempestade. Animistas, adoradores da Natureza, esculpiram de forma magnífica em grandes dimensões os imaginários pássaros, deixando para a posteridade testemunho grandioso do seu engenho e habilidade.
Esta actividade artística, subentendia uma organização social e política evoluída, muito para além da avaliação dos exploradores europeus que no século XIX descobriram tais heranças arqueológicas, numa zona de ruínas ancestrais, no interior da Rodésia, não muito longe das fronteiras ocidentais de Moçambique.
Estes povos sedentários praticando a agricultura, possuindo uma tecnologia da idade do ferro, estes “azanienses” ─ segundo a denominação grega, habitantes da terra dos Azani – deixaram atrás de si muitos e significativos testemunhos: ruínas de estabelecimentos, cidadelas de pedra, socalcos à volta dos montes para a agricultura, canais de irrigação, estradas, minas, forjas, sepulturas e pinturas rupestres. Quem eram estes “azani” que deixaram todos estes símbolos históricos?
Provavelmente uma civilização florescente nas áreas que hoje são o Quénia, a Tanzânia, a Zâmbia, o Zimbabwé e parte de Moçambique, aprendida com os povos do Nilo médio e com os Axumitas da Etiópia, quando estes, pressionados pelo Islame nos séculos VII e VIII, fugiram com os seus descendentes mais para Sul através do Quénia (onde o Islão nunca penetrou) e vieram para os planaltos centrais onde se desenvolveram até aos séculos XIV e XV, pouco antes da chegada dos portugueses.
Vasco da Gama na sua passagem pela costa oriental africana em 1499, a caminho da Índia, surpreendeu-se com o nível de desenvolvimento das cidades costeiras de Sofala, Melinde, Quiloa e Mombaça, enriquecidas pelo tráfego comercial com os países árabes e a Índia, com quem comerciavam há mais de um milénio.
Organizadas em cidades-estado, possuindo uma estrutura de tipo feudal-esclavagista-capitalista de estado, que não se distinguia basicamente das cidades costeiras da Europa medieval, faziam de entreposto com os reinos do interior, trocando directamente tecidos, contas, especiarias, essências e faiança chinesa, por ouro, cobre, ferro, marfim e escravos, estes em escala reduzida.
Por sua vez os povos dos planaltos viviam em reinos, numa organização de tipo tribal-feudal, com uma economia assente na agricultura, na pastorícia e na extracção mineira. O mais lendário desses reinos era o de Monomotapa, situado no planalto abrangendo o Zimbabwé (antiga Rodésia) e parte do território de Moçambique. Evoluíra para a idade do ferro e para uma organização sócio-política de classes pela interpenetração com os povos conquistadores referidos, vindos do Norte, que já possuíam técnicas de trabalhar o ferro.
Quando os portugueses se instalaram nas costas do Índico, primeiro em Sofala em 1505 e depois na ilha de Moçambique em 1507, encontraram um comércio progressivo, feito através de numerosos intermediários “mouros”, que já utilizavam inclusivé a moeda, mantendo há séculos uma intricada rede com as cidades do Golfo Pérsico, da Índia e até do Extremo Oriente. Foram muito interessantes estes primeiros tempos com os europeus entrando no comércio costeiro de trocas, com o beneplácito dos comerciantes locais de ascendência árabe vendo naqueles, novas oportunidades de negócio. Até ao dia em que resolveram intrometer-se nos circuitos pré-existentes para ganharem, mais!...
Os sonhos doirados acalentados pelos primeiros descobridores portugueses na costa Sudeste de África, levaram pouco tempo a desvanecer-se. Em 1513, Pedro Vaz de Soares, agente real de Sofala, escreve uma longa queixa para Lisboa acusando os “cafres e mouros” de só entregarem oiro sob a forma de pequenas contas e jóias.
Por orientação da Coroa, retrógrada e oportunista, os nacionais resolveram substituir-se aos circuitos tradicionais, tomando conta pela força do transporte marítimo costeiro e transoceânico como nos conta Basil Davidson no seu livro, “Revelando a velha África”: “O seu primeiro cuidado tinha sido saquear e subjugar as cidades costeiras mais rica graças aos seus canhões tal tarefa tinha sido relativamente fácil. Depois disso tentaram encarregar-se eles mesmos do tráfico entre África e a Índia, mas neste intento viriam a ser derrotados, apesar da sua enorme coragem e da sua recusa em admitir a derrota, pela sua ignorância e pela sua ganância. Como todos os imperialistas, queriam muito e depressa!...”.
Como um erro nunca vem só, os homens da “cruz de Cristo” tentaram apoderar-se do tráfego comercial com o interior. Não se contentaram em comprar os artigos aos mercadores como sempre tinham feito as cidades-estado costeiras, quiseram fazê-lo directamente para recolherem lucros de ambas as partes!
Com esse fito meteram-se para o interior, e 50 anos depois da viagem de Vasco da Gama, havia colonos e mercadores instalados no Baixo Zambeze, em Sena e em Tete. Em 1561, quando frei Gonçalo da Silveira chegou a uma das cortes do reino de Monomotapa, situada nas colinas a Sudoeste de Tete, nas margens do Zambeze, já lá encontrou um patrício a viver permanentemente. Em paz por pouco tempo!
Por volta de 1571, uma expedição militar partiu de Sofala dirigindo-se para o interior. Abrindo caminho à força de espada, chegou à região escarpada de Penhalonga e à zona das minas de que havia notícias fantasiosas. Verificando que o ouro era raro e difícil de obter ( não eram as célebres minas do rei Salomão!... ) voltaram para a costa desiludidos e dizimados pelas febres.
Em 1607, a ânsia fatal de monopolizar o comércio dos metais preciosos, leva a impor ao imperador do reino do Monomotapa, roído pelas guerras internas, a concessão de todas as minas de ouro, cobre, ferro, chumbo e estanho no seu território, na condição de: “O rei de Portugal lhe garantir a sua posição e o apoiar no combate a um rival rebelde”.
Ser protegido desta maneira é meio caminho para a subjugação e em 1629, após uma grande batalha em que 250 portugueses e 30 mil “cafres” vassalos, destruíram o exército do Monomotapa matando a maioria dos nobres do império, o imperador foi obrigado a assinar um tratado aceitando a suserania dos portugueses e cavando o seu próprio fim!
Armando Sousa Teixeira
Bibliografia :
• DAVIDSON, BASIL, Revelando a velha África, Prelo, Lisboa, 1968
• Guerra em África, Moçambique – Batalhas da História de Portugal
– Academia Portuguesa de História – Rui Teixeira, Lisboa, 2005
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