quarta-feira, 8 de junho de 2011

Tessituras Revolucionárias - Memória da Política Operária








“Tessituras Revolucionárias”: Memórias da Política Operária

por Aurélio de Moura Britto






CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A pretensão deste breve artigo é, ainda que de forma bastante sumária, apresentar a documentação atinente à organização Política Operária (1961-1985). Tal material encontra-se atualmente salvaguardado no Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (NuDoc/UFPE). Entretanto, torna-se necessário realizar algumas digressões preliminares antes de efetivamente delinear os recortes cronológicos e a fase da organização abarcada pelos documentos em questão. Nesse sentido, o presente trabalho está estruturado em três tópicos centrais.

Iniciamos com uma breve discussão concernente à emergência dos centros de documentação e memória ligados às instituições federais de ensino superior. A discussão justifica-se na medida em que lança luz sobre os contornos estruturais, condições de trabalho e perspectivas político-acadêmicas que caracterizam a atuação destes centros, particularmente do Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais da Universidade Federal de Pernambuco, que existe desde 2005. Em seguida tracejamos os contornos mais salientes da história da organização Política Operária, em suas duas fases: primeiro, ORM-PO, Organização Revolucionária Marxista – Política Operária, posteriormente, convertida em Partido Operário Comunista (POC). Parte da organização cindiu com o partido e, em 1970, fundam a Organização de Combate Marxista Leninista - Política Operária (OCML-PO). Tal argumentação se faz necessária na medida em que a documentação custodiada no NuDoc é relativa a sua segunda fase. Por fim, abordamos questões referentes ao estado, métodos, formatos e basilares cronológicos da documentação em questão. Aludindo aos outros centros de documentação que também têm posse de documentação referente à organização.

DOS CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA

A memória, em sua dimensão de representação mnemônica, está na ordem do dia em várias frentes. Na academia, sobretudo, por intermédio das Humanidades, particularmente dos historiadores - sobressalta aos olhos o grande esforço despendido para diferenciá-la da História; movimentos sociais, associações comunitárias e sindicatos, bem como variável número de segmentos sociais de alguma forma marginalizados, intentam a construção de sua identidade a partir deste constructo político, bosquejando imbricá-la com o fabrico de sua auto-imagem a fim de operacionalizar e politizar suas plataformas reivindicatórias.

Nenhum ineditismo há nesta ilação, contudo, a partir dela podemos tracejar aspectos que julgamos relevantes acerca da construção, preservação e disponibilização das memórias, levadas a cabo, especificamente, pelos Centros de Documentação e Memória, ligados às instituições federais de ensino superior, sobremaneira, a experiência do NuDoc, onde estão salvaguardados alguns documentos concernentes à organização Política Operária (1961-85), que o presente trabalho intenta sumariamente apresentar.

Seria tortuoso situar a emergência destes Centros de Documentação e Memória totalmente fora deste circuito de politização da memória. Ligadas a movimentos de nuanças acadêmicas, tais entidades são oriundas também, pelo próprio recorte temático e/ou cronológico que no geral as caracteriza, de uma atitude deliberada do que deve ser preservado. Afinal, como é sabido, a memória é necessariamente seletiva e opera por intermédio de recortes naquilo que deve, ou não, ser lembrado, assim como convém salientar o “caráter seletivo de qualquer preservação”[3]. Grosso modo, tais centros se notabilizam pela proposta premente da reunião, organização e preservação de fundos arquivísticos, trabalhando sob a égide da interdisciplinaridade, com informações especializadas, mormente temas ou períodos históricos. Alimentados, concomitantemente, pela própria renovação teórico-metodológica no campo conceitual da História, estes centros passaram a fulgurar com o próprio aval e relativo incentivo do Estado. A partir da década de 1970, estavam eles incluídos na política do Ministério da Educação e Cultura, incumbidos da preservação e organização dos documentos brasileiros. Assim, “o programa Nacional de Cultura publicado em 1975, durante a gestão Ney Braga, recomendava a criação desses centros e definia como função da universidade a preservação e organização dos acervos e documentos brasileiros”[4]. Estes centros desempenham conhecida relevância no âmbito acadêmico aproximando as fontes e os pesquisadores, bem como, frequentemente almejam uma ampliação do público alvo para além dos ainda confinantes muros da universidade, normalmente, sob o broquel da política de extensão universitária.

Como antes aludido, estes centros são frutos de uma ação política deliberada de preservação. Para se afirmarem tiveram que transcender a função de órgãos geradores de base informativa, e enveredar pela preservação e gestão da memória com fontes originais. Contudo, a falta de recursos humanos qualificados para o trato documental e a inequívoca falta de apoio financeiro suficiente tem notabilizado a trajetória destes centros de documentação, contida nesta situação vexatória também a experiência pernambucana do NuDoc. Sobre a emergência destes centros e suas condições técnicas e estruturais de existência cabe assim atentar que:

No Brasil verifica-se que desde a década de 1970, várias universidades passaram a agir gradativamente com esse fim (...) seja por ausência de instituições dedicadas a preservação do patrimônio documental brasileiro, nas esferas estaduais e, sobretudo, municipais, seja por descaso dos poderes públicos, das instituições privadas ou particulares. Não menos importante foi – e é - a falta de recursos humanos especializados e de recursos financeiros suficientes, destinados a sua organização e preservação.[5]

Sendo criado no ano de 2005 com a pretensão de funcionar como aporte para os movimentos sociais na universidade, o NuDoc está vinculado à Pró-Reitoria de Extensão. Além de desempenhar as atribuições acadêmicas de fomento a pesquisa sobre as atuações da classe trabalhadora ao longo da construção da sociedade brasileira, de um modo particular, as circunscritas ao período de vigência da ditadura civil-militar no Brasil, é seu desígnio atuar, efetivamente, juntos aos movimentos sociais. Deste modo, tem agido no sentido de estimular entre os trabalhadores, sindicatos e movimentos de uma forma geral a criação de uma cultura de preservação da memória dando, na medida do possível, suporte técnico e teórico para a criação de arquivos adequados nos sindicatos.

Cabe, entretanto, acrescentar que suas ações têm sido limitadas pelas fragilidades estruturais referentes às situações ideais de trabalho e acondicionamento das fontes. Falta de material adequado para acondicionamento, umidade recorrente de suas instalações, problemas relacionados à insalubridade e insetos, além da falta de recursos suficientes podem ser apontados como os problemas mais recorrentes. Não obstante, dentro das estreitezas e contratempos impostos pela precariedade estrutural, frutos da carência de uma política sistemática e satisfatória respeitante aos centros de documentação, felizmente, o compromisso político de seus colaboradores mais tenazes tem projetado, gradualmente, o NuDoc como uma referência da construção e preservação da memória dos trabalhadores, junto às lideranças sindicais, dos movimentos sociais, e de modo particular, da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Pernambuco. Configurando-se num mote para esfacelar a cisão posta, historicamente, entre universidade e movimentos sociais.

SOBRE A POLÍTICA OPERÁRIA (1961-1985)

Em 1958, o Partido Comunista do Brasil (PCB) cambiava, significativamente, a sua orientação política. Até então, o partido endossava a posição favorável ao enfrentamento armado, notabilizadas pelas teses de caráter radical dos anos de 1954 e 1956. No entanto, com a Declaração de Março de 1958, o PCB consagrava uma posição inequivocamente reformista de uma frente de conciliação e colaboração com a burguesia nacional. Segundo esta orientação cabia, primeiramente, uma aliança com o setor progressista da burguesia a fim de remover resquícios pré-capitalistas da economia brasileira e, só então, passada esta etapa, caberia uma revolução propriamente proletária. A revolução brasileira seria, então, primeiro “anti-imperialista e anti-feudal, nacional e democrática”[6]. Desde meados dos anos de 1950, círculos intelectuais mais radicais condensaram seus questionamentos a tais formulações teóricas, bem como à própria atuação efetiva dos partidos de esquerda que polarizavam a conjuntura política de então, diga-se o PCB e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

No bojo deste grupo de oposição ao PCB, começou a ganhar projeção um círculo de militantes que intentavam viabilizar uma alternativa política, fundada nos liames de uma leitura marxista, para a emancipação proletária fora da tutela da burguesia, propondo, ao contrário, um enraizamento no seio da classe operária para implementar sua conscientização. Já em 1959, começa a circular uma publicação intitulada O Movimento Socialista, vinculada ao comunista austríaco Eric Sachs[7].

Portanto, articularam-se em torno da publicação distintos grupos insatisfeitos com a atuação da esquerda. A saber, um “grupo do Rio de Janeiro, oriundo da Juventude do Partido Socialista Brasileiro, o grupo de São Paulo, de inspiração luxemburguista e a Mocidade Trabalhista de Minas Gerais”[8]. Estava, então, articulada a base da Organização Revolucionária Marxista- Política Operária/ORM-PO, que em 1961 encetava seu congresso de fundação na cidade de Jundiaí. Com uma plataforma política extremamente combativa, aberta e confessadamente marxista, a organização editava uma publicação intitulada Política Operária. Reiteradas vezes a organização defendeu:

a inviabilidade de reformas fora de um contexto revolucionário; a questão do socialismo, colocado na ordem do dia pelos movimentos sociais e pela radicalização na conjuntura; a necessidade de libertar os trabalhadores da influência dos partidos reformistas (PTB E PCB); a organização de um novo partido comunista, que assumisse realmente a direção política da classe operária[9].

No que tange às bases de atuação política, a Polop, como era conhecida, desempenhou, efetivamente, tímido papel na organização e condução das lutas operárias, tendo maior ascensão entre as organizações da esquerda e grupos radicais. Em nível de combate teórico, no entanto, desempenhou papel catalisador e proeminente, uma vez que, no geral, suas formulações reverberaram no âmago das esquerdas revolucionárias, pois “forçavam partidos como o PCB e o PCdoB a defender seus programas, influenciavam diretamente organizações que surgiam no período que eram particularmente permeáveis a idéia da viabilidade de uma revolução socialista, como pregava a Polop”[10].

Com a instalação da ditadura civil-militar, em 1964, as organizações de esquerda padeceram com a imposição da clandestinidade. Com o desmembramento sofrido pelos partidos de maior ascensão juntos aos trabalhadores, os militantes da organização vislumbraram um maior espaço de atuação junto às bases, conclamando pela montagem de uma Frente Revolucionária. Diante da conjuntura política brasileira, os membros da Polop “não podiam se contentar com a função de consciência crítica, justamente no momento em que se reclamava ação nos meios de ascendência de suas idéias”[11].

Carente de uma base nos movimentos de massas, alguns de seus militantes viram no foquismo, irradiado sobremaneira do exemplo vitorioso da Revolução Cubana, como a senda necessária para enveredar, efetivamente, para ações concretas e suplantar as acusações ao teoricismo que eram elaboradas por outros setores da esquerda. Em 1964, em ação conjunta com graduados das forças armadas, polopistas articulavam uma tentativa de resistência ao regime instaurado. Conquanto suas diversas ressalvas as “tendências aventureiras” da pequena burguesia, de fato, a entidade empenhava-se, quase estritamente, ao embate teórico. Intentava-se, assim, abrir uma frente de guerrilha contra a ditadura triunfante. Entretanto, suas articulações foram descobertas e reprimidas no berço da conspiração. O episódio passou a ser conhecido como Guerrilha de Copacabana, seu saldo foi o engrossamento das fileiras de exilados da entidade[12]. Reflexões acerca do foquismo foram elaboradas num documento intitulado Aonde Vamos? Entre outras coisas, refletia o esforço de um dos seus maiores intelectuais, Eric Sachs, mais conhecido como Ernesto Martins, em pontuar algumas ressalvas àqueles militantes que viam a guerrilha foquista como a panacéia tática dos operários. Conciliava a teoria do foco e a emergência de um partido, pois:

Embora nas atuais condições de reagrupamento político da esquerda revolucionária do país, a guerrilha possa preceder ao partido, a formação deste se torna indispensável no decorrer da luta, como uma condição para a vitória do movimento revolucionário. De outro lado, não temos dúvida que esse partido surgirá e endurecerá com as perspectivas de luta, que uma guerrilha politicamente consciente oferecerá aos quadros revolucionários dispersos no País.[13]

A propósito, a Polop bradava reiteradas vezes pela formação de um partido comunista, efetivamente proletário e que conduzisse a luta operária. Finalmente em 1967 estava montado o POC (Partido Operário Comunista), cuja plataforma política era síntese das formulações anteriores da organização, resumidas em documento intitulado Programa Socialista para o Brasil. A despeito de sua sigla, o partido tinha pouca influência junto aos operários sendo seus quadros, na maioria, estudantes e intelectuais[14].

No entanto, pouco antes da fundação do partido houve um racha intenso nas fileiras da organização. Duas das suas secções mais engajadas e articuladas, a de Minas Gerais e São Paulo, cindiram com a organização. Alegavam, sobretudo, o teoricismo, obreirismo e burocratismo, como marcas indeléveis da entidade. Tais militantes se agruparam em torno de organizações que praticavam a luta armada, respectivamente, a COLINA (Comando de Libertação Nacional) entidade oriunda da própria dissidência da Polop e o VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). O Partido, que aglutinava também uma dissidência do PCB do Rio Grande do Sul, teve diminuta participação na ocasião da emergência do movimento estudantil em 1968. A Polop, “agora convertida em POC, que sempre se situara a esquerda no âmbito da luta teórica e da luta política, fustigando os grandes partidos reformistas, surpreendia-se agora criticada pela esquerda”[15]. Aturdida pela situação de radicalização que sucedeu ao AI-5, do final do ano de 1968, onde vários grupos decididamente enveredaram pela luta armada, parte da militância do POC aderiu a essa tática, alicerçados no precedente aberto pelo Programa Socialista para o Brasil, que autorizava a insurgência, a partir de um foco catalisador. Foi a origem da experiência efêmera do POC-combate, dedicada a romper com a vaga teoricista da velha Polop, desarticulada rapidamente pela polícia política em 1971.

Entretanto, o encanto pela luta armada não acometeu toda militância da organização. Assim sendo, militantes resistentes ao que denominavam de “esquerdismo militarista e sua tendência aventureira pequeno-burguesa”, fundaram, sob liderança de Ernesto Martins, a Organização de Combate Marxista Leninista – Política Operária (OCML-PO). Propondo a retomada das bandeiras e plataformas da antiga Polop, relançaram sua publicação de maior notoriedade, Política Operária, arregimentando “núcleos na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco”.[16]

Ao contrário da antiga Polop que denunciara o reformismo dos partidos da esquerda e sua tendência colaboracionista com a burguesia, a Organização Marxista Leninista- Política Operária (OCML-PO), nova Polop, direcionou suas críticas às táticas que eram efetivadas pelos “desvios militaristas que haviam contaminado a esquerda”. Colocavam nos seguintes termos a permanência do nome e a retomada das bandeiras de outrora, bem como, a inviabilidade do POC:

Entretanto, o Comitê Nacional do POC foi incapaz de definir as diretrizes que deveriam conduzir a recém-fundada organização no caminho da mobilização independente da classe operária (...). A maioria do CN e quase a metade do Partido romperam, por isso, com o POC e fundaram, em abril de 1970, a Organização de Combate Marxista-Leninista Política Operária. Decidimos retomar a sigla Política Operária, porque nos consideramos continuadores das tradições teóricas, do Programa e das concepções proletárias de luta da antiga Política Operária.[17]

A organização seguiu, então, na defesa de uma revolução socialista. Porém não tardaria para ela conhecer nova celeuma atinente, desta vez, à participação no processo morigerado de redemocratização de forma “lenta, gradual e segura” como propunha a presidência Geisel. A PO colaborava em uma frente conjunta com a AP-ML (Ação Popular- Marxista Leninista) e o Movimento Oito de Outubro (MR8), numa articulação denominada Tendência Proletária[18]. Ambas as entidades endossavam a posição de aproveitar as brechas dentro do regime e, diante da conjuntura da vitória do MDB, lançar candidatos próprios para os pleitos eleitorais. A Polop não entendia desta forma, e denunciava que tais proposituras legitimavam e corroboravam as regras da hegemonia burguesa. Extinta a Tendência Proletária, prosseguia a Polop.

A organização ganharia novo impulso com a emergência das greves em regiões industriais de São Paulo. Um ano antes, em 1977, na sua publicação Política Operária, assim ponderaram seus editores a situação da organização:

Temos nos omitido de um posicionamento atual frente à ditadura quando deixamos de lutar para o fortalecimento das lutas atuais e para que as formas iniciais de organização independente ampliem a resistência a ditadura e para que se fortaleça a política da classe operaria em resistência a ditadura[19]

Entretanto, com as movimentações grevistas em São Paulo, a estratégia da organização seria se engajar no processo de luta, que em sua análise ainda não era revolucionário nem socialista, mas representava um campo de atuação ímpar à época. Uma das preocupações da entidade foi evitar que o sindicalismo atrelado, ou amarelo, coordenasse as ações do movimento operário grevista. Na edição de Agosto de 1979 da publicação Política Operária, definia-se como sendo da alçada da Polop, direcionar o Partido dos Trabalhadores para uma tendência operária e socialista, embora não sendo sua intenção atrelar-se ao novo partido. Na sua publicação, lia-se:

Hoje, a posição dos operários socialistas e revolucionários deve ser exatamente esta. Lutar para fazer do PT um instrumento atual de luta da classe contra os patrões; pela radicalização de suas metas e, em nível superior, já englobando posições claras quanto a própria luta pelo poder político.[20]

Defendendo a liberdade sindical e criticando de modo veemente a atuação dos sindicatos amarelos, a organização acompanhou e participou da formação do Partido dos Trabalhadores. Muito embora sempre apontasse a existência de uma “ala direitista” de caráter eminentemente eleitoreiro. “Desde os inícios dos anos 1980, porém, já se evidenciavam as contradições internas do PT, e a PO não pouparia criticas a respeito da omissão e da insuficiência das lideranças nacionais, consideradas muito pragmáticas”[21].

A organização gradualmente foi desvanecendo, com a pregação da qual efetivamente nunca se desvencilhou, no bojo das forças sociais que compunham o Partido dos Trabalhadores. Em 1984, lia-se:

A O. em sua maioria se afastou demais dos centros do movimento operário, se despolitizou demais, perdeu um grande número de quadros experientes, e a rigor não conta com quadros suficientes familiarizados com a teoria marxista (excluindo suas versões vulgares) para garantir um certo nível a nossa atividade.[22]

O tom sepulcral acima tinha características vaticinadoras. Afinal, em 1985, estava definitivamente desarticulada a Organização de Combate Marxista Leninista - Política Operária (OCML-PO).

O tom sepulcral acima tinha características vaticinadoras. Afinal, em 1985, estava definitivamente desarticulada a Organização de Combate Marxista Leninista - Política Operária (OCML-PO).



ACERCA DA DOCUMENTAÇÃO

O Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (NuDoc/UFPE) adquiriu, na forma de doação realizadas por ex-militantes, um conjunto de documentos atinentes à organização Política Operária (1961-1985). Os documentos são textuais com suporte de papel e tem recorte cronológico, a partir da década de 1970, concernentes, deste modo, à nova Polop - Organização de Combate Marxista Leninista - Política Operária (OCML-PO).

A Política Operária tem documentos sob a posse de outras entidades. No presente momento é de nosso conhecimento a documentação existente no Centro de Documentação e Memória (CEDEM), da UNESP, no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro e no Arquivo da Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ) do IFCS-UFRJ, e ainda no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da UNICAMP.

“Dois novos arquivos estão constituídos e em fase inicial de organização, a saber, o acervo sob a guarda do Laboratório de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais (LABELU) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e o acervo destinado à guarda do Arquivo Nacional (AN)”[23].

De toda esta documentação a mais completa é a circunscrita ao CEDEM. Pela própria origem, oriunda do Setor de Organização Nacional (SON) da Polop, tem amplo número de exemplares versando acerca de suas origens até 1978. Quando comparada com a documentação custodiada pelos centros acima citados, a documentação localizada no NuDoc tem um número relativamente pequeno, em torno de 160 documentos[24]. Contudo, as teses e análises de conjuntura caracterizam-se, no geral, pelo elevado número de páginas. Como dito anteriormente, com o surgimento da OCML-PO retomou-se a publicação, então intitulada Política Operária: Jornal de Combate da Classe Operária. Temos exemplares da publicação, embora não totalmente sequenciados, iniciando no ano de 1977 e se alargando até 1980, com cada exemplar contendo em média vinte páginas.

Somam-se a isto circulares internas, que debatiam a conjuntura política, táticas, avanços e limites da organização, além de embates travados entre os militantes. Temos ainda estudos mais densos teoricamente, em formato de teses, sobre o itinerário a ser percorrido pela entidade no fomento, junto à classe operária, dos enfrentamentos, teóricos e práticos, que conduziriam a feitura da revolução socialista no Brasil. Versão ainda sobre a conjuntura nacional e internacional da luta proletária. Além de algumas cartas.

Os documentos chegaram ao NuDoc emaranhados com materiais do diretório estadual do Partido dos Trabalhadores. Feita a identificação daqueles atinentes a Polop, com a colaboração de bolsistas[25], iniciamos o trabalho de estudos sobre a sua trajetória histórica. Cabe salientar que o trato documental ainda está em processo de organização e, felizmente, encontra-se em vias de ser disponibilizado aos pesquisadores. Num primeiro momento apenas a consulta presencial, conquanto aguardamos atualmente liberação de verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia para a aquisição de suporte e plataformas tecnológicas que propiciem a digitalização do acervo. Quanto ao trato documental, deliberou-se que tínhamos um novo fundo, uma vez que os referidos documentos:

(...) foram produzidos e/ou acumulados por determinada entidade publica ou privada, pessoa ou família no exercício de suas funções e atividades, guardando entre si relações orgânicas e que são preservados como prova ou testemunho legal e/ou cultural, não devendo ser mesclados a documentos de outro conjunto gerado por outra instituição, mesmo que este, por quais quer razões lhe sejam afim[26]


Deliberada a existência de um novo fundo fechado o esforço direcionou-se no sentido da construção das séries documentais. Pois, “os fundos podem ser subdivididos em séries e subséries, que refletem a natureza da composição, seja ela estrutural, funcional, ou até mesmo por espécie documental”[27].

Assim, identificadas as espécies documentais, entendidas como a “configuração que o documento assume de acordo com a disposição e natureza das informações”, e os tipos documentais, “configuração assumida pelo documento conforme a atividade que o gerou”, definiu-se as séries documentais, sequências de documentos com características semelhantes geradas por uma mesma atividade ou função”, que compõem a documentação em questão. O jornal Política Operária, Boletins e Circulares Internas, Teses e Cartas são as espécies documentais mais presentes no fundo. Em se tratado de um fundo fechado e também devido ao volume da documentação, as séries foram a primeira e única subdivisão do fundo documental, não havendo ecessidade, assim, da criação de subséries. Sendo o Jornal Política Operária e as Teses os tipos mais volumosos das séries que compõem o fundo. Na ordenação das séries optou-se pelo recorte cronológico, precisamente a data de produção do documento.

Apesar do relativo pequeno volume, a documentação salvaguardada no Nudoc se reveste de importância ao passo que aborda os anos finais da organização sua posterior dissolução. Nesse sentido, “uma primeira avaliação deixa patente a complementaridade dos acervos”[28].

No que concerne à conservação dos documentos e à política preservativa do Nudoc, cabe tecer algumas ponderações. Como salientado anteriormente, dentre as limitações dos centros de memória, em geral, constata-se a ausência de recursos financeiros suficientes e a da falta de suporte de recursos humanos qualificados. Não dispomos até o presente momento de recursos humanos suficientemente especializados para levar a cabo o trato documental via restauração dos documentos. Implementamos a preservação da documentação, sobretudo na forma de acondicionamento. Leia-se aqui “o conjunto de métodos de proteção de documentos, parte de um programa de preservação do acervo documental” [29]. Seus procedimentos não atuam sobre a natureza física do documento, agindo no sentido de criar um microambiente que prolongue a vida da documentação, tolhendo as ações adversas do macroambiente. A Higienização diz respeito ao conjunto de técnicas empregadas para a remoção da poeira e demais resíduos, que possam estar na superfície do documento intentando sua preservação[30].

. Os documentos, de forma geral, encontram-se em bom estado de conservação. Contudo, nas publicações mimeografadas é saliente a deterioração, bem como o embranquecimento de algumas publicações. Alguns

exemplares do jornal Política Operária têm danos em suas extremidades referentes ao uso de grampos de ferro. Entretanto, nada que comprometa o acesso as informações neles contidas.

Nesse sentido, na contracorrente de suas fragilidades estruturais, o Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais tem efetivado uma política de preservação das documentações sob sua guarda, estando a documentação relativa à organização Política Operária em vias de ser, felizmente, disponibilizada ao público de pesquisadores e interessados, que terá ao seu alcance um amplo manancial de possibilidades para (re) escrever a história da construção da cidadania brasileira, processo inacabado por natureza que, num certo enfoque, pode ser narrado a partir dos enfrentamentos vivenciados pela classe trabalhadora.

BIBLIOGRAFIA

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[1] Este trabalho foi apresentado como comunicação no 2º Seminário Internacional o Mundo dos Trabalhadores e seus Arquivos - Memória e Resistência realizado entre os dias 30, 31 de março e 1º abril de 2011 na sede do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro.

[2] Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco, integrante do Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais da UFPE. (NUDOC/UFPE).

[3] CASTRO, Celso. Pesquisando em Arquivos. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

[4] CAMARGO, Célia Reis. “Os Centros de Documentação das Universidades: tendências e perspectivas” IN SILVA, Zélia Lopes de (Org.). Arquivos, Patrimônio e Memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: UNESP, 1999. p. 57.

[5] Ibidem, p. 56.

[6] SALLES, Jean Rodrigues. A Luta Armada contra a ditadura militar: a esquerda brasileira a influencia da revolução cubana. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007.

[7]FILHO, Daniel Aarão. “Classe Operária, partido de Quadros e revolução socialista. O Itinerário da Política Operária (1961-1986) IN FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão (Org.).Revolução e democracia:(1964).Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

[8] BERNARDES, Dênis Antonio de Mendonça; STOTZ, Eduardo Navarro (et al). Projeto: “50 Anos da ORM – Política Operária” – Organização dos acervos e divulgação ao público. CENTROS DE ESTUDOS VICTOR MEYER. Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, 2009.

[9] FILHO, Daniel Aarão. Op. Cit, p. 57

[10] SALLES, Jean Rodrigues. Op. Cit. p. 34.

[11] GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 127.

[12] Ibidem, p. 128.

[13] Martins, Ernesto. Aonde Vamos?Centro de Estudos Victor Meyer. Documento digitalizado em 2009.

[14] GORENDER, Jacob. Op. Cit., p. 129.

[15] FILHO, Daniel Aarão. Op. Cit., p. 61.

[16] Ibidem, p. 62.

[17] PROGRAMA SOCIALISTA PARA O BRASIL. Introdução, 1971. Centro de estudos Victor Meyer. Digitalizado em 2007.

[18] FILHO, Daniel Aarão. Op. Cit., p. 63.

[19] Política Operária: Jornal de Combate da Classe Operária, n ° 48. Janeiro de 1977, p.1. Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais (NUDOC/UFPE).

[20] Política Operária: Jornal de Combate da Classe Operária, N° 67, Agosto de 1979, p.2. . Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais, (NUDOC/ UFPE).

[21] FILHO, Daniel Aarão. Op. Cit, p. 65.

[22] Situação da Organização. FEV, 1984. Núcleo de Documentação Sobre os Movimentos Sociais, UFPE.

[23] BERNARDES, Dênis Antonio de Mendonça; STOTZ, Eduardo Navarro (et al). Projeto: “50 Anos da ORM – Política Operária” – Organização dos acervos e divulgação ao público. CENTROS DE ESTUDOS VICTOR MEYER. Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, 2009, p. 8.

[24] Segundo, o Projeto: “50 Anos da ORM – Política Operária” a documentação do LABELU gira em torno de 1.500 documentos.

[25] Os Bolsistas de Iniciação Acadêmica (BIA), oriundos de escolas públicas, sob orientação, foram os responsáveis pelo trabalho, realizado com afinco, de separação da documentação atinente a Polop. Gostaríamos de agradecê-los, sobremaneira, nas pessoas de Frederico Vitória da Silva Neto JeffersonGonçalo do Carmo, Júlio César Ferreira Ales e Adriano Martins de Oliveira sem os quais este trabalho não seria possível.

[26] BELLOTTO, H.L. Arquivos permanentes: tratamento documental. São Paulo: T.A Queiroz, 1991, p.79.

[27] PAES, Marilena Leite.Arquivo:teoria e prática.Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1986, p. 124.

[28] BERNARDES, Dênis Antonio de Mendonça; STOTZ, Eduardo Navarro (et al). Op. Cit., p. 9.

[29] The British Library National Preservation Office; DUARTE, Zeny (Trad.). Preservation : survival kit.Preservação de documentos, métodos e práticas de salvaguarda.Salvador: EDUFBA, 2003, p.71.

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Manoel Messias Pereira

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