sábado, 12 de outubro de 2013

CRIMES - União Africana discute relação com tribunal "antiafricano"


A União Africana (UA) reúne-se até sábado em cimeira extraordinária para discutir a relação do continente com o Tribunal Penal Internacional (TPI), acusado por alguns países de ter uma agenda neocolonialista e antiafricana.

MUNDO
 União Africana discute relação com tribunal antiafricano Lusa

A reunião surge numa altura em que o presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, está a ser intimado para se apresentar no TPI no próximo mês para responder a acusações de crimes contra a humanidade.



Embora se especule que a cimeira vai considerar uma saída em bloco do TPI dos 34 países da UA que o reconhecem, a ministra dos Negócios Estrangeiros do Quénia, Amina Mohamed, disse na quarta-feira ser "bastante ingénuo" pensar que os líderes se uniriam "com o único objetivo" de quebrar as relações com o tribunal.

A UA está muito dividida sobre a questão do TPI, com os países da África oriental a liderar a oposição, o que não surpreende, tendo em conta que dois dos presidentes da sub-região, o sudanês Omar al-Bashir e o queniano Kenyatta, foram acusados pelo tribunal, e o vice-presidente do Quénia, William Ruto, já está a ser julgado por crimes contra a humanidade.

"Há emoções fortes em torno do assunto. O TPI tem estado na agenda de todas as cimeiras da UA desde a acusação contra Bashir", disse Steven Gruzd, analista do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, citado pela BBC.

"Os países que mais se têm manifestado contra o TPI estão na África oriental - Quénia, Sudão e Uganda. Os países da África ocidental, como a Nigéria e o Gana têm-se mostrado apoiantes do tribunal", disse o analista.

Os julgamentos de Ruto e de Kenyatta são inéditos, já que é a primeira vez que um tribunal internacional julga líderes em exercício de funções.

"Em países avançados, os presidentes em funções não são chamados a tribunal. Os tribunais esperam que o presidente termine o seu mandato para iniciar os procedimentos", disse Amina Mohamed numa conferência de imprensa.

Ruto e Kenyatta são acusados de organizar atos de violência após as eleições de 2007, provocando 1.100 mortos e 600.000 desalojados, mas ambos rejeitam as acusações e ganharam as eleições em março deste ano.

Bashir, acusado de genocídio no Darfur, recusou-se a ser julgado, já que o Sudão, ao contrário do Quénia, não reconhece a jurisdição do TPI.

A sua acusação, em 2008, levou a AU a apelar aos seus 54 Estados-membros que ignorassem o mandado de captura internacional contra Bashir.

Com as acusações de Kenyatta e Ruto, as tensões agudizaram-se. "A perceção de que o tribunal é neocolonialista e antiafricano aumentou e solidificou" entre os Estados-membros da UA, defendeu o investigador britânico Mark Kersten, citado pela BBC.

Até a África do Sul, a maior potência do continente, que tem evitado criticar publicamente o TPI, já se juntou aos protestos, com o partido no poder, o Congresso Nacional Africano (ANC), a acusar o tribunal de um "golpe judicial" ao insistir que Kenyatta e Ruto estejam presentes ao longo do julgamento e não apenas no início e no fim.

O país, que foi um forte defensor da criação do TPI, está agora mais próximo do Zimbabué de Mugabe, que sempre considerou o tribunal uma ferramenta do imperialismo ocidental.

O carisma e o poder de influência de Mugabe pode aliás ser um fator determinante na cimeira da UA, alertou Grudz à BBC.

Os países da África subsaariana que apoiam firmemente o TPI são todos Estados pequenos como o Botsuana, o Lesoto e as Maurícias.

No norte de África o apoio é ainda menor, já que apenas a Tunísia reconhece a sua jurisdição.

Uma das principais críticas da UA ao TPI é que só acusou africanos, o que sugere que o tribunal exerce uma justiça seletiva.

Kersten recorda que o TPI tem investigações a decorrer em outras partes do mundo, incluindo a Georgia e a Colômbia, mas nenhuma delas chegou ainda à fase de acusação.

Até agora, o TPI só fez acusações em oito países, todos eles africanos: A República Centro Africana, a República Democrática do Congo, a Costa do Marfim, o Quénia, a Líbia, o Sudão e o Uganda.

"Em muitos desses casos, o TPI interveio após queixas dos governos", sublinhou Kersten, exemplificando com o caso do Uganda, que pediu ao TPI que investigasse a rebelião do Exército de Resistência do Senhor (LRA), que levou ao mandado de captura de Joseph Kony.

Grudz alerta por seu lado que a hostilidade de muitos governos africanos contra o TPI contrasta com um forte apoio por parte dos seus povos.

Na segunda-feira, cerca de 130 organizações não-governamentais escreveram uma carta aberta à AU, na qual alertam que "qualquer retirada do TPI enviaria "um sinal errado sobre o compromisso de África para proteger os direitos humanos e rejeitar a impunidade".


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Manoel Messias Pereira

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