sábado, 26 de janeiro de 2013

A morte do cineasta Zózimo Bulbul


 .Zózimo Bulbul (1937 – 2013)

By: Pedro de Biasi



Morreu o ator, diretor e roteirista brasileiro Zózimo Bulbul, que foi o primeiro protagonista negro de uma telenovela, o primeiro modelo negro brasileiro e um símbolo do cinema negro nacional. A causa da morte foi uma parada cardíaca, mas a saúde de Bulbul estava debilitada há meses devido a um câncer no colo do intestino, diagnosticado em junho de 2012, que havia se espalhado para o cérebro e a garganta. Na quarta (23/1), os médicos descobriram que o tumor estava no estágio de metástase, mas o ator não quis se internar. Ele morreu na companhia de sua esposa Biza Vianna no dia seguinte, aos 75 anos, em seu apartamento na praia de Flamengo, no Rio de Janeiro.



Um dos grandes representantes do movimento negro no Brasil, Bulbul teve participações de destaque em novelas e filmes e protagonizou um escândalo em 1969, quando fez par romântico com Leila Diniz na novela “Vidas em Conflito”. Além disso, ele estrelou premiadas produções cinematográficas, como “Terra em Transe ” (1967), “Filhas do Vento” (2005) e “5x Favela, Agora por Nós Mesmos” (2010).





Cinco Vezes Favela



Nascido no Rio de Janeiro em 1937, com o nome de Jorge de Souza, Bulbul se iniciou como ator nas peças do Centro Popular de Cultura da UNE (União Nacional dos Estudantes). Ele sempre foi um forte representante da cultura afro-brasileira, e seus trabalhos no cinema comunicavam suas preocupações sociais e culturais.



Bulbul fez sua estreia em um dos segmentos de “Cinco Vezes Favela” (1962), obra importante do Cinema Novo brasileiro que é centrada na vida nas favelas. No ano seguinte, aventurou-se nas raízes das desigualdades nacionais com “Ganga Zumba” (1963), dirigido por Cacá Diegues. A produção tinha Antônio Pitanga como o personagem-título, o primeiro líder do Quilombo dos Palmares, e ainda trouxe o sambista Cartola no elenco.





A Compadecida



Embora assumisse papel de pouco destaque, Bulbul também atuou em “Grande Sertão” (1965), adaptação da obra-prima “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa. O ator continuou aparecendo em títulos conhecidos do público brasileiro com “Garota de Ipanema” (1967), de Leon Hirszman, “El Justicero” (1967), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, que retratavam o Rio de Janeiro onde ele nasceu.



Depois da comédia “Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz” (1967), laureado com quatro troféus no Festival de Brasília, Bulbul fez mais uma participação menor em um dos filmes mais conhecidos do cinema brasileiro: “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha. A obra teve repercussão mundial e foi premiada nos festivais de Cannes e de Locarno.





Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz, com Joffre Soares



Bulbul conseguiu seu primeiro papel principal ainda nos anos 1960, no drama “Em Compasso de Espera” (1969), como o amante de uma mulher branca e rica (Renée de Vielmond). Ele ainda contracenou com intérpretes da estatura de Regina Duarte, em “A Compadecida” (1969), no papel de Jesus, e Paulo José, em “O Homem Nu” (1968). Este último era estrelado por Leila Diniz, que faria parte do grande escândalo que o ator protagonizaria ainda em 1969.



Além de ser o primeiro protagonista negro de uma novela, em “Vidas em Conflito” (1969), ele ainda foi o par romântico de Leila Diniz, então símbolo sexual brasileiro, na trama levada ao ar pela extinta TV Excelsior. Bulpul vivia Rodney, que Débora (Diniz) começava a namorar para enfurecer sua mãe, Cláudia (Nathália Timberg). A repercussão do romance foi tanta que levou a ditadura militar a censurar a novela.





Em Compasso de Espera



O estilista Dener Pamplona de Abreu, mais conhecido apenas por seu primeiro nome, aproveitou a polêmica e chamou Bulbul para desfilar para a Dener Difusão Industrial de Moda, considerada a primeira grife da moda brasileira. Quebrando mais um paradigma, o ator se tornou o primeiro modelo negro do Brasil. Radiante com a conquista, ele chegou a declarar: “Fui capa de revista, um sucesso! Só que não me conformaria em ser um ator vazio.”



Fiel a essa declaração, ele continuou evitando estereótipos de personagens negros, como bandidos e escravos preguiçosos. Nos anos 1970, ele foi eleito “o negro mais bonito do Brasil” pelo apresentador Chacrinha, mas continuou um ator produtivo, estrelando “O Palácio dos Anjos” (1972), que rendeu uma indicação à Palma de Ouro ao diretor Walter Hugo Khouri, além de retornar ao universo de Guimarães Rosa em “Sagarana, o Duelo” (1974).





Atrás das câmeras, como diretor



Cheio de coisas a dizer, Bulbul se lançou como diretor em 1974 com o curta-metragem “Alma do Olho”, no qual ele aparece realizando mímicas que representam a história do negro no Brasil. A inspiração do cineasta foi o livro “Soul Ice”, escrito por Eldridge Claver, líder dos Panteras Negras, grupo americano que defendeu os direitos civis dos negros nas décadas de 1960 e 1970. A obra foi considerada subversiva pela censura da ditadura militar, e Bulbul foi chamado para depor. Perguntado sobre quem dera ordem para fazer um filme tão sofisticado, o diretor respondeu: “Sob ordens do amigo e poeta Vinicius de Moraes”.



O diretor continuaria mostrando sua preocupação com a questão racial nos documentários “Aniceto do Império – Dia de Alforria” (1981) e “Abolição” (1988), seu longa-metragem mais conhecido. Com duas horas e meia de duração, o filme celebra o centenário do fim da escravidão e traz depoimentos de diversas personalidades.





Abolição



Bulbul continuou trabalhando como ator ao longo dos anos, e seus colegas de cena incluíram Marília Pêra e Daniel Filho em “Ana, a Libertina” (1970), Chico Anysio e Ricardo Blat em “Tanga (Deu no New York Times?)” (1987) e um grande elenco negro em “Natal da Portela” (1988), entre eles Milton Gonçalves, Grande Otelo e Zezé Motta. Nos anos 1990, ele participou das novelas “Memorial de Maria Moura” e “Xica da Silva”, esta ambientada durante a escravidão, no período colonial do Brasil.



Ele só retornaria à direção nos anos 2000, com “Pequena África” (2002), curta sobre a Central do Brasil e bairros do Rio de Janeiro. A esta produção se seguiram “Samba no Trem” (2005), que resgata a memória do samba, e “República Tiradentes” (2005), que investiga a identidade negra da praça Tiradentes. Seu trabalho final como diretor foi o média-metragem “Zona Carioca do Porto” (2006), mais um estudo sobre a história de uma região da capital carioca – no caso, a zona portuária.





Filhas do Vento



Seus últimos trabalhos como ator receberam diversos prêmios. “Filhas do Vento” (2004), estrelado por Taís Araújo, foi o grande vencedor do Festival de Gramado, e “O Veneno da Madrugada” (2006), dirigido por Ruy Guerra e estrelado por Leonardo Medeiros, participou dos festivais de Havana e San Sebastián. Bulbul encerrou sua carreira com uma participação em 2010 com “5x Favela, Agora por Nós Mesmos”, inspirado no longa de 1962 e produzido por moradores de favelas.



Em 2012, ele inverteu seu papel e deu depoimentos ao cineasta Spike Lee (“O Plano Perfeito”) para o documentário “Go, Brazil, Go!”, ainda inédito. Para o filme, Lee ainda gravou entrevistas com o ministro do STF, Joaquim Barbosa, e com o deputado e ex-jogador de futebol Romário.





Com o diretor Spike Lee e o cartaz de Abolição



Criador do Encontro de Cinema Negro Brasil, África e Caribe, Zózimo Bulbul foi homenageado pelos 50 anos de sua carreira na 6ª edição do evento, em novembro de 2012. Ele também foi contemplado em 2011 com o Prêmio Camélia da Liberdade, entregue pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas por sua luta contra o preconceito. A organização divulgou uma das muitas notas de lamento à morte do ator e cineasta.



O diretor Jefferson De (“Bróder” ) revelou que Zózimo Bulbul foi “como um pai” para ele. “Ele foi o primeiro cara que cunhou esse termo ‘cinema negro’, com características brasileiras, mas muito africano”, disse. “Aqui no Brasil ele me colocou em conexão com o cinema mundial. Para mim, é uma perda muito pessoal desse pai do cinema negro, mas que também muitas vezes assumiu o papel de um pai biológico para mim.”





No IV Encontro de Cinema Negro, evento que ele criou



A Ministra da Cultura Marta Suplicy também reconheceu a importância do ator e cineasta. “Zózimo Bulbul teve uma trajetória fantástica, reconhecida”, declarou Suplicy. “Mais que um ícone do seu tempo, é alguém que rompe paradigmas, faz o novo e por isso se torna conhecido no Brasil e no exterior. Ele nos deixa o exemplo de quem sempre quis fazer mais e melhor. E fez.”



Zózimo Bulbul era casado com a figurinista Biza Vianna, e não tinha filhos.





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Manoel Messias Pereira

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