sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O outro lado do "Milagre Econômico": Exploração e Repressão à classe Trabalhadora Brasileira

O Outro Lado do "Milagre Econômico": Exploração e Repressão à Classe Trabalhadora Brasileira por Rafael Leite Ferreira Sobre o artigo [1] Sobre o autor[2] Introdução De acordo com José Pedro Macarini [3], no que diz respeito ao aspecto econômico, a ditadura civil-militar viveu, entre os anos de 1968 e 1973, uma verdadeira "lua de mel". Durante esse período, o governo alcançou consideráveis índices de crescimento econômico (Produto Interno Bruto), através, principalmente, do incentivo dado aos produtores (empresários) e consumidores (classe média e alta) visando a produção e aquisição de bens de consumo duráveis (os eletrodomésticos e os automóveis, por exemplo), e conseguiu uma relativa baixa nas taxas de inflação no país. A tabela abaixo apresenta detalhadamente esses índices: Fonte: Quadro elaborado pelo autor. Ao se estudar esse período da sociedade brasileira, comumente denominado de "milagre econômico", percebe-se uma enorme ênfase no projeto político-econômico do governo, no desempenho e crescimento das indústrias (e empresários brasileiros), disseminação e multiplicação do capital estrangeiro etc. Esses enfoques podem ser vistos facilmente em livros de História Econômica do Brasil, didáticos em História do Brasil, como também, em inúmeros trabalhos acadêmicos ligados, especialmente, à área da Economia e da Ciência Política. No entanto, um lado essencial dessa história, ou melhor, um sujeito histórico se procura ocultar: os trabalhadores brasileiros. Infelizmente, essas perspectivas tendem a reproduzir o discurso pregoado pela ditadura através das propagandas políticas do período, isto é, dar destaque às ações do regime e do empresariado e ocultar o agente promotor das altas taxas de crescimento vivenciadas pelo Brasil no final da década de 1960 e início de 1970. É importante que se diga que tal crescimento econômico somente foi possível graças ao rebaixamento dos salários da classe trabalhadora; à piora nas condições de trabalho; à dilapidação das energias físicas e psíquicas dos trabalhadores; o aumento da subordinação do trabalhador à disciplina da empresa; o maior controle das greves; o aumento de produtividade nas empresas e de rotatividade no emprego; às intervenções nos sindicatos, incluindo expurgos, espionagem, prisões, torturas, campanhas de difamação, perseguições arbitrárias, censura e assassinatos de inúmeros sindicalistas; o incentivo à prática "peleguista" e "assistencialista" dos sindicatos; a supressão das liberdades civis; o aumento da "espoliação urbana", entre outras questões. De um modo geral, segundo nosso entendimento, três medidas lançadas pela ditadura constituíram-se como peça fundamental para a sustentação do "milagre econômico", ao mesmo tempo em que favoreceram a desigualdade e a concentração de renda no país: a política de controle sindical, o controle das greves e o arrocho salarial. A política de controle sindical Segundo o governo militar, uma das principais causas da instabilidade politica no pré-64 se devia à "agitação subversiva" provocada por certos líderes sindicais. Uma vez que era complicado e, na verdade, pouco desejado o fechamento total de todos os sindicatos existentes no país, o governo optou pela política de "intervenções" [4], tanto no que se refere aos expurgos de seus líderes quanto aos controles sobre as suas diretorias [5]. O papel dos interventores foi assim descrito por Antonio Luigi Negro: "[...] os sindicalistas de confiança do novo regime teriam de desempenhar três papéis básicos. Era preciso, inicialmente, dar continuidade à vigilância, fazendo do sindicato um lugar de identificação dos ativistas que permanecessem atuantes. Sua segunda função seria deslocar a atuação dos sindicatos do campo da reivindicação por melhores condições de trabalho para o assistencialismo. A hipertrofia das funções assistenciais e a orientação política dos interventores desligariam os sindicatos das questões específicas dos locais de trabalho e da situação geral das categorias que representavam. Por fim, os interventores teriam ainda que conter tanto as oposições sindicais quanto as mobilizações que questionassem a política da ditadura militar e a autoridade empresarial, neutralizando ou desencorajando ações a partir do local de trabalho" [6]. Para intervir nos sindicatos, o governo não precisou criar um novo conjunto de leis, especificamente, de exceção, repressivo, mas simplesmente recorrer, de maneira ampla e efetiva, aos dispositivos legais que foram criados durante o primeiro governo Vargas. Para aprimorar o arcabouço jurídico da CLT e dar continuidade ao plano econômico do governo, este decretou um considerável corpo de novas leis trabalhistas e sindicais para aplicar com mais "eficiência" os aspectos repressivos da CLT e estreitar seus canais de ação. Nas palavras de Leôncio M. Rodrigues: "A estrutura corporativa foi mantida inalterada e diversos decretos governamentais foram baixados no sentido de aumentar o controle do governo sobre as organizações sindicais" [7]. O regime civil-militar - apesar de trabalhar com os elementos da mesma ideologia do "Estado Novo" (paz social, colaboração entre classes e ordem etc.) - na verdade, necessitou reformular algumas técnicas de pressão e alguns mecanismos legais daquele período, como meio de atingir os seus objetivos. Assim como o Estado Novo, o regime civil-militar procurou romper com a liberdade, a autonomia e a pluralidade das organizações sindicais no Brasil, ao mesmo tempo em que as tornaram em órgãos de colaboração do Estado, evitando, assim, que os trabalhadores desenvolvessem uma ação mais coerente com seus interesses de classe. De acordo com Leôncio M. Rodrigues, entre 1964 e 1970 foram efetuadas 536 intervenções sindicais (sendo 483 em sindicatos, 49 em federações e em 4 confederações) [8]. Do total de intervenções realizadas pelo Ministério do Trabalho durante este período, 19% delas foram efetuadas em 1964 e 61% em 1965 (80,6% do total), isto é, uma marca de 433 intervenções em apenas dois anos. As intervenções concentraram-se nos grandes sindicatos, ou seja, aqueles mais poderosos e politicamente mais ativos: atingiram 70% dos sindicatos que tinham mais de 5 mil membros, em 37% dos que contavam entre mil e cinco mil afiliados, e em 19% dos que possuíam menos de mil associados. Embora a maior parte das intervenções tenha se dado entre os anos de 1964 e 1965, a partir deste período ainda houve um número significativo de intervenções em diversos sindicatos espalhados pelo país. A partir de 1965, segundo Leôncio M. Rodrigues, "[...] o número de intervenções decresceu fortemente uma vez que o controle dos principais sindicatos já havia sido realizado" [9]. Se entre 1964 e 1965, a "subversão" era apontada como o principal motivo para as intervenções, durante o período de 1966 a 1970, os motivos eleitorais (irregularidades nas eleições), assim como outros motivos (rejeição de prestação de contas da antiga diretoria, infração das normas e regulamentos etc.), constituíram a grande maioria das justificativas apresentadas pelo governo para a destituição da diretoria sindical e indicação de um interventor, isto é, um "pelego" [10]. Segundo Salvador Sandoval, a partir deste período, ocorreram elevados níveis de corrupção dentro das organizações sindicais. Isto se deu por dois motivos: por um lado, pela inexpressiva participação dos trabalhadores, e, por outro, pelo fato de o governo recompensar a lealdade política dos líderes sindicais, pelego ou não, fazendo vista grossa à constante malversação dos fundos sindicais [11]. Outra medida adotada pelo regime militar para controlar as atividades sindicais foi promulgação do Decreto n° 229, de 2 de fevereiro de 1967, que regulamentava o "atestado de ideologia" nos sindicatos. Através deste decreto, os candidatos a cargos nos sindicatos teriam que prestar uma declaração de que zelaria pela fiel observância da Constituição Federal e das leis do país e que se comprometeriam a respeitar as autoridades constituídas e acatar as decisões delas emanadas; o Ministério do Trabalho e a Polícia Federal poderiam investigar todas as candidaturas; e, na tomada de posse, os novos dirigentes eleitos deveriam jurar novamente o respeito à Constituição e às leis. Como se percebe, este decreto permitia que o governo impedisse o acesso de elementos mais "radicais", "combativos" a postos-chave nos sindicatos. A respeito deste controle "psicossocial" sobre os trabalhadores, Kenneth P. Erickson destacou: "Trabalhadores que participaram ativamente de greves, ações de trabalhadores ou militância ativa nos sindicatos também sofreram perseguições policiais, e um fichamento na polícia pode custar o emprego de um trabalhador. Isto ocorre porque o término da estabilidade, em 1966, forçou a maioria dos trabalhadores a viver sob a ameaça da demissão. Para conseguir um novo emprego, se demitido, o trabalhador precisa apresentar um atestado de bons antecedentes da polícia" [12]. Além das "intervenções", "atestado de ideologia", "cooptação" e "expurgos" de líderes não-alinhados com o regime civil-militar, uma forma também de controlar as organizações sindicais no pós-64 e de recuperar o contingente expressivo de associados que os sindicatos haviam conquistado nos anos anteriores ao golpe foi a "mudança de função" dos sindicatos. Isto é, a partir de 1964, o governo procurou tirar, cada vez mais, os sindicatos de suas funções reivindicatórias, mais combativa, para incentivar-lhes na ampliação de seus patrimônios físicos e atribuir-lhes funções meramente burocráticas: atendimento médico e odontológico, assistência jurídica, concessão de bolsas de estudo, homologações, etc., valendo-se para isso das gordas somas vindas do "imposto sindical", criado desde os anos Vargas. Como se vê, via intervenções, ou apoios "voluntários", assim como o governo Vargas, a ditadura civil-militar procurava adesões e instrumentos para desenvolver uma política que se pautasse não só pela "repressão" às organizações sindicais mais combativas [13], mas também pela valorização dos sindicatos como órgãos colaboradores do regime, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionavam com a respectiva categoria ou profissão liberal. É neste contexto, portanto, que se pode entender a valorização do governo no lado "assistencial" e "burocrático" dos sindicatos brasileiros. Isto é, a valorização de um tipo de liderança sindical burocrática que colocasse os objetivos assistenciais acima da organização sindical ativa e mais militante. O controle das greves Diversas greves foram deflagradas no interregno democrático de 1946 a 1964, especialmente durante o governo do presidente João Goulart. Para conter essa ação grevista, que crescia a cada momento, logo após subir o poder, os militares promulgaram a Lei n°4.330, de 1° de junho de 1964, definindo as condições em que as greves seriam permitidas no país. Vejamos, de uma maneira geral, as principais exigências legais para o exercício de greve a partir da nova lei: -a greve só seria reconhecida como legítima quando apresentasse um "caráter econômico", ou seja, quando a categoria profissional estivesse apenas "interessada na melhoria ou manutenção das condições de trabalho vigentes na empresa"; -os funcionários públicos federais, estaduais e municipais ou de empresas estaduais foram expressamente proibidos de entrar em greve; -as greves de trabalhadores em serviços "essenciais", as de "apoio ou solidariedade" e as consideradas "de natureza política, social ou religiosa" foram também expressamente proibidas [14]; -a greve só seria considerada legítima se aprovada em uma Assembleia Geral da categoria, por 2/3 dos presentes em primeira convocação, e por 1/3 em segunda convocação; -entre a primeira e a segunda convocação da Assembleia Geral da categoria deveria haver um intervalo mínimo de dois dias; -a convocação da Assembleia Geral deveria ser feita através de editais publicados na imprensa, com a antecedência mínima de dez dias; -realizada a Assembleia Geral e processada a votação, que deveria ser secreta (com a utilização das cédulas "sim" e "não"), os votos seriam apurados por uma mesa presidida por membro do Ministério Público do Trabalho ou "por pessoa de notória idoneidade", designada pelo Procurador-Geral do Trabalho ou Procuradores Regionais; -a partir das deliberações da Assembleia Geral, o empregador seria notificado e teria cinco dias para solucionar o conflito [15]. Durante este período, o Diretor do Departamento Nacional do Trabalho ou o Delegado Regional do Trabalho tomariam uma série de medidas "conciliatórias". Se, decorridos os cinco dias, não se chegasse a uma "conciliação", os empregados poderão abandonar "pacificamente" o trabalho. Como se vê, a aplicação rigorosa de todas estas exigências legais para a deflagração de uma greve tornou praticamente ilegais todas as greves no país [16]. Das 154 greves localizadas realizadas em 1962 e das 302 de 1963, o total caiu para 25 em 1965, 15 em 1966, 12 em 1970 e nenhuma em 1971. Maria Helena M. Alves destacou, por exemplo, que muitas das greves declaradas "legais" pelos tribunais de trabalho a partir da decretação da Lei n°4.330 ocorreram, em grande parte, "[...] em empresas que há mais de três meses não pagavam a seus trabalhadores" [17]. Citamos a seguir a entrevista do ministro Arnaldo Prieto à revista VEJA que ilustra o pensamento do regime civil-militar acerca das greves: "O sindicato é um instrumento de luta, mas de luta pacífica. Não precisa de luta de rua, com sangue, pode ser através do diálogo, do argumento, do raciocínio, de uso do bom senso. Uma luta que se trava com toda a educação, de forma elegante, numa mesa-redonda sob a presidência do Ministério do Trabalho, ou da Justiça do Trabalho, quando não conseguimos uma solução administrativa" [18]. Por fim, é importante destacar o aspecto punitivo da Lei n° 4.330. Segundo ela, o trabalhador que "promover, participar ou insuflar greve" declarada ilegal podia ser punido com: a) advertência; b) suspensão até 30 dias; c) rescisão do contrato de trabalho; d) também podia ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional (o Decreto-lei n° 898, de 29 de setembro de 1969, que no art. 45 falava em "greve proibida"). A pena era de 1 a 3 anos de reclusão. Uma vez lançada a "Lei anti-greve", o governo poderia pôr em prática a sua política de arrocho salarial. Decididamente, a Lei n° 4.330 e o sistema de reajustes salariais, em vigor no Brasil a partir de 1964, foram feitos um para o outro. A obediência aos índices oficiais anuais na concessão do aumento estava, de fato, salvaguardada pela Lei n° 4.330 que tornava praticamente impossível qualquer greve de reivindicação econômica. Arrocho salarial A política de arrocho salarial do regime civil-militar foi inaugurada com a Circular n° 10, de 19 de junho de 1964, do Ministério da Fazenda. De uma maneira geral, a circular estabelecia: que os salários seriam reajustados anualmente; que a proporção dos aumentos salariais dependeria do salário médio dos trabalhadores nos 24 meses anteriores ao aumento, da antecipação inflacionária estimada para os 12 meses seguintes ao aumento e da estimativa do aumento anual de produtividade; e que as normas aplicar-se-iam a todos os funcionários públicos federais, estaduais e municipais. A política salarial foi concebida pelos militares como um mecanismo fundamental para a continuidade do processo de desenvolvimento do capitalismo no país. Segundo Heloisa de Souza Martins: "A política salarial era um elemento de fundamental importância na política econômica-financeira estabelecida no PAEG e à medida que as sugestões feitas em1964 mostraram-se insuficientes para o combate à inflação, resolveu o Executivo "disciplinar" e tornar mais rígido o processo de reajustamento de salários, adequando-o à política de estabilização econômica" [19]. De maneira geral, as principais críticas dos trabalhadores e entidades sindicais à "política salarial" do regime civil-militar foram: a) que os coeficientes baixados pelo governo estavam sempre abaixo do aumento custo de vida da classe trabalhadora. Um exemplo disto foi dado na fixação do resíduo inflacionário em 10% em 1966, quando o crescimento do custo de vida foi de 52,3% segundo os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) [20]; b) que o cálculo de um "coeficiente único" para todo o país, não levando em conta o custo de vida de acordo com a região, o estado e até mesmo a cidade, era irreal para o conjunto dos trabalhadores no país; c) que o prazo de um ano para os reajustes salariais era um "roubo" para a classe trabalhadora, beneficiando apenas aos patrões, que teriam um de seus fatores de produção - a força de trabalho - a garantia de que não teriam o seu custo aumentado, no período inferior a um ano, e ao governo que teria o estabelecimento de um prazo - um ano - para permitir a programação da economia nacional; d) que embora tenha havido reajustes anuais, na prática, havia uma redução do salário real médio dos trabalhadores com a consequente diminuição do poder aquisitivo dos salários; e) que o aumento salarial a partir da estimativa do aumento anual de produtividade era uma tarefa irreal uma vez que era muito difícil estabelecer uma porcentagem do aumento de produtividade do trabalho em escala nacional, devido às falhas nos registros estatísticos do país; f) que os reajustes salariais voltassem a ser fixados pela livre contratação entre patrões e operários, sem a intervenção do Estado. Este deveria apenas limitar-se a determinar os níveis de salário mínimo e a garantir esta remuneração mínima àqueles que não a recebessem; g) e por fim, que tal política salarial esterilizaria os sindicatos como instrumentos de negociação coletiva. É importante destacar, como bem lembrou Paul Singer, que, na verdade, o "arrocho" não se fez sentir, igualitária e simultaneamente, sobre todos os níveis salariais, mas seletivamente, atingindo de modo muito mais grave os assalariados menos qualificados, cujo nível de ganhos dependia, em maior grau, do poder de barganha da classe em conjunto [21]. A partir da publicação da Circular n° 10, diversos outros documentos foram produzidos, cada qual destinado a atender às necessidades econômicas e políticas do momento. Pela enorme quantidade de decretos e leis baixados sobre a matéria salarial - às vezes, mais de um por ano - durante a vigência do regime civil-militar no Brasil percebe-se a extrema importância desta temática para os militares. Percebe-se, portanto, que o arrocho salarial obedecia à "racionalidade" do novo modelo econômico, centrado no padrão de acumulação de capital e, portanto, inseria-se dentre os mecanismos destinados a financiar internamente a expansão econômica do país. Como destacou Maria Helena M. Alves, os principais objetivos das medidas econômicas adotadas pelo governo eram, com toda evidência, "[...] a atração de capitais multinacionais e o estabelecimento de uma política de controle salarial que maximizasse a exploração e com isso aumentasse os lucros" [22]. Conforme vimos ao longo do artigo, a política de controle dos sindicatos e das greves e o arrocho salarial lançada pelo regime civil-militar fez parte de um conjunto de medidas destinado à implantação de um projeto econômico liberal e conservador para o país. A este respeito Kenneth P. Erickson destacou: "Fazendo algumas pequenas alterações desde 1964, o governo militar procurou tornar o sistema corporativista mais eficaz em seu objetivo de subordinar os trabalhadores ao Estado. A promoção do crescimento econômico tem sido um dos objetivos maiores desse governo e o sistema sindical tem contribuído de modo significativo para manter a tranqüilidade industrial, ainda que com sacrifícios da classe operária" [23]. A implantação desse projeto econômico gerou sérias consequências para os trabalhadores brasileiros. Com a supressão do regime de estabilidade e a crescente erosão do salário real, grande parte dos trabalhadores procurou recompor suas rendas recorrendo a duas medidas básicas: a "intensificação do trabalho familiar" e a "extensão da jornada de trabalho". Em relação à primeira iniciativa, percebe-se, a partir deste período, o aumento significativo no número de trabalhadores dentro de uma residência, visando completar a renda familiar. A própria Constituição de 1967 (art. 158, Item X) reduziu a idade legal mínima de trabalho para doze anos, institucionalizando um sistema de trabalho infantil que acarretou em consideráveis custos sociais para a sociedade brasileira. No que diz respeito à segunda medida, percebe-se a elevação brutal da produtividade física do trabalhador brasileiro. Isto é, a fórmula ideal que aumentou a reprodução do capital no país e que gerou as precondições para o "milagre econômico" a partir de 1968. Como argumentou Sonia Regina de Mendonça: "[...] diante de todos os mecanismos compulsórios e espoliativos produzidos (e mantidos) pelo regime autoritário, milagre seria não ter havido o 'milagre' " [24]. [1] Este artigo é uma versão modificada do trabalho apresentado no Simpósio Temático "Movimentos de resistência no Brasil republicano", no VI Colóquio de História da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), em Recife, em novembro de 2012. Gostaria de agradecer ao amigo Thiago Nunes Soares, professor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pelos comentários e sugestões feitas ao texto original. [2] Doutorando em História pela UFPE. Integrante do Grupo de Pesquisa "Poder e relações sociais no Norte e Nordeste" (CNPq). Assessor da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara (CEMVDHC). E-mail: rafaleferr@hotmail.com [3] MACARINI, José Pedro. A política econômica do governo Médici: 1970-1973. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 15, n. 3, p. 53-92, set.-dez., 2005, p. 77. [4] Por "intervenção" entende-se o afastamento de toda a administração de uma entidade sindical acompanhada da designação, por parte do Ministro do Trabalho, ou do Delegado Regional do Trabalho, de um representante da pasta para administrar a entidade. [5] Vale destacar que, em relação aos expurgos dos líderes sindicais mais combativos, os que foram colocados em seus lugares pelos militares não eram figuras distantes do meio sindical. Tratava-se, na maioria dos casos, como bem lembrou Marcelo Badaró, de representantes dos antigos grupos dirigentes, desalojados dos cargos de direção das entidades pelas vitórias nas eleições sindicais dos militantes de esquerda ligados ao PCB e ao PTB, nos anos que antecederam ao golpe. Muitos tinham vínculos com os círculos operários católicos e com as entidades ligadas ao sindicalismo estadunidense. Não tardariam, portanto, a se reaglutinar, utilizando a máquina sindical, não para representar dignamente suas categorias, mas para concretizar dois objetivos centrais: apresentarem-se como ponto de apoio dos primeiros mandatários da "ditadura civil-militar" e caçar com esmero seus antigos adversários, agora taxados de perigosos subversivos. MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 103. [6]NEGRO, Antonio Luigi. Nas origens do "novo sindicalismo": o maio de 59, 68 e 78 na indústria automobilística. In: RODRIGUES, Iram Jácome (Org.). O novo sindicalismo: vinte anos depois. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, p. 17. [7]RODRIGUES, Leôncio Martins. Sindicalismo e classe operária (1930-1964). In: FAUSTO, Boris (Org.). História geral da civilização brasileira. 3. ed. v. 10. t. 3. O Brasil republicano: sociedade e política (1930-1964). São Paulo: DIFEL, 1986, p. 551. [8] A maior parte dos sindicatos atingidos, durante este período, por intervenções foram sindicatos de trabalhadores industriais (49% do total das intervenções). Ibid., p. 551. [9] Ibid., p. 551. [10] Originalmente a palavra "pelego" designa uma peça de pele de ovelha com a lã, usada pelos vaqueiros do Rio Grande do Sul, que torna mais fácil para o cavalo suportar o peso do cavaleiro. Nesta analogia, o cavalo representa a classe trabalhadora e o cavaleiro o Estado e os empregadores. Foi com o sentido, portanto, de amaciar o contato entre patrões e empregados que o termo foi incorporado ao sindicalismo brasileiro. "Pelego" passou para o vocabulário político brasileiro para identificar o líder ou representante sindical dos trabalhadores produzido dentro da estrutura burocrática e corporativa no país. O pelego seria um agente de "duplo papel": ao mesmo tempo em que representava os interesses dos trabalhadores fazia-o de forma tal a conciliá-los com os dos patrões. Negociava com o patronato e com o governo aumentos e vantagens para os trabalhadores, mas de forma a não contrariar os interesses do capital e do governo. Em particular, liderava seus representados de forma hábil de modo a que não chegassem a greves ou a manifestações mais enérgicas de descontentamento. Aqui é importante destacar ainda que o "pelego", em si, não foi inventado pela "ditadura civil-militar". No Brasil, desde o início do século XX, havia uma corrente sindical conhecida como amarelos, que pontuava sua atuação pela cooperação com os poderes constituídos. A partir de 1964, o que houve foi uma adaptação dessa tradição a uma necessidade do modelo político e econômico do regime militar. D'ARAUJO, Maria Celina. Estado, classe trabalhadora e políticas sociais. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil republicano. v. 2. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 230-231. [11]SANDOVAL, Salvador Antonio Meireles. Os trabalhadores param: greves e mudanças sociais no Brasil, 1945-1990. São Paulo: Ática, 1994, p. 23. [12]ERICKSON, Kenneth Paul. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 220-221. [13] As considerações de Michel Foucault são importantes para não se pensar apenas no aspecto repressivo do Estado. Em suas palavras: "Ora, me parece que a noção de repressão é totalmente inadequada para dar conta do que existe justamente de produtor no poder. Quando se define os efeitos do poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. Ora, creio ser esta uma noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosamente todo mundo aceitou. Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, [...] produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir". FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 22. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006, p. 8. [14] Vale aqui destacar que a definição do que constituía uma "greve política" cabia meramente ao governo. [15] Quando a greve fosse motivada pela falta de pagamento de salário ou não cumprimento de decisão judicial, o prazo de aviso seria de 72 horas, ou seja, de três dias, ao invés de cinco (prazo exigido em lei). [16] Segundo a opinião do presidente da OAB e especialista em Direito do Trabalho, Roberto Haddock Lobo: "A legislação em vigor encerra uma contradição em si mesma. Ao regular o preceito constitucional do direito à greve, ela estabelece tantas restrições que, na verdade, extinguiu esse direito. Toda greve está sujeita a ser declarada ilegal. Assim, acho que apenas uma filigrana jurídica não será suficiente para alterar a essência da lei, que é uma lei antigreve". OAB acha a lei contraditória. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 20, 1 set. 1977. [17] ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. São Paulo: Edusc, 2005, p. 93. [18] O sindicato deve lutar em paz. VEJA, São Paulo, n. 471, 14 set. 1977, p. 25. [19]SOUZA MARTINS, Heloisa Helena Teixeira de. O Estado e a burocratização do Sindicato no Brasil. São Paulo: Editora HUCITEC, 1979, p. 137. [20]Ibid., p. 151. [21] SINGER, Paul. A crise do "milagre": interpretação crítica da economia brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 57-58. [22]ALVES, op. cit., p. 96. [23] SOUZA MARTINS, op. cit., p. 79. [24] MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e economia no Brasil: opções de desenvolvimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 99.

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