quarta-feira, 6 de julho de 2011
O Mito da Superioridade Racial
A Raça Alemã: O Mito da Superioridade do Povo Ariano
por Joice do Prado Alves
Sobre a autora[1]
A formação das identidades nacionais e o embrião bélico da Primeira Guerra Mundial.
O século XX europeu iniciou-se trazendo consigo inúmeras feridas do século anterior que ainda estavam pouco cicatrizadas. Em especial, a partilha da Ásia e da África entre as potências européias no chamado “neocolonialismo” ainda gerava atritos, já que Itália e Alemanha haviam ficado fora do processo que expandiu o mercado de matérias-primas e o público consumidor dos demais países europeus.
Devemos ter em mente que ambos os países, diferente de seus vizinhos, ainda não haviam conseguido passar completamente pelo processo de unificação territorial, - ainda que a guerra franco-prussiana de 1870 tenha permitido uma certa unificação alemã - mas já possuíam um forte sentimento coletivo que foi vital às vésperas da Grande Guerra.
Temos, ainda durante o século XVIII, o início da difusão dessas idéias nacionalistas, que surgem como formas de combater os últimos resquícios medievais de descentralização política, processo que ainda não havia sido concretizado pela Itália e Alemanha, mas que mesmo assim já se fazia sentir nesses dois países. Com a formação dos mercados de troca e o favorecimento de uma homogeneização tanto territorial quanto política e cultural, vemos formar-se a concepção de nação como uma espécie de “mediação ideológica” que passa aos homens e mulheres a impressão de pertencimento a uma comunidade maior.[2]
“Mais especificamente, a nação expressa um anseio pela permanência de laços comunitários num contexto histórico em que prevalecem amplamente relações de tipo societário. Ou melhor, na relação entre Estado e nação, o primeiro, organização caracteristicamente racional, tem necessidade da legitimidade fornecida pela outra forma social, em que são dominantes laços de afeto.” [3]
Se pensarmos a nação a partir do conceito de “comunidade política imaginada”, ou seja, uma relação entre homens organizada de forma política e que ganha legitimação por meio de um pensamento específico, temos que esse processo de construção estabelece identidades, noção necessária aos Estados que se consolidavam durante o período.[4]
O desenvolvimento dessa noção de nacionalidade, na Europa Central e Oriental, foi precedida pela difusão de línguas, culturas e histórias em comum bem antes da definição da base territorial.[5] Como afirma Marco Antonio Pamplona, os cidadãos começavam a se perceber “como parte de um mesmo todo”.[6]
“Os povos tinham essa paixão que provinha de uma longínqua história. Mas a sua unanimidade patriótica tinha uma origem mais recente. [...] Na Europa, cada nação tinha o sentimento de ser vítima de catástrofes e estar rodeada de inimigos que lhe invejavam a prosperidade, o desenvolvimento e mesmo a existência. Assim, o sentimento patriótico tornava-se numa das formas de reação coletiva da sociedade face aos fenômenos originados pela unificação econômica do mundo.” [7]
Marc Ferro mostra bem que na Alemanha os jovens aprendiam desde cedo a manter os olhos abertos com relação aos Eslavos[8], considerados os causadores da barbárie e da discórdia. Ao mesmo tempo, deveriam se preocupar com os vizinhos ocidentais, em especial os franceses, que nutriam suas desavenças desde 1870. O destino dos países estava marcado pela luta contra seus inimigos hereditários.[9]
Os ânimos exaltados motivados pelos processos unificadores que se alastravam pela Europa, uma corrida armamentista movida pelas novas vitórias da tecnologia e antigas mágoas por perdas territoriais - como o caso da França que claramente não havia superado a perda dos territórios da Alsácia e Lorena para a Alemanha – além da onda pan-germanica que já vinha aumentando o estado de alerta europeu, estouraram quando o príncipe do império Austro-Húngaro Francisco Ferdinando foi assassinado durante uma visita a Saravejo (antiga Bósnia-Herzegovina), levando à declaração de guerra do império contra a Sérvia em 1914.
“Após décadas de paz – a última grande conflagração européia opusera a França à Alemanha, em 1870 -, de conquistas territoriais e de capitalismo triunfante, o conflito – paradoxal ilusão – despontava como prova de energias latentes de povos orgulhosos de suas culturas e realizações. Os exércitos, a despeito da paz de tantos anos, nunca estiveram tão bem armados e prontos para a guerra.”[10]
Devemos ter em mente que os anos de paz desde o último embate entre França e Alemanha haviam dado certa consistência ao sistema econômico das nações, enquanto o desenvolvimento da tecnologia e os avanços da ciência davam aos espíritos uma assentada noção de superioridade.[11] Entre os alemães, já podemos entrever um certo espírito bélico, vigoroso e são, que dá a esse povo o direito de se comportar como o “vigilante” do ocidente. A noção de nacionalidade alemã encontrava-se bastante fortalecida às vésperas da Grande Guerra.[12]
Assim, as rivalidades bélicas e territoriais, a busca pela hegemonia tanto no continente europeu quanto fora dele, o fato da Alemanha ter chegado tardiamente e com grande impacto ao mercado, ameaçando sua rival britânica[13], constituíram os elementos de crise que desencadearam o conflito armado. Dessa forma, colocada em marcha a primeira guerra mundial, os soldados partiram em meio a festejos com a promessa de que antes do Natal retornariam às suas casas vitoriosos, o que só aconteceria 4 anos mais tarde.
“Descrever o complexo jogo de interesses que induziram as principais potências européias a se unirem, umas contra as outras, é tarefa de rendilhado histórico em que as conjecturas e suposições nunca estão ausentes. Objetivos econômicos e geopolíticos nem sempre denotam a surpresa de decisões de última hora, pois a diversidade do propósito poucas vezes indicava o momento exato e a escolha adequada do parceiro.”[14]
As alianças que ser formaram se concentraram em duas vertentes: A Tríplice Aliança composta por França, Inglaterra e Estados Unidos e a Tríplice Entente, composta por Alemanha, Império Austro-Hungaro e Turquia. Obviamente cada país, ao entrar na guerra, tinha seus próprios interesses e a Alemanha não era diferente. Reduzir a influência britânica na África e na Índia e expandir suas posses territoriais eram os principais objetivos. Como afirma Samuel Sérgio Salinas, toda a imprensa e literatura alemã haviam firmado na mentalidade do povo que o país vivia rodeado de inimigos[15], o que contribuiu para a formação de um exército poderoso e excelentes teóricos de guerra.
A Primeira Guerra Mundial e suas conseqüências para a Alemanha
Uma guerra ao mesmo tempo moderna e antiga, a primeira guerra arrastou-se por cerca de quatro anos, sendo caracterizada pelas trincheiras e combates corpo a corpo - que conquistavam pouco a pouco os territórios - e as primeiras utilizações das granadas e metralhadoras, submarinos, aviões e tanques de guerra. Os avanços tecnológicos começavam a mostrar resultados.
Também é interessante observar como a literatura deixou registrado esse período, como por exemplo, no livro Nada de Novo no Front (no original alemão “Im Westen nichts Neues”), escrito pelo alemão Erich Maria Remarque, posteriormente adaptado para o cinema. Participante da guerra, os relatos extremamente críticos e profundos que expõe em seu livro através do personagem fictício Paul Baumer parecem deixar claro que a Primeira Guerra trouxe inúmeros traumas para ambos os lados, como ele mesmo afirma no começo de sua descrição: “(…)procura mostrar o que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapado às granadas, foram destruídos pela guerra.”[16]
Através desse e de outros relatos, podemos ver que o tipo de guerra inaugurado em 1914 mudou completamente a visão dos homens sobre a forma de combater os inimigos. Esse tipo de guerra ainda seria melhor trabalhada e exibiria resultados ainda mais traumáticos na forma da Segunda Guerra Mundial.
“Houve primeiro as ilusões do principio da guerra, depois a descoberta da dura realidade. Em seguida, veio à época das primeiras trincheiras e das esperanças, muitas vezes desiludidas, das ofensivas vãs, marcadas pela recordação das tragédias: o gás, a morte dos camaradas presos no arame farpado, a lama viscosa pelo sangue dos mortos.”[17]
Finalmente, em 1918, a Alemanha foi derrotada, declarando rendição e esperando obter condições satisfatórias de paz, que não vieram. Começa então o chamado “período entre-guerras” no qual observamos os efeitos econômicos, políticos e morais que atingiram os países derrotados, em especial o povo alemão.
“A República alemã foi obrigada a assinar o famoso e controvertido Tratado de Versalhes (estabeleceu a paz entre a Alemanha e os países vencedores) que impunha severas restrições territoriais, econômicas e políticas e, sobretudo, militares, aos alemães, inclusive responsabilizando-os pelo desencadear da guerra.” [18]
O Tratado incluiu duras exigências, como reparações financeiras volumosas devido aos diversos danos provocados pelas tropas alemãs, fornecimentos de matérias-primas, redefinições territoriais e restrições militares. Não devemos nos esquecer de que na Alemanha a influência do exército nos assuntos do Estado eram imensas. Os militares podiam ser encontrados como diretores de empresas ou bancos e participavam mais do que em qualquer outro país nas decisões estatais.[19] Não é de se estranhar, portanto, que o país tenha sofrido certa desestruturação ao constatar que foi proibido que se formasse novamente a cúpula principal de líderes militares alemães, o chamado Alto Comando do Exército.
À nova realidade do país uniu-se um período conturbado no âmbito político interno, devido ao nascimento recente da república que buscava concretizar-se por meio de uma constituição.
O período de recuperação alemã recaiu nas mãos do partido Social-Democrata e seu presidente eleito Friedrich Ebert. Cada país vencedor tinha seu interesse na recuperação ou não da Alemanha e havia quem julgasse as cláusulas do Tratado de Versalhes demasiado restritivas. Independentemente da situação interna ou externa, aos poucos a situação foi se normalizando e, como mostra Salinas:
“Em pouco tempo numerosas cláusulas e restrições do Tratado de Versalhes haviam – de fato ou de direito – perdido vigência ou eram simplesmente ignoradas. A tormentosa questão das reparações de guerra foi, paulatinamente, solucionada. Finalmente, em 1926, a Alemanha é admitida na Sociedade das Nações.” [20]
Entretanto, não devemos nos esquecer de que falamos de um povo com um elevado espírito militar e crente na posse de certa superioridade (que mais tarde viria a ser inclusive racial). O fato de, aos poucos, terem estabilizado a situação financeira por meio de empréstimos americanos - que cessaram após a crise de 29 -, e posteriormente estruturado melhor a situação política, não excluiu o fato de que a moral alemã se encontrava profundamente abalada.
A Alemanha antes da Primeira Guerra vivenciava um período histórico de profundo desenvolvimento de seu orgulho. As idéias de Ranke [21] deixavam para trás a importância inglesa como pertencente ao passado, enquanto o povo alemão representava a juventude e o futuro do mundo, com seu crescimento brusco de poder. Na mentalidade alemã ficava bastante claro: a guerra iria fazer do país uma potência mundial.[22]
Ao final do conflito, o que percebemos é que de todos os países participantes da Guerra, o país era o que menos saíra prejudicado, a despeito do Tratado de Versalhes.
“À parte duas ou três províncias perdidas, a Alemanha mantinha-se intacta; não sofrera qualquer perda material durante a guerra, o seu potencial econômico continuava excepcional e as indenizações previstas pelo tratado de Versalhes não limitavam nem o seu desenvolvimento nem a sua liberdade de manobra.” [23]
Assim, não é de admirar que alguns anos mais tarde, reestruturada economicamente e buscando recuperar sua força moral, a Alemanha estivesse pronta para seguir Adolf Hitler na Segunda Guerra.
Mein Kampf e o nascimento do Nazismo
De 1918 a meados de 1932, o que vemos é um processo lento porém continuo de reestruturação alemã, o avanço dos comunistas pela União Soviética depois da Revolução Russa e uma crise profunda do capitalismo pós 29.
Entretanto, como afirma Boris Fausto ao escrever sobre a obra “The Germans: Power Struggle and the Development of Habitus in the Nineteenth and Twentieth Centuries”, de Nobert Elias, o autor acredita que a implantação do nazismo e seu sistema de crenças seja impossível de ser compreendido se a análise se ativer apenas às conjunturas históricas.[24] Ainda que a crise aberta em 1929 e os conflitos internos daí resultantes tenham concorrido para o triunfo do nacional-socialismo, devemos considerar o desenvolvimento da Alemanha através de todo o processo histórico, nos perguntando principalmente em que momento o passado e a tradição alemã permitiram a insurgência do partido.
O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), mais conhecido como Partido Nazista chega ao poder com a indicação de Hitler para o cargo de Chanceler. Através do notável trabalho de Joseph Goebbels, a propaganda feita em torno do mito de que o partido nazista havia salvado a Alemanha da crise mundial rapidamente se espalhou.[25]
“Merece observar que os nazistas não se utilizaram somente da violência, mas souberam empregar adequados e modernos meios de transporte e comunicação em suas campanhas eleitorais: rádio (uma novidade da época) e aviação. Enquanto os demais políticos usavam o trem e outros veículos terrestres, os nazistas multiplicavam os comícios, empregando aeronaves. Hitler era o ‘messias que descia das nuvens’”. [26]
A votação e aprovação, a 23 de março de 1933, de uma lei que basicamente acabava com qualquer oposição que pudesse existir ao governo nazista e dava amplos poderes ao Chanceler, mostra que Hitler se encontrava em um papel de extrema importância e aceitação perante o restante do país. Curiosamente, em nenhum momento o intuito claramente totalitário do partido foi camuflado. Nas palavras do próprio Hitler, tanto em seu Mein Kampf quanto em discurso feito pouco antes das eleições de 1930:
“Nós, nacional-socialistas, nunca proclamamos adotar o ponto de vista democrático. Francamente declaramos empregar os métodos democráticos unicamente a fim de alcançarmos o poder, e, atingindo esse propósito, negaremos a nossos inimigos os meios que nos forem permitidos enquanto oposição” [27]
Em seu livro, Hitler expressou claramente seus objetivos e ideais tanto do ponto de vista pessoal quanto político, e não pode deixar de ser analisado enquanto fonte histórica necessária à compreensão de seus desejos. O papel da nação parece voltar a tomar posição central, posto que em seus escritos, Hitler deixa bastante claro que:
“A Áustria alemã deve voltar a fazer parte da grande Pátria germânica. [...] Povos em cujas veias corre o mesmo sangue devem pertencer ao mesmo Estado. Ao povo alemão não assistem razões morais para uma política ativa de colonização, enquanto não conseguir reunir os seus próprios filhos em uma pátria única.” [28]
O Mein Kampf (no português, Minha Luta) foi escrito da prisão de Landsberg em 1923 (e publicado em 1925), enquanto o autor se encontrava preso devido a uma tentativa de golpe contra a República alemã. Nele, por meio de bem postas palavras, Hitler desnuda seus intentos de forma a convencer quem o lê de que suas aspirações devem ser as mesmas de todos os alemães. Afirma que já na juventude não podia compreender por que austríacos e alemães não estavam unidos sob o mesmo corpo, porém, após iniciar os estudos, se deu conta de que o motivo era a divisão do império Austro-Húngaro em várias nacionalidades. De acordo com o autor, desde criança nas salas de aula, o espírito do orgulho em ser pertencente ao país era disseminado pelos professores: “Menino de sangue alemão, não te esqueças de que és um alemão” [29].
Assim, seus sonhos já incluíam desde muito novo a unificação de uma enorme nação que possuía o mesmo corpo e o mesmo espírito e que sairia do julgo da dinastia dos Habsburgos.
“Dentro de pouco tempo, eu me tinha transformado em um fanático Nacional-Alemão, designação que, de nenhuma maneira, é idêntica à concepção do atual partido com esse nome. [...] Assim, já naqueles tempos, tornei-me um jovem revolucionário, sem que fosse esse o seu objetivo.” [30]
Logo após essas afirmações, vemos o futuro Führer utilizar pela primeira vez o conceito de raça, ao afirmar que tanto no norte quanto no sul, o “veneno estrangeiro devorava o nosso sentimento racial”, no qual podemos perceber a futura motivação para o desenvolvimento do arianismo como raça superior.
Ao longo dos capítulos, Hitler vai dando mostras que o povo alemão faz parte de um processo de seleção natural que os elevou ao ápice. Tanto que dedica um capítulo inteiro (capítulo XI – Povo e Raça) a demonstrar como as forças naturais permitem que apenas os que respeitam as regras sejam mantidos vivos e capazes de procriar. Da mesma forma que a natureza poda as procriações entre indivíduos pertencentes à espécies diferentes, também rejeita a associação de indivíduos de uma raça superior com outros de uma raça inferior.
“Inúmeras provas disso nos fornece a experiência histórica. Com assombrosa clareza ela demonstra, que, em toda mistura de sangue entre o ariano e povos inferiores, o resultado foi sempre a extinção do elemento civilizador.” [31]
Chega a dar como exemplo, inclusive, a situação da América do Norte em comparação com a do Sul, afirmando que na primeira, onde o colonizador de sangue germano notadamente não se misturou muito com os povos indígenas, se fez senhor e colonizador do lugar, mantendo sua dominação por ser mais puro. Ao contrário, na porção Sul do continente, os colonizadores que já eram de sangue latino se misturaram aos indígenas e perderam completamente sua força.
Como afirma Fausto:
“A crença de que a grandeza presente e futura da Alemanha e de toda a “raça ariana” dependia da luta pela “pureza racial”; essa “pureza”, concebida em termos biológicos, impunha o afastamento e, no limite, a destruição dos grupos humanos “inferiores”, cujo epítome era representado pela “raça” judaica” [32]
De fato, as raízes do holocausto já podiam ser visualizadas pelas palavras de Hitler em seu livro, ao afirmar que os absurdos judaicos que propagavam que “o homem poderia vencer a natureza” deveriam ser calados. Em suas palavras, Hitler quer deixar claro que o único povo iluminado é o povo alemão e quem desejasse a vitória do pensamento pacifista deveria desejar primeiramente que os alemães tomassem controle do mundo, pois só assim esse retornaria a um estado de harmonia.
Hitler era sabidamente um artista frustrado, com uma crença cega na superioridade alemã e que buscaria até o fim a purificação de sua raça para que ela retornasse ao seu estado homogêneo inicial. Como bem deixa claro o documentário sueco de 1989, “Arquitetura da Destruição” (no original Arkitektur Des Untergangs), o chefe do estado alemão acreditava que tudo o que existe de belo na terra (ciências, arte, técnicas e invenções) é resultado da criação de poucos povos e, talvez em sua origem, de uma única raça. Como diz o próprio autor, a estabilidade da própria cultura depende desse povo superior. Assim, afirma que:
“A razão pela qual todas as grandes culturas do passado pereceram, foi a extinção, por envenenamento de sangue, da primitiva raça criadora. A última causa de semelhante decadência foi sempre o fato de o homem ter esquecido que toda cultura dele depende e não vice-versa; que para conservar uma cultura definida o homem, que a constrói, também precisa ser conservado. Semelhante conservação, porém, se prende à lei férrea da necessidade e do- direito de vitória do melhor e do mais forte.” [33]
Acreditava, portanto, que uma espécie de raça única (a dos arianos) vive entre os homens desde os primórdios da humanidade, sendo o sangue dominador desses homens passado a novos povos “merecedores”, no caso o povo germânico, herdeiros por direito na condição de “nação depositária”. Portanto, Hitler, admirador da arte acadêmica e renascentista, acreditava que o homem antigo retratado por romanos e gregos em estátuas e pinturas eram os antepassados que deveriam ser trazidos novamente à vida, eram os ideais que deveriam inspirar o povo alemão.
O já citado filme de Peter Cohen, nesse sentido, é um exemplo pertinente e ilustrativo ao mostrar como a arte-propaganda, por meio da arquitetura e da escultura, reportada ao passado clássico, serviu aos interesses da ideologia do nacional-socialismo, cujo ideal de expressão estética era exteriorizado nos gostos artísticos de Hitler.
Como afirma Glaydson José da Silva:
“A monumentalidade e o gigantismo obsessivos da arquitetura nazista marcam o interesse do Reich de se inscrever não só na História da Europa como, também, na história do mundo, de um novo mundo, marcado por uma nova civilização” [34]
Assim, inspirado na Antiguidade Clássica e objetivando deixar a mostra para as gerações presentes e futuras a supremacia e excelência do império alemão, Hitler envolve-se na construção de uma nova Alemanha, cidade por cidade, para honra de seus patriotas.
“O Nazismo visto séculos à frente deveria dar àqueles que o olhassem, de uma longa distância temporal, a idéia da grandiosidade daqueles que o viveram; a idéia da existência de uma raça limpa, pura, civilizada. Assim como as ruínas greco-romanas evidenciavam, aos olhos do Füher, a existência gloriosa do berço da civilização, seu império, quiçá séculos depois em ruínas, deveria dar mostras da supremacia da civilização que nele viveu.” [35]
Como fica claro, Hitler visava a construção de um império que jamais seria esquecido, aos moldes clássicos, formado por homens e mulheres filhos de uma raça pura e dominante por natureza, que tinha como objetivo dar a humanidade um farol que pudessem seguir. Entretanto, afirma Boris Fausto, não devemos nos resumir a acreditar que o nazismo e seus futuros atos na Segunda Guerra Mundial tenham sido fruto de apenas uma cabeça ou de um determinado grupo. Devemos nos questionar até que ponto o partido contou com o apoio popular. Obviamente existiram formas de resistência[36] e mesmo atentados contra a vida do Führer, mas não nos ateremos às formas de resistência, mas sim de aceitação e mesmo entusiasmo perante o ideal nazista. O próprio andamento do estado alemão não permitiria, de qualquer forma, uma grande oposição, como fica claro na analise de Fausto:
“As técnicas intensivas de educação e de propaganda, postas em prática pelos nazistas no sentido de garantir a lealdade absoluta da população, serviram apenas para reforçar as características de uma estrutura de personalidade que criou nos indivíduos uma disposição a se submeter lealmente às exigências do chefe do Estado, cuja imagem foi internalizada pelo povo como parte de sua consciência.” [37]
Dessa forma, se o partido nacional-socialista trouxe originalidades em sua forma tanto de pensar quanto de exercer o poder – sendo o antisemitismo o ápice – também devemos reconhecer que se assentou em formas já antigas da tradição alemã, como o desejo de possuir uma unidade, a valorização do guerreiro, a crença no “homem forte”, entre outras, que facilitaram a ascensão ao poder de um movimento nacionalista extremista, antidemocrático e anti-semita que foi responsável por uma série de decisões que levaram à Segunda Guerra Mundial e todas as suas conseqüências posteriores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Joice P. NUNES, Jéssica. O Movimento Social Zapatista e a Revolução Mexicana. Revista Eletrônica Historia e-Historia. Unicamp, v. Maio, 2011. Disponível em: http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=375
FAUSTO, Boris. Ensaio Bibliográfico: A interpretação do Nazismo na visão de Nobert Elias. Mana 4(1); 1998. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n1/2429.pdf
FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969.
HITLER, Adolf. Mein Kampf. Vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. Disponível em: http://www.livrosgratis.net/download/347/minha-luta-mein-kampf-adolf-hitler.html
PAMPLONA, Marco Antonio. A questão nacional no mundo contemporâneo. In: FILHO, Daniel Aarão Reis, FERREIRA, Jorge, ZENHA, Celeste (org). O século XX – O tempo das dúvidas: Do declínio das utopias às globalizações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
REMARQUE, Erich Maria.Nada de novo no Front. Tradução de Helen Rumjanek. Porto Alegre: L&PM, 2008.
RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004.
SALINAS, Samuel Sérgio. Antes da Tormenta: Origens da Segunda Guerra Mundial, 1918-1939. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996.
SILVA, Glaydson José. História Antiga e Usos do Passado: Um Estudo de Apropriações do Passado sob o Regime de Vichy (1940-1944). São Paulo: Annablume; Fapesp,2007.
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[1] Aluna do 4ª ano de História da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Campus de Franca.
[2] ALVES, Joice P. NUNES, Jéssica. O Movimento Social Zapatista e a Revolução Mexicana. Revista Eletrônica Historia e-Historia. Unicamp, v. Maio, 2011.
[3] RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.9.
[4] ALVES, Joice P. NUNES, Jéssica. O Movimento Social Zapatista e a Revolução Mexicana. Revista Eletrônica Historia e-Historia. Unicamp, v. Maio, 2011.
[5] PAMPLONA, Marco Antonio. A questão nacional no mundo contemporâneo. In: FILHO, Daniel Aarão Reis, FERREIRA, Jorge, ZENHA, Celeste (org). O século XX – O tempo das dúvidas: Do declínio das utopias às globalizações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 192.
[6] Idem, p. 192.
[7] FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969, p. 28.
[8] O pânico alemão desencadeado pela onda pan-eslava foi um dos maiores fatores para o fortalecimento do espírito coletivo alemão as vésperas da Primeira Guerra.
[9] FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969, p. 32.
[10] SALINAS, Samuel Sérgio. Antes da Tormenta: Origens da Segunda Guerra Mundial, 1918-1939. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, p. 15-16.
[11] Idem. p. 17.
[12] FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969, p. 31.
[13] Idem, p 42.
[14] SALINAS, Samuel Sérgio. Antes da Tormenta: Origens da Segunda Guerra Mundial, 1918-1939. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, p. 20.
[15] Nobert Elias, em seu livro The Germans analisa como essa mentalidade alemã (de constantemente estar rodeado de inimigos) vêm desde o século X, quando ainda faziam parte do Sacro Império Romano-Germanico, composto por diversas tribos.
[16] REMARQUE, Erich Maria.Nada de novo no Front. Tradução de Helen Rumjanek. Porto Alegre: L&PM, 2008. p. 8.
[17] FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969, p. 137.
[18] SALINAS, Samuel Sérgio. Antes da Tormenta: Origens da Segunda Guerra Mundial, 1918-1939. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, p. 24.
[19] FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969, p. 35.
[20] SALINAS, Samuel Sérgio. Antes da Tormenta: Origens da Segunda Guerra Mundial, 1918-1939. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, p. 32.
[21] Leopold von Ranke, Historiador alemão do século XIX freqüentemente considerado como o pai da "História cientifica", dando as primeiras bases para o Positivismo.
[22] FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969, p. 213.
[23] FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial 1914-1918. Rio de Janeiro: Edições 70, 1969, p. 319.
[24] FAUSTO, Boris. Ensaio Bibliográfico: A interpretação do Nazismo na visão de Nobert Elias. Mana 4(1); 1998, p. 141-152.
[25] SALINAS, Samuel Sérgio. Antes da Tormenta: Origens da Segunda Guerra Mundial, 1918-1939. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, p. 36.
[26] Idem, p. 38.
[27] SALINAS, Samuel Sérgio. Antes da Tormenta: Origens da Segunda Guerra Mundial, 1918-1939. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996, p. 38.
[28] HITLER, Adolf. Mein Kampf. Vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 6.
[29] Idem, p. 9.
[30] HITLER, Adolf. Mein Kampf. Vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 10.
[31] Idem, p. 126.
[32] FAUSTO, Boris. Ensaio Bibliográfico: A interpretação do Nazismo na visão de Nobert Elias. Mana 4(1); 1998, p. 141-152.
[33] HITLER, Adolf. Mein Kampf. Vol. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 127.
[34] SILVA, Glaydson José. História Antiga e Usos do Passado: Um Estudo de Apropriações do Passado sob o Regime de Vichy (1940-1944). São Paulo: Annablume; Fapesp,2007.
[35] SILVA, Glaydson José. História Antiga e Usos do Passado: Um Estudo de Apropriações do Passado sob o Regime de Vichy (1940-1944). São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007.
[36] Inúmeros integrantes dos partidos de esquerda foram exterminados nos campos de concentração.
[37] FAUSTO, Boris. Ensaio Bibliográfico: A interpretação do Nazismo na visão de Nobert Elias. Mana 4(1); 1998, p. 141-152.
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