domingo, 2 de outubro de 2011

O poeta da Rua da Maianga

Mario Antonio
(vista-me)
Voodu


O poeta da Rua da Maianga


Ponto prévio. em 2007/2008, fui confrontado com a circunstância de a maior parte dos meus alunos do Curso Básico de Jornalismo e Curso Profissional de Jornalismo no CEFOJOR, cadeira de Língua Portuguesa e Literatura Angolana, em número de cerca de 200, nunca tinham ouvido falar do célebre poeta Mário António e outros autores angolanos menos divulgados entre nós. Tal cenário conduziu-me à elaboração de um inquérito, aplicado ao grupo. Mais grave ainda, o grosso nunca tinha lido nenhum livro de literatura angolana, mesmo os conhecidos. O que não deixa(va) de ser confrangedor, em se tratando de candidatos a redactores/repórteres, locutores e apresentadores. Curiosamente, queriam ser jornalistas na rádio, nos jornais, mas sobretudo na TV, “queriam aparecer”, como se diz hoje, jocosamente, sem nunca terem lido um título das nossas letras, “quantufará” de literatura estrangeira! E como se não bastasse, por via do acentuado “deficit” de leitura e não só, acusavam uma relação conflituosa com a sua (potencial) língua de trabalho, o português, que, paradoxalmente, era a língua materna da maior parte deles. O que agravava à carência!

...

Na senda de dar a conhecer ao mais vasto público leitor, os perfis dos poetas que lançaram os alicerces da Literatura Moderna Angolana, trazemos hoje à liça a figura emblemática de Mário António Fernandes de Oliveira, mais conhecido por Mário António, aquele que foi/é, indiscutivelmente, um dos mais talentosos poetas angolanos, tendo sido o mais novo membro da Geração da Mensagem (e que, infeliz e desafortunadamente, não é estudado no nosso sistema de ensino), geração literária a que pertenciam Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Mário Pinto de Andrade, António Jacinto, Alda Lara, entre outros.

Nascido a 4 de Abril de 1932, o precocíssimo Mário António publicou os seus primeiros poemas aos 16 anos, no jornal “O Estudante” (foi neste mesmo jornal que se revelariam diversos poetas e contistas angolanos, tanto da geração subsequente à sua, a dos anos 50, como dos anos posteriores, nomeadamente, a da “febre contestatária”de 60), órgão do Liceu Salvador Correia, onde estudou e concluiu os estudos liceais como aluno do quadro de honra. Entre os poetas igualmente revelados pelo periódico estudantil, mais tarde, temos António Cardoso e Jofre Rocha).

Não havendo estudos universitários na então colónia de Angola, como nas restantes possessões africanas sob batuta de Salazar, Mário António partiria para Portugal em busca de formação superior, a exemplo de alguns dos seus companheiros de rota, e fez a Licenciatura em Ciências Sociais na Universidade de Lisboa.

Antes de ir para a antiga metrópole foi membro activo do Movimento dos Novos Intelectuais, movimento cultural onde militaram a favor da causa nacionalista, entre outros intelectuais e escritores angolanos da época, António Jacinto, Viriato da Cruz, Alcântara Monteiro e António Cardoso. Este movimento cultural desencadeou uma vasta campanha cultural, ainda que incipiente, mas significativa, de alfabetização das massas africanas iletradas e editou uma revista literária, a “Mensagem”, infelizmente de vida efémera, tendo saído à rua duas a três edições, sendo que a continuação da sua circulação foi impedida pela tesoura da censura. Colaborou nesta revista e no Jornal Cultura, afecto à Sociedade Cultural de Angola, então dirigida pelo jurista e escritor Eugénio Ferreira, arguto ensaísta e crítico literário, cuja obra completa, tal como a de Mário António, há muito reclama reedição, por parte de quem se ocupa do dossier editorial, com vista à recuperação do nosso património cultural e literário, longe das teias do esquecimento e da rudeza do camartelo da ignorância soes e arrogante. “A ignorância é mãe do atrevimento”, lá reza a sabedoria popular que inspirou poetas do garbo retórico e do quilate criativo do da Rua da Maianga.

“Banana podre/ não ter fartura/ fruta tá fruta tá”, respigou Mário António, sem complexos nem preconceitos, versos dos cânticos anónimos vertidos pelo imaginário oral angolano, uma das traves mestras da literatura angolana e que acabaram por ser reinterpretados pela voz de veludo de Rui Mingas, um dos mais celebrados intérpretes da música angolana de intervenção.

Mário António publicou diversos livros de poesia, entre os quais se destacam “Poemas”, o seu livro de estreia, e “100 Poemas”. Antes de falecer, em 1989, publicou a sua tese de doutoramento, sugestivamente intitulada “A Formação da Literatura Angolana”.

Em matéria de influências literárias, tal como alguns dos membros da sua geração uma vez já baseados na diáspora beberam do neo-realismo lisboeta e da negritude de Senghor e Cesaire, ventos bonançosos vindos de Paris e dos blues das Américas, Mário António bebeu basicamente das leituras da produção textual do movimento dos modernistas brasileiros, o que perpassa expressamente nos seus poemas, com a invocação de “Quando li Jubiabá”, Jorge Amado, Lins dos Rego e outros. Por essa altura, o seu coetâneo Viriato da Cruz, um dos mais fervorosos protagonistas desta movimentação cultural e artística, a nível interno, recebia publicações vindas do Brasil, principalmente de Petrópolis e fazia circular entre os seus camaradas. Não será de estranhar, por isso, que em 1955, quando se dá a fundação do Partido Comunista Angolano, em Luanda, Mário António esteja entre os seus fundadores, tal como Viriato da Cruz, Aristides Van-Dúnem e Domingos Van-Dúnem, sendo que os quatro são escritores, encarnando por isso um certo jacobinismo no plano da produção das ideias até políticas. Mas isso é outra estória da História, esta que está a ser contada de novo às vésperas de mais um 11 de Novembro.

Mário António rompe com os seus correligionários íntimos em finais de 50, princípios dos anos 60, abandona o discurso de ruptura política com a ordem colonial, no período de ascensão do nacionalismo angolano que pretensamente lhe ardia na alma, a pretexto de que não queria esconder nada à mulher, preferindo o cómodo jogo do compromisso. Neo-convertido militante reformista alinhou pelo diapasão do colaboracionismo, colocando-se na crista da onda de mais um arauto da bastarda teorética luso–tropicalista.

Ostracizado pelos seus antigos correligionários íntimos, que não lhe pouparam a ousadia, os adolescentes e jovens em questão terão também sido vítimas da “ausência” da sua obra, na hora da fixação do cânone dos programas curriculares do ensino da literatura angolana. De resto, a reconciliação com a história impõe também o resgate dessa suposta literatura à margem, no ensino da língua portuguesa em Angola, mais a mais, no estudo, análise e exploração crítica dos poemas de um dos mais representativos poetas angolanos.




















Copyright 2009 Jornal de Angola - Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por SAPO ANGOLA

Nenhum comentário:

Postar um comentário

opinião e a liberdade de expressão

Manoel Messias Pereira

Manoel Messias Pereira
perfil

Pesquisar este blog

Seguidores

Arquivo do blog