sábado, 22 de outubro de 2011

Um dos caminhos para mobilização: Coleção História Geral da África



Um dos caminhos para mobilização: Coleção História Geral da África



Publicado em 22 de outubro de 2011 por Jean Mello

























Com o envolvimento de mais de 350 especialistas, e sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, a Coleção Geral da História da África é a principal referência para quem deseja acessar uma versão não colonialista sobre o passado do segundo continente mais populoso da Terra



Declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como Ano Internacional para os Povos Afrodescendentes, 2011 é um momento ímpar para impulsionar e visibilizar mobilizações que envolvem a população negra no mundo inteiro, com a incumbência de ter continuidade ao longo dos anos.



Uma das conquistas, não apenas para o Brasil, mas também para os países africanos de língua portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe), de bastante importância e relevância de resistência histórica, foi a tradução ao português da Coleção História Geral da África, em dezembro de 2010. A publicação vem ganhando força durante o ano, principalmente nos três primeiros meses, período em que alcançou mais de 80 mil downloads. As versões impressas encontram-se em todas as universidades e bibliotecas públicas do Brasil.



A tradução se deu por conta das parcerias entre a Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas (Unesco), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC), sabendo que também essa já era uma demanda solicitada por parte do Movimento Negro no Brasil e outros Movimentos de Libertação em países africanos. A edição em português veio quase trinta anos depois da publicação original. Editada pela UNESCO, entre as décadas de 80 e 90, os volumes foram sendo disponibilizados em diversos idiomas: inglês, francês, chinês e árabe.







Com o envolvimento de mais de 350 especialistas das mais variadas áreas do conhecimento (jornalismo, antropologia, história, arqueologia, física, linguística, botânica, história, entre outros), sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais – um deles de nacionalidade brasileira, Fernando Mourão –, dos quais dois terços eram africanos, o conteúdo permite outras perspectivas, ou mesmo novos olhares, sendo base para obtenção de novas pesquisas e estudos acerca da África, para disseminação dos saberes no sistema de ensino brasileiro – contribuindo na implementação da lei 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), tornando obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira – e em outros países de língua portuguesa.



Abordando assuntos que vão desde a pré-história até a década de 1980, em mais de oito mil páginas, a coleção demonstra detalhes do Egito Antigo [não o separando do continente africano, como faz outras publicações], também não deixa de informar acerca de diversas civilizações e dinastias. Sem contar que é outra visão sobre o tráfico de negros que foram escravizados, a colonização europeia e a “independência” dos diversos países.



Os textos demonstram que existem questões completamente desconhecidas, ocultas, acerca do continente africano, argumenta o coordenador da tradução e professor do departamento de sociologia da Universidade Federal de São Carlos, Valter Silvério.



Como entender o continente africano como uma unidade, despido de estereótipos ou versões criadas pelo colonialismo? Em que fonte buscar informações sobre a não passividade negra com relação ao processo escravagista? Sim, essa é uma referência para essas e muitas outras questões que precisam ser vistas, principalmente pelo Ocidente. As publicações seguem certa ordem cronológica, sendo que o último volume traz uma visão mais contemporânea da África, desde 1935 até o período colonial.



O último volume se torna interessante, sem tirar a relevância dos anteriores, por trazer algumas discussões, em um dos capítulos, que envolve a diáspora, africanos ou descendentes de africanos fora da África, afirma Valter Silvério.



No mesmo volume, tratando-se de uma parte da pesquisa que fala de assuntos que chega mais perto da atualidade, algo que aparece de muito precioso é surgimento e o desenvolvimento de movimentos que lutaram pela independência dos países colonizados, como o Pan-africanismo [1], por exemplo. Há relatos, ainda no volume citado, de que alguns africanos escravizados no Brasil e em outros países da América Latina, além de ter participação assídua em significativos movimentos de libertação, após a “abolição da escravatura”, resolveram voltar aos seus países de origem para tentar evitar o avanço do genocídio e o etnocídio, fruto da colonização dos países europeus.



Como berço da humanidade a África deu vasta contribuição para produção do conhecimento científico mundial. Os volumes da coleção levantam com ênfase esses aspectos, desmistificando a ideia de que os países africanos eram ágrafos.



A África, com seus 54 países, como continente e não como país – é assim que muitos pensam dela, por incrível que pareça – não precisa de ajudas oportunistas. Ela, como muitos lugares do mundo, têm diversas ações positivas que podem ser visibilizadas. Isso não resolve os problemas, mas dá margem para que os leitores dos veículos de comunicação possam ver outras versões da realidade. Assim, como agora, em língua portuguesa, estudantes e docentes, leitores curiosos ou jovens, podem baixar a Coleção História Geral da África, em breve africanos e brasileiros terão a adaptação desses conteúdos em forma de materiais didáticos, anunciou a UNESCO.



Visibilizar detalhes da riqueza cultural africana e afro-brasileira contribui, significativamente, para a diminuição da discriminação racial contra os povos africanos, ou mesmo seus descendentes – maiores vítimas do racismo durante a história – através da desmistificação do continente africano, desconstruindo a visão equivocada que se tem dele.








[1] O pan-africanismo é uma filosofia que sugere a união de todos os povos da África como um modo de potencializar a voz e as ações do continente no contexto internacional. Movimento defendido mais fora da África, entre os descendentes de africanos que foram escravizados e levados para as Américas até o século XIX e dos emigrantes mais recentes. Em parte, o pan-africanismo, foi responsável pelo surgimento da Organização de Unidade Africana (OUA).

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Manoel Messias Pereira

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