terça-feira, 28 de maio de 2013

A Miscingenação do Brasil sob o olhar de Gobineau



A Miscigenação do Brasil sob o olhar de Gobineau

por Adriana Gomes

Sobre a Autora [*]
Artur de Gobineau

A degeneração na civilização

Arthur de Gobineau é considerado uma das figuras históricas mais polêmicas e controversas pelos seus pensamentos. Ele tornou-se Ministro da França no Brasil como eram chamados os embaixadores a total contragosto, diga-se de passagem, em 1869. Alegava que sua nomeação a esse cargo o obrigava a se separar da família e de Paris, além de obrigá-lo a conviver com uma população mestiça, algo para ele abominável.

Gobineau estava inserido nas discussões intelectuais do XIX acerca das raças humanas. Sua ideia central era defender um escalonamento racial. Para tanto, ele elaborou uma teoria classificatória da humanidade, onde a raça ariana ocupava o topo da hierarquia social. Os miscigenados, por não serem puros de sangue não teriam ordenação na sua teoria, eles seriam inclassificáveis pela ambivalência.

A mestiçagem refutada por Gobineau desumanizava o outro os mestiços. A esses não havia possibilidade de ocupação na escala racial, pois não havia como criar critérios para se classificar, nomear e ordenar com cientificidade, afinado com o pensamento moderno (SOUSA, 2006, 6).).).

Partindo desse pressuposto, para Gobineau a mestiçagem criava um povo degenerado, porque não conserva, nas suas veias, o mesmo sangue original que sucessivas misturas fizeram, gradualmente, modificar seu valor; em outras palavras... não tem conservado a mesma raça dos seus fundadores (GOBINEAU, 1853, 24).

Esse pensamento sobre a mestiçagem foi expresso por Gobineau em seu Essai sur l inégalité des races humanies (Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas), publicado em 1853 em quatro volumes, que teve uma enorme repercussão, sobretudo no início do século XX, quando se tornaria fundamental para as teorias racistas da história (ARENDT, 2011, 201).

As duas variedades da nossa espécie, a raça negra e a raça amarela são o fundo grosseiro, o algodão e a lã, que as famílias secundárias da raça branca amolecem, nele misturando a sua seda, enquanto que o grupo ariano, fazendo circular suas redes mais finas a traves de gerações enobrecidas, aplica na superfície, (...) seus arabescos de prata e de ouro. (GOBINEAU, 1853, 217)

Gobineau defendia a imensa superioridade dos brancos. Em sua concepção, seriam eles que dominavam a inteligência. No entanto, salientava que havia certa inferioridade dos brancos no que se refere à intensidade das sensações. Nesse aspecto, os negros e os amarelos seriam mais favorecidos, sobretudo, na sensualidade. Sobre essa questão, chega a considerar que nem todas as misturas sejam ruins ou daninhas , desde que o gênio artístico, igualmente estranho aos três grandes tipos, não tem surgido senão como consequência do himeneu dos brancos com os negros (GOBINEAU, 1853, 539). No entanto, esse caminho para Gobineau conduziria a melhora para as raças inferiores, mas em contrapartida lamentavelmente as maiores, na mesma hora, foram rebaixadas (GOBINEAU, 1853, 218).

Em decorrência da mestiçagem, Gobineau vislumbrava o fim inexorável da civilização. Esse seria o fenômeno mais relevante desse processo e o mais obscuro da história (ARENDT, Hannah, 2011, 201). Para tanto, ele defendia no Essai, que todas as grandes civilizações, desde os romanos, os persas e perpassando pelos os europeus, de sua época, entraram em decadência, porque o algoz propiciador dessa situação havia sido a miscigenação. Essa maculava as raças em sua essência, degenerando atributos físicos e morais, conduzindo para a derrocada.

Gobineau partia do princípio que todas as sociedades, em sua origem, foram constituídas por um dos tipos raciais puros (branco, negro e amarelo). Quando uma raça, ou uma sociedade ascendia ao estado de nação que ele não define com clareza o que entende por nação. A esta nação, dois caminhos foram delineados por Gobineau: conquistar ou ser conquistado. Nessa perspectiva, em qualquer um desses caminhos a ser escolhido, daria início ao processo de degeneração. A esse processo ele pensava o seguinte:

Eu penso portanto que a palavra degenerado , se aplicada a um povo, deve significar, e significa, que esse povo não tem mais o valor intrínseco que outrora ele possuía, porque ele não tem mais em suas veias o mesmo sangue, cujos cruzamentos sucessivos têm gradualmente modificado o seu valor, dito de outro modo: que com o mesmo nome ele não tem conservado a mesma raça dos seus fundadores: enfim, que o homem da decadência, este que se denomina o homem degenerado, é um produto diferente, do ponto de vista étnico, do herói das grandes épocas. (GOBINEAU, 1853, 162)

A degeneração passaria a ser completa, quando a influência do elemento racial originário da civilização criada não pudesse mais ser identificado. Segundo Arendt, ninguém antes de Gobineau cuidou de encontrar uma única razão, uma força única que rege as civilizações em sua ascensão e declínio. As doutrinas da decadência parecem ter alguma conexão ideológica íntima com o sentimento racista. (ARENDT,2011, 201)

Esse pensamento pessimista de Gobineau leva a concluir que sem a miscigenação não haveria civilização, e concomitantemente, sem miscigenação não haveria degenerescência. Com essa concepção formulada, Gobineau vangloriava-se de ter colocado a história na categoria das Ciências Naturais.

A fundamentação teórica de Gobineau tem como arcabouço um processo ambivalente, no qual a mestiçagem é o principal motor da história universal: origem da civilização ao mesmo tempo que causa do fim de toda a civilização humana. (GAHYVA, 2006, 557)

Como muitos dos pensadores racistas do século XIX, e já mencionado anteriormente, Gobineau atribuía aos arianos uma superioridade sobre as demais raças. Mas reconhecia que a variedade branca, pela sua dotação de uma sociabilidade civilizadora, que incrementava o processo de miscigenação, pois se valiam da lei de atração. No entanto, nas outras raças havia uma instintiva lei de repulsão que desautorizava os cruzamentos.[1]

Tolir a lei de atração não traria ganhos à civilização, muito pelo contrário, a inviabilizaria. Exemplificando esse pensamento, Gobineau estabeleceu um vínculo entre os negros e o talento artístico, defendendo a ideia de que sem eles o intelecto racional branco seria incapaz de desenvolver artisticamente. A universal potência a imaginação (...) não tem outra causa que a influência sempre crescente do princípio mélanien (GOBINEAU, 1853, 472-473). A miscigenação também seria a responsável pelo refinamento dos costumes e das crenças e temperança das paixões e desejos (GOBINEAU, 1853, p. 343).

Na sua percepção do caos, a mistura racial fundava, desenvolvia e no final destruía as civilizações. A infinita miscigenação levaria a civilização a homogeneidade total e a igualdade absoluta entre os homens. Em qualquer miscigenação, defendia Gobineau, é a raça inferior que acabava preponderando.

Ao escrever o Essai, Gobineau não mensurou o possível uso de suas ideias teorizadas como uma ferramenta para o uso político. Por isso, teve a coragem de chegar às consequências, inteiramente sinistras, da sua lei do declínio . (ARENDT, 2011, 201) Ele previu cientificamente , o desaparecimento definitivo do homem na Terra. Profetizou a ruína e o fim da humanidade num lento cataclismo natural.

Ingenuamente, Gobineau acreditava nas doutrinas do século XVIII sobre a origem dos franceses. Essas doutrinas afirmavam que os burgueses descenderam de escravos galo-romanos e os nobres dos germânicos. Daí a sua obsessão em afirmar veementemente o seu título nobiliárquico francês, chegando ao exagero de afirmar que descendia, por intermédio de pirata escandinavo, do deus germânico Odim e gabava-se por também pertencer à raça dos deuses (ARENDT, 2011, 202).

Segundo Helga Gahyra, Gobineau já dizia encontrar, em seu tempo, os sintomas da decadência por ele anunciada: o espírito democrático. A esse a vitória seria inelutável, porque nada mais era do que o ideal espontâneo dos povos mestiços. A ideologia natural e dominante de uma humanidade misturada (GAHYRA, 2006, 258). O que desejava Gobineau era procurar na política a definição e a criação de uma elite que substituísse a aristocracia (ARENDT, 2011, 203). O conceito de raça tornava possível propor uma raça de príncipes , os arianos, como membros de uma aristocracia natural, destinada a dominar todas as outras não-arianas.

Através da raça, podia ser formada uma elite com direito às antigas prerrogativas das famílias feudais, e isso apenas pela afirmação de que se sentiam como nobres . Através da aceitação da ideologia racial e com a prova de ter sido bem nascido e de ter sangue azul em suas veias: a origem superior recebida pelo nascimento implicava direitos superiores (ARENDT, 2011, 204). Daí com a decadência da nobreza, Gobineau concebeu duas consequências contraditórias: o declínio da raça humana e a formação de uma nova aristocracia natural.

Essa nova aristocracia natural, no século XX, resolveu as contradições de sua teoria, quando iniciou o inevitável declínio da humanidade num supremo esforço de destruí-la (ARENDT,2011, 204).

Gobineau no Brasil

Ao chegar à capital do Brasil em 1869, que encarou como um castigo, Gobineau teve que passar a conviver com os degenerados e malandros brasileiros (RAEDERS, 1998, 10). Segundo o próprio confessava em cartas à família, os momentos de alívio ao sofrimento que passava por estar no Brasil, era atenuado quando conversava informalmente com o imperador D. Pedro II. Na sua concepção, o imperador era um ariano puro ou quase...

A única relação, realmente do Gobineau no Brasil era com o D. Pedro II. Com os brasileiros, ele mantinha pouco contato. Essa constatação acaba gerando suspeitas pelas descrições, ao seu ver, tão analíticas do comportamento dos mesmos sem a convivência próxima. Os seus próprios colegas do corpo diplomático, de outras nacionalidades europeias, eram desprezados pelo Gobineau.

Em suas correspondências diplomáticas, ele não poupava palavras preconceituosas para expressar a sua opinião sobre os brasileiros, referindo-se a uma população que se compõem de sangue misturado, mulatos, caboclos de graus diferentes. Expõe que essa miscigenação atingiu os brasileiros de diversas posições sociais. Para tanto, chegou a citar o Barão de Cotegipe, ministro dos assuntos estrangeiros da época, como o exemplo de um mulato, que ocupava um cargo de respeitabilidade no governo do país. Essa exposição era uma forma de legitimar as suas afirmações: no Brasil, salvo pouquíssimas exceções, os homens de cor que predominavam.

Quando se referia as apreciações das qualidades físicas ou morais dos brasileiros, Gobineau não poupava observações pejorativas. A miscigenação havia resultado no Brasil uma compleições raquíticas, que se nem sempre repugnantes, são sempre desagradáveis aos olhos (GOBINEAU, 1853, 90). Como a miscigenação havia atingido todos os níveis sociais, a degenerescência do mais triste aspecto (GOBINEAU, 1853, 90). Até as três damas de honra da imperatriz eram criaturas repugnantes (...) uma marrom, outra chocolate-claro, e terceira, violeta (...). Todas simplesmente hediondas. (...) O gosto pelos trajes mais escandalosos não consegue embelezá-las. (...) São bolas que rolam (GOBINEAU, 1853, 90).

Apesar da mistura de raças ser algo fora das suas concepções teóricas. No caso do Brasil, Gobineau defendeu a via da imigração como a única maneira de conter a degenerescência do país.

Mas, se em lugar de se reproduzir por ela mesma, a população brasileira estivesse em situação de minorar com vantagem os elementos desgraçados de sua constituição étnica atual, fortificando-os por alianças de valor mais alto com raças europeias, então o movimento de destruição observado em suas classes cessaria e daria lugar a um curso totalmente oposto. A raça se levantaria, a saúde púbica melhoraria, o temperamento moral se veria recuperado e as modificações mais felizes se introduziriam no estado social de este admirável país. (GOBINEAU, 1853, 90-91)

Gobineau, mesmo após alguns meses de contato com os brasileiros, continuava a defender a sua hipótese de que pessoas com ascendências em dois grupos étnicos diferentes, supostamente, ficariam impossibilitadas de gerar descendentes. Segundo suas estimativas, a partir de dados duvidosos: Eu ouvi estimar em muito menos a soma da população do Brasil referindo-se ao Censo Populacional realizado em 1872. A população brasileira já estava trilhando esse caminho: a extinção. Para Gobineau era impossível desconhecer que os brasileiros não são nem trabalhadores e nem fecundos (PETRUCCELLI, 1996, 135).

A visão pessimista de Gobineau, em relação ao Brasil, partia do pressuposto da inviabilidade de uma nação composta por raças mistas (SCHWARCZ, 2008, 36). As nações miscigenadas, como o Brasil eram instáveis, desequilibradas e decaídas. A degeneração era inevitável e conduziria ao fim da existência do Brasil. Gobineau chegou a estipular um prazo para a durabilidade do país: Será preciso menos de 200 anos, em realidade, para ver o fim da posteridade do Costa Cabral (sic) e dos emigrantes que o seguiram (GOBINEAU, 1874).

Essa argumentação de Gobineau era embasada em teorias criadas por ele, não só pensando no Brasil, mas no continente americano como um todo, pois todos os países do continente estavam fadados a esse processo de infertilidade e extinção.

Todos os países da América, seja norte, seja sul, mostram hoje em dia uma forma irrefutável que os mulatos de diferentes graus não se reproduzem além do número limitado de gerações. A infecundidade não se encontra sempre nos casamentos; mas os produtos chegam gradualmente a ser de tal maneira perniciosos, tão pouco viáveis, que desaparecem, seja antes de ter dado à luz descendentes, seja deixando crianças que não podem sobreviver. (GOBINEAU, 1874)

Numa de suas críticas ao pensamento de Gobineau, Tocqueville [2] ressaltava que as ideias pessimistas do conde refutavam qualquer esforço de se construir um país, ao afirmar que os destinos dos homens estavam atrelados a uma raça. Esse pensamento conduziria a uma resignação e naturalizava a desigualdade, tornando a ação política dos cidadãos ineficaz ao processo de mudanças. Construía o fatalismo, que eliminava a iniciativa individual no terreno da História.

Que interesse podemos ter em persuadir povos covardes, que vivem na barbárie, na indolência ou na servidão que, se encontrando neste estado pela natureza de sua raça, não há a fazer para melhorar sua condição, mudar seus costumes ou modificar o seu governo. [3]

Gobineau com seus relatos pessimistas sobre a miscigenação e com suas teorias raciais, pode até ser considerado um dos precursores do racismo, uma espécie de profeta. Hannah Arendt denominou Gobineau como uma mistura de nobre frustrado e intelectual romântico (ARENDT, 2011, 203). Em sociedades cuja miscigenação era um prognóstico, como o caso brasileiro, as suas pressuposições racistas não eram somente um exercício de imaginação, mas uma realidade vivenciada.

Referências Bibliográficas

- ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

- GAHYVA, Helga. Tocqueville e Gobineau no mundo dos iguais. Rio de Janeiro: Revista de Ciências Sociais, Vol. 49, 2006.

- GOBINEAU, Arthur de. Essai sur l'inégalité des races humaines. Paris: Librairie de Firmin Didit Frères, 1853.

- _____. L e Emigration au Brésil. Le Correspondant, t.96, 25/7/1874.

- PETRUCCELLI, José Luís. Doutrinas Francesas e o Pensamento Racial Brasileiro 1870-1930. Rio de Janeiro: Revista Estudos da Sociedade e Agricultura, 1996.

- RAEDERS, Georges. O inimigo cordial do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1988.

- SCHWARCZ, Lilia M. O Espetáculo das Raças : cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

- SOUSA, Ricardo Alexandre Santos de. O Conde Gobineau e o horror à ambivalência. Rio de Janeiro: Anpuh, 2006.

* Mestre em História Política/UERJ; Professora SEEDUC/RJ

[1] Esse pensamento é atribuído a Gobineau no artigo da Helga Gahyva.

[2] Gobineau trabalhou, quando rapaz, no gabinete de Alexis de Tocqueville, então Ministro das Relações Exteriores na França. Desse contato, que Gobineau começou a trilhar o caminho da diplomacia. O diálogo entre os dois pensadores franceses ficou registrado nas cartas que trocaram desde agosto de 1843 até a morte de Tocqueville.

[3] Apud Alexis de Tocqueville in Tocqueville e Gobineau no mundo dos iguais, p. 558.





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Manoel Messias Pereira

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