quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A Escrita da História da Especialização em Educação para Relações Étnico-Raciais na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESP)


A Escrita da História da Especialização em Educação para Relações Étnico-Raciais na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)

por Carina Merkle Lingnau e Sônia Maria dos Santos Marques

Sobre a primeira autora[1]

Sobre a segunda autora[2]

As palavras são pura energia

Minha mãe ensinava que há palavras que nunca se deve

dizer, jamais dirigi-las a pessoa alguma.

E que há outras que têm o dom de

Construir, de fortalecer quem as ouve ou lê.

(Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva)

A energia das palavras utilizada na construção de discursos centrados na discussão étnico-racial gerou trabalhos acadêmicos no Curso de Especialização em Educação para Relações Étnico-Raciais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Lingnau e Marques (2013, p.1) ao descrever o Curso de Especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais declaram que

o Curso de Especialização para a Educação em Relações Étnico-Raciaisiniciou no município de Francisco Beltrão, PR no ano de 2010 apósconvênio firmado entre o Programa Uniafro/MEC/SECAD e Unioeste. O processo de organização do curso na Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, Câmpus Francisco Beltrão desenvolveu-se a partir de relativa persistência, visto que a documentação foi enviada para os órgãos competentes já no ano de 2007, antes ainda da criação da Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o ensino de História Indígena na escola. Este também foi um dos motivos pelos quais o Curso não contemplou, de forma direta, a questão indígena. O projetoCurso de Educação para as Relações Étnico-Raciais teve como objetivo analisar, discutir e pensar propostas de intervenção pedagógica que contribuíssem para a superação do preconceito e racismo no cotidiano escolar. No momento atual, medidas efetivas são tomadas para a reversão da situação de vivência hierarquizada das relações étnico-raciais no âmbito educacional. Vivemos um contexto de proposições e implementações de políticas de ação afirmativa, relacionadas à educação dos afro-descendentes e indígenas, etnias que ainda enfrentam obstáculos na conquista da cidadania. Nesse sentido, cabe destacar a alteração provocada pela Lei 10.639/2003 art. 26 da Lei 9.394/96 que determina a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, na Educação Básica.

Desta ação marcada por diferenciação e ousadia ao discutir questões étnico-raciais na região sudoeste do estado do Paraná resultaram 24 monografias, as escritas dos acadêmicos-professores[3] da rede municipal e estadual da região supracitada. Os municípios envolvidos na propagação ou abordagem do discurso étnico-racial nas práticas de sala de aula foram segundo Lingnau e Marques (2013,p.2) Ampére, Coronel Vivida, Enéas Marques, Francisco Beltrão, Marmeleiro, Realeza, Renascença e São João. Para localizar a leitora, o leitor geograficamente, seguem dois mapas abaixo:

Figura 1 Mapa Francisco Beltrão, PR



Fonte: http://www.paranaturismo.com.br/cidades/franciscobeltrao/

Figura 2 Mapa Região Sudoeste do Paraná



Fonte: http://www.planejamento.mp.pr.gov.br/

Assim, neste espaço geográfico em que até 2010 não havia sido gerenciado nenhum curso de especialização gratuito e com ênfase nas relações étnico-raciais através da formação centrada na diversidade, a comunidade recebeu 24 monografias, das quais os títulos seguem no quadro abaixo:

Quadro 1 Monografias

MONOGRAFIAS PRODUZIDAS NO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

1. Educação para as relações étnico-raciais: análise das dissertações armazenadas na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) produzidas no programa de pós-graduação stricto sensu em Letras Unioeste (2005 a 2010)

2. Equipes multidisciplinares: limites e possibilidades da ação pedagógica

3. Cotas raciais nas universidades brasileiras: uma discussão entre intelectuais e movimentos sociais negros

4. Movimento Hip Hop: juventude, rap e questão racial

5. A cultura negra na sociedade brasileira: influências sociais e culturais

6. Os desafios quanto a aplicabilidade da lei 10.639/03 e 11.645/08 nas escolas públicas do Núcleo Regional de Educação de Francisco Beltrão: um olhar para as equipes multidisciplinares

7. Análise e discussão do estatuto de igualdade racial: Lei n.12.288/2010

8. Expressões culturais afro-brasileiras como princípio educativo

9. Considerações sobre as religiões de matrizes africanas no Brasil

10. A capoeira como possibilidade pedagógica na formação de uma identidade afro-brasileira

11. Tecnologia e diversidade cultural: perspectiva para o processo de ensino e aprendizagem

12. Discutindo questões étnicas no ensino de geografia: o uso de tecnologias como recurso didático

13. Geografia e diversidade: alguns apontamentos pertinentes

14. Desafios das equipes multidisciplinares no contexto da escola

15. Coleção africanidades: uma análise sobre a questão racial

16. As contribuições da música e dança africana e Afro-Brasileira na construção cultural de nosso país

17. Imagens e narrativa: trajetória educativa de mulheres quilombolas jovens

18. O ensino de geografia e a Lei 10.639/03: o que dizem as DCEs e os cadernos temáticos sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira

19. O negro e a representação nas imagens dos livros didáticos de geografia da 6ª série (7º. Ano)

20. Mediados pela própria história: análise dos laudos antropológicos nos processos de titulação das comunidades de João Surá e Invernada Paiol de Telha

21. A participação da mulher na obra Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado

22. Os desafios da avaliação para a diversidade no contexto da gestão escolar democrática

23. Professores (as) de arte e relações étnico-raciais: atividades realizadas em sala de aula

24. O enfoque do negro no livro didático de português no 8º ano do ensino fundamental

Neste sentido, Certeau (1982, p.25) afirma que

pode ser também que, atendendo-se ao discurso e à sua fabricação, se apreenda melhor a natureza das relações que ele mantém com o seu outro, o real. A linguagem, não tem ela como regra implicar, embora colocando-a como outra que não ela mesma, a realidade da qual fala?

Certeau neste trecho reforça a importância do discurso, da fabricação de discursos, o que fortalece a relevância da escrita das monografias e a fala destes professores envolvidos no treinamento de um olhar voltado ao contexto da realidade étnico-racial. Ao refletir sobre sua pesquisa com alunos e suas relações com as diferenças, Silva (2011, p.111-112) manifesta o seguinte pensamento:

Como considerar as especificidades dos afrodescendentes, dos ciganos, dos indígenas, das pessoas em luta por terra, moradia, trabalho, utilizando perspectivas que lhes são alheias? Como valorizar essas especificidades nas salas de aula, se os que delas são portadores, muitas vezes, talvez quase sempre, as escondem para serem aceitos, valorizados? Tais perguntas me acompanham e me fizeram ver a necessidade de reeducarmos relações étnico-raciais, bem como outras relações sociais, se tivermos sinceramente o intuito de contribuir para a formação de cidadãs e cidadãos que trabalhem por uma sociedade justa. Diante dessas questões e constatações, vi-me comprometida a incluir, entre os critérios para avaliar a pertinência e relevância dos estudos que realizo, sua contribuição para processos de aprender-ensinar-aprender.

Neste movimento de aprender-ensinar-aprender que os acadêmicos-professores levaram suas experiências de sala de aula para a discussão acadêmica e depois retornaram às salas de aula e compuseram suas escritas neste deslocamento de posições em que os sujeitos passavam de acadêmicos para professores e vice-versa até que chegou o tempo da escrita do trabalho final.

Assim, na intenção de trabalhar com especificidades e fazer disso uma prática também de sala de aula, como atividade acadêmica os trabalhos foram encaminhados para a Biblioteca da Unioeste do Câmpus Francisco Beltrão no ano de 2011. Das 24 monografias 6 já estão publicadas em periódicos científicos, jornais ou eventos, o que se desdobra em 11 publicações como resumos em anais de forma impressa ou virtual. O quadro abaixo demonstra os trabalhos publicados até o momento.

Quadro 2 Publicações em periódicos

PUBLICAÇÕES RESULTANTES DAS MONOGRAFIAS DESENVOLVIDAS NO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Acadêmica (o)

Título do Trabalho e Local de Publicação

Carina Merkle Lingnau

1. LINGNAU, C.M.; MARQUES, S. . História das Relações Étnico-Raciais na Unioeste: Análise de Dissertações no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras Unioeste (2005-2010). História e-História, v. 2, p. 1-4, 2013.

2. MARQUES, S. ;LINGNAU, C. M. Como os trabalhos de pesquisa sobre os grupos étnico-raciais nas universidades podem auxiliar na produção de conhecimento científico. Jornal de Beltrão, Francisco Beltrão, p. 7 - 7, 31 maio 2012.

3. LINGNAU, C.M.; MARQUES, S. educação para as relações étnico-raciais: análise de dissertações no programa de pós-graduação stricto sensu em Letras Unioeste (2005-2010). in: IX ANPEDSUL 2012 - seminário de pesquisa em educação da região sul, 2012, Caxias do Sul.

Claudia Cristina B. de Barros

1. BARROS, C. C. B.. o debate em torno das cotas raciais entre os intelectuais e movimentos sociais negros. In: IV Seminário nacional interdisciplinar em experiências educativas, 2012, Francisco Beltrão. Anais do Seminário Nacional Interdisciplinar em Experiências Educativas, 2012. p. 1261-1273.

2. BARROS, C. C. B.. II Colóquio Nacional de Educação e Questões Étnicas: Formação de Professores. 2011. (Organização de Evento).

Claudia Farias

FARIAS, C.. Movimento Hip Hop: juventude, "rap" e questão racial. In: IV seminário Nacional Interdisciplinar em Experiências Educativas- SENIEE, 2012, Francisco Beltrão. Anais IV Seminário Nacional Interdisciplinar em Experiências Educativas- SENIEE. Francisco Beltrão: Campus de Francisco Beltrão, 2012. p. 633-645.

Jeovania Fabro Tomazi

TOMAZI, J.F; Daniela De Maman . Tecnologia e diversidade cultural: perspectiva para o processo de ensino e aprendizagem. In: IV Seminário Nacional Interdisciplinar em Experiências Educativas, 2012, Francisco Beltrão. IV Seminário Nacional Interdisciplinar em Experiências Educativas, 2012.

Letícia Risso Casagrande

CASAGRANDE, L. R.; ALMEIDA, R. M. ; Silvia Pelizzer . As belezas e a cultura da África representada no ensino de Geografia e Artes. 2011. (Curso de curta duração ministrado/Outra)

Raquel Biz Biral

BIRAL BIZ, Raquel. Ensino de Geografia e a Lei 10.639-O que dizem as DCEs e os Cadernos temáticos sobre a obrigatoriedade do ensino da historia e culrura afro-brasileira.. SENIEE, v. 4, p. 808-820, 2012.

Renata Maria de Almeida

1. ALMEIDA, R. M.. A represenração da diversidade étnicorracial nas imagens do livro didático de Geografia. 2012. (Apresentação de Trabalho/Seminário).

2. ALMEIDA, R. M.; CASAGRANDE, L.R. ; PELIZZER, S. . As belezas e a cultura da África representada no ensino de Artes e de Geografia. 2011. (Curso de curta duração ministrado/Outra)

3. IV Seminário Nacional Interdisciplinar em Experiências Educativas - SENIEE. A representação da diversidade étnicorracial nas imagens do livro didático de Geografia. 2012. (Seminário).

Isto posto, a experiência da escrita e a difusão do discurso que fala sobre as questões étnico-raciais pode expressar as ideias de Chartier (2002, p.81) que perpassam questões sobre a cultura da escrita.

Se as escritas expostas são um dos instrumentos utilizados pelos poderes e pelas elites para enunciar sua dominação e conquistar adesão -, são também uma forma de os mais fracos manifestarem sua existência ou afirmarem seus protestos.

Destarte, o discurso ainda que incipiente dos acadêmicos-professores, no início de trilhar pesquisas em torno da temática étnico-racial desperta um que de resistência, um embrionário estímulo de olhar para uma situação até então posta para este acadêmico-professor como natural, e ver nela um estranhamento, algo que parecia normal e natural anteriormente e que passa a ser questionado.

Ainda que muitas vezes a pesquisa e publicação destes trabalhos possam ter sido produzidas a partir de interesses pessoais, as minúsculas transformações a partir de palavras geradas através de energias que não tiveram a intenção de ferir, mas de construir novas versões ou novos olhares para questões nebulosas para muitos dos acadêmicos-professores, tornaram-se fundamentais para um processo de leitura diferenciado, além de um treinamento para orientar reflexões até então não percebidas ou expressadas no dia-a-dia dos acadêmicos-professores.

Assim, à medida que estes trabalhos adentram o universo do discurso científico, sendo levados a ambientes além de impressos também virtuais, outra discussão é iniciada quando Chartier (2002,p.23) declara que

A originalidade e a importância da revolução digital apoiam-se no fato de obrigar o leitor contemporâneo a abandonar todas as heranças que o plasmaram, já que o mundo eletrônico não mais utiliza a imprensa, ignora o livro unitário e está alheio à materialidade do códex. É ao mesmo tempo uma revolução da modalidade técnica da produção do escrito, uma revolução da percepção das entidades textuais e uma revolução das estruturas e formas mais fundamentais dos suportes da cultura escrita. Daí a razão do desassossego dos leitores, que devem transformar seus hábitos e percepções, e a dificuldade para entender uma mutação que lança um profundo desafio a todas as categorias que costumamos manejar para descrever o mundo dos livros e a cultura escrita. O que torna mais difícil, contudo, é a percepção da obra como obra. A leitura diante da tela é geralmente descontínua, e busca, a partir da palavra-chave ou rubricas temáticas, o fragmento textual do qual quer apoderar-se (um artigo em um periódico, um capítulo em um livro, uma informação em um web site), sem que necessariamente sejam percebidas a identidade e a coerência da totalidade textual que contém esse elemento.

Desta maneira, a recepção, a leitura dos textos é de certa forma direcionada à novas formas de lidar com o texto científico e acessar as informações de forma diferenciada. Além disso, está o desafio de inserir os trabalhos no espaço científico impresso ou virtual para maior alcance dos discursos elaborados pelos acadêmicos-professores da região sudoeste do estado do Paraná, pois até a presente data[4] já existem publicações online e impressas, porém ainda existem vários trabalhos para serem publicados no ambiente científico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,1982.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador, São Paulo, Editora na Unesp,1998.

CHARTIER, Roger. Os desafios da Escrita. São Paulo, Editora da Unesp, 2002.

LINGNAU, C.M.; MARQUES, S. . O Curso de Especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais: a aplicação da lei 10.639/2003 na região sudoeste do Paraná. História e-História, v. 1, p. 1-9, 2013.

PESAVENTO, Sandra, Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,vol. 8, n. 16, 1995, p. 279-290.

SILVA, P.B.G.e. Entre o Brasil e África: construindo conhecimentos e militância, Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.

[1] Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

[2] Professora Adjunta da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

[3] Neste artigo utilizamos a nomenclatura acadêmicos-professores para designar a situação em que se encontravam os alunos da Especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais, pois no curso foram acadêmicos ao mesmo tempo que naquele momento já atuavam, em sua grande maioria, em escolas municipais e/ou estaduais da região sudoeste do Paraná.

[4] Julho de 2013.





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Manoel Messias Pereira

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