domingo, 3 de abril de 2011
Gerações Kayabi
Gerações Kayabi conviveram com outros grupos indígenas, como os ApiakáPesquisa realizada no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP estudou a Terra Indígena Kayabi, na região do baixo curso do rio Teles Pires, divisa natural dos Estados de Mato Grosso e Pará (Amazônia Meridional). A partir de abordagens arqueológica e etnoarqueológica, o arqueólogo Francisco Stuchi, autor do estudo, observou a história de ocupação da área. Segundo ele, é um exemplo de palimpsesto; terra que, ao longo do tempo, já havia sido escolhida por povos indígenas e não indígenas para ocupação e manejo, onde hoje há vestígios arqueológicos desses grupos.
A pesquisa etnoarqueológica analisou o uso do espaço e as causas e consequências da mobilidade Kayabi, tendo por objetivo identificar os comportamentos de ocupação, reocupação e abandono. As análises estavam relacionadas às 9 aldeias atuais, mais 32 antigas e 9 áreas de kofet, termo da língua Kayabi para as áreas de florestas secundárias manejadas no passado.
Na Terra Indígena desse povo, o arqueólogo registrou uma série de vestígios em pedra e cerâmicos que configuram sítios arqueológicos. Isso constatou sua ocupação também por outras tribos indígenas desde o período pré-colonial. Grande parte dos sítios mostram-se associados ao contexto das Terras Pretas Antropogênicas Amazônicas (TPA).
Trajetória Kayabi
De acordo com Stuchi, ao longo de um século, a história Kayabi foi permeada por um intenso processo de ocupação, reocupação e abandono de suas aldeias. A trajetória é um exemplo de como esses processos estão ligados a diversos fatores — ecológicos, econômicos, sociais, históricos e culturais. Esses fatores aparecem como elementos fundamentais para a construção da história de formação do território que hoje o povo reivindica como deles.
“Para entender a história desse povo com o território é fundamental perceber o convívio das diferentes gerações Kayabi com outros grupos indígenas, como os remanescentes Apiaká. Eles também conviveram com seringueiros, órgãos governamentais (SPI e FUNAI), empresas mineradoras, garimpeiros e mais recentemente, madeireiros, posseiros, grandes fazendeiros, pousadas de pesca e os projetos para a construção de Pequenas e Grandes Usinas Hidrelétricas (PCH/UHE)”, diz Stuchi.
A dinâmica de ocupação Kayabi se desenvolveu a partir da reocupação dos sítios com TPA, antigos acampamentos de seringueiros e garimpeiros, ou seja, áreas manejadas no passado. “Estes locais, comumente associados à vegetação de capoeira, são priorizados pelos Kayabi tendo em vista a maior diversidade de oportunidades para a caça, coleta e principalmente para o desenvolvimento da agricultura”, explica Stuchi.
O estudo observou ainda que o surgimento de aldeias nas beiras dos rios — área onde existe TPA — facilita a dinâmica e comunicação com os não índios. Portanto, de acordo com as análises, as relações de troca e as relações comerciais continuam inseridas no contexto de vida indígena, nos dias atuais. “Por conta disso, é possível dizer que os povos indígenas prestam atenção em questões que vão além da subsistência, diferentemente do que muitos enxergam.”
Os Kawaiwete
A partir da revisão de documentos históricos e dos relatos orais Kayabi, o pesquisador constatou que o grupo — autodenominado Kawaiwete — foi o último a se estabelecer no baixo Teles Pires, no início do século 20. “Eles migraram para essa região por conta dos conflitos com a sociedade não indígena que iniciava a conquista e colonização de seu antigo território mais ao sul, na região do médio Teles Pires”, exemplifica Stuchi.
A dissertação de mestrado, cujo título é A ocupação da terra indígena Kayabi (MT/PA): história indígena e etnoarqueologia, demonstra que a formação deste território foi uma história de persistência e engajamento de diferentes gerações. “Eles lutaram e ainda lutam pela demarcação deste espaço e pela sua manutenção como lugar de significado social, político, cultural, histórico e ecológico”.
Segundo o arqueólogo, o estudo permite compreender que a dinâmica dos indígenas é muito diferente da nossa. “Para esses povos, o fato da terra já ter sido utilizada anteriormente significa que foi enriquecida pelas outras tribos. Aliás, no cotidiano de sua cultura, os jovens são impulsionados a se relacionarem com os anciãos, a fim de se identificarem com o passado e valorizarem a terra onde estão vivendo.”
O autor destaca que as pesquisas etnoarqueológicas ainda são poucas no Brasil, tendo em vista a acelerada marcha desenvolvimentista sobre os territórios indígenas. “É necessário ampliar o diálogos entre a Arqueologia, a Etnologia e a História Indígena em busca de um entendimento mais aprofundado e diversificado a respeito dessas populações que ocuparam e ocupam o Brasil, principalmente aquelas que tem sua autodeterminação constantemente ameaça.”
Mais informações: email chicostuchi@ig.com.br
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