Em certo poema, Carlos Drummond de Andrade verseja assim: “Não faça versos sobre acontecimentos”. Aniversários, comemorações, para ele, jamais deveriam ser postos em versos para não forçar a barra do elogio falso, quando não do auto-elogio. Redundariam em maus versos pela armadilha em que nos vemos enrascados.
Assim, escrever crônica sobre o Dia das Mães não deixa de ser um risco pela redundância que poderíamos criar. Mesmo assim eu me arrisco. Minha mãe já morreu há décadas mas, otimista como era, sei que agora ela me incentivaria nesta empreita.
Escrevo desde o interior de meu consultório e achei apropriado que assim fosse, pois este cenário me é pródigo de muitas passagens aqui ocorridas, desde filhos ou filhas na lamentação da dor da partida, muitas vezes prematura, outras vezes acompanhada de um sofrimento terminal bastante intenso e desestruturante. Mas, em contrapartida, aqui me lembro também dos bons momentos de júbilo pela mãe que recende a ternura pela família, que se desdobra em sua faina diária para complementar a renda familiar.
Sou do tempo em que mãe era aquela que nos chamava para o lanche da tarde, com o pão quente recém-saído do forno, ou o bolo de um aroma que só a mãe de nossa infância seria capaz de reproduzir. Saudosismo às vezes nos faz mal, mas é impossível fugir às nossas melhores recordações.
Recentemente espalhou-se pela mídia em geral, um fato juridicamente inédito, que obrigava um pai a indenizar sua filha pelo abandono afetivo de que ele era culpado. Sabemos que, embora recebendo uma boa bolada em reais, esta filha não recebeu, nem receberá de volta o carinho que nunca teve e pelo qual clama há muito tempo.
Falo disto porque gostaria de chamar a atenção para o abandono afetivo a que muitas mães são relegadas, depois de uma vida inteira de dedicação, quando ainda não eram incapazes, quando ainda conservavam sua autonomia e a punham à disposição da família. Sabemos que o ódio, ou a raiva, para ser mais ameno, são companheiros inalienáveis do amor, no sentido de que nem tudo é tão cor de rosa quanto idealizamos.
Assim, mesmo em se tratando de família, estes elementos estarão sempre presentes, justamente porque fazem parte da condição humana. Saber reconhecê-los para melhor lidar com eles deve ser o primeiro passo para nos entendermos como pessoas: sabermos de nossos melhores predicados ao lado de nossa fragilidade emocional, para não nos tornarmos presas fáceis de nossos demônios interiores. Ou seja: quando um poeta falou que “ser mãe é padecer num paraíso”, nos perguntarmos se, para nossas mães, valeu ou vale a pena o sacrifício de tantos anos de dedicação, que paraíso é este que propiciamos para que elas pudessem sentir a recompensa no amor e no reconhecimento que não lhes propiciamos.
WILSON DAHER
Psiquiatra; Rio Preto
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