Prostituição na adolescência
Sara R. Oliveira
2012-05-02
Desinteresse pela escola, vestuário mais audaz e adulto, mudanças nas relações interpessoais, linguagem em que a sexualidade é banalizada ou banida. Sinais que podem indicar que nem tudo está bem. Escola e família devem estar atentas.
Adolescência significa época de transição. Mudanças e descobertas. Curiosidade pelo sexo oposto. Um período complexo que importa acompanhar de perto. A relação com o próprio corpo ganha importância. A prostituição não pertence exclusivamente ao mundo dos adultos. É preciso descodificar sinais, entender comportamentos. O assunto não é abordado nos manuais escolares. Pais, professores, familiares e técnicos de saúde devem estar de olhos bem abertos.
"A prostituição na adolescência pode aparecer nos meios socialmente desfavorecidos como uma forma de alterar um registo deficitário na estrutura familiar, mas é acompanhada de vergonha, humilhação e estruturação emocional e psicológica que permitam lidar com uma realidade agressiva e violenta. Por vezes, repetem-se padrões familiares, numa reprodução fatal de quem não consegue romper ciclos socialmente impostos sem ruturas ou saídas pois as oportunidades não existem." Catarina Agante, psicóloga do Serviço de Psicologia e Orientação do Agrupamento de Escolas de Miragaia, aborda a prostituição na adolescência de diversos ângulos.
"Numa outra dimensão, temos uma prostituição que se associa a um estilo de vida onde a promiscuidade sexual se associa a uma transição para as relações interpessoais e a autonomia de vida acaba por se entrecruzar com relações das quais provêm bens materiais ou financeiros que socialmente não têm qualquer conotação pejorativa", refere. Modelos de vida que, sublinha, "estão confinados a níveis socialmente mais favorecidos" e em que "não existe a conotação da prostituição associada à prática do sexo em troca de uma recompensa". Ou seja, o não imediatismo da recompensa não vincula o ato.
Há sinais relevantes: absentismo escolar, vestuário mais audaz e adulto, maior poder económico, linguagem em que a sexualidade é banalizada ou totalmente banida. "Como se duas adolescentes passassem a existir", especifica a psicóloga. Na sua opinião, a prostituição na adolescência não é um problema educacional. "Mas os modelos parentais se são importantes na construção da identidade, também o são para a normalização ou não das condutas desviantes", observa. Todos têm de estar de olhos bem abertos. "A escola tem de estar atenta, a família tem de estar atenta, a saúde tem de estar atenta porque são diversas as dimensões que podem dar suporte a esta transição de vida."
Catarina Agante defende informação acompanhada. "A informação sem ação pedagógica apenas leva a estados de confusão que, muitas vezes, conduzem ao mau uso da informação. Os programas de educação sexual são uma realidade que se perceciona como essencial para os adolescentes, no entanto penso que tem de ser uma intervenção dimensionada em registos linguísticos muito ponderados às diversas faixas etárias e realidades culturais." "A intervenção está sempre associada à criação de formas alternativas de suporte às situações vivenciadas, procurando encontrar uma nova linguagem para a sexualidade que foi banalizada no sexo", reforça.
Adolescentes nesta situação requerem um bom suporte, já que o risco de absentismo, abandono escolar, reprovações, é muito grande. E os professores podem ter um papel determinante, uma vez que os primeiros sinais podem ser detetados dentro da sala de aula. "No entanto, é sempre uma realidade difícil de absorver e difícil de compreender, sendo importante que os professores tenham uma linguagem mais próxima dos adolescentes e das suas atuais solicitações e desafios." Catarina Agante não esquece as ideias feitas. "Considero ainda importante que naqueles níveis sociais mais favorecidos não se imponha o pré-conceito de que só acontece nos níveis sociais deficitários. O que acontece é que terá de ser transferida a importância do respeito do corpo, da intimidade, da sexualidade e do facilitismo e promiscuidade como comportamentos de grande risco em termos de saúde e em termos da identidade e construção da personalidade."
A escola terá sempre um papel de peso. "Cada vez mais somos o contexto de vida, construção, desafio, glória e fracasso dos nossos jovens e, por isso, teremos de ter linguagens mais funcionais e próximas deles. E a linguagem da sexualidade é uma das dimensões de saber crescer, crescer no respeito por quem sou", conclui Catarina Agante.
Mudança da aparência
É preciso atenção a certas atitudes. "Há sinais externos de desinteresse pela escola, alteração do estado de vigília, mudança da aparência e nas relações interpessoais", revela Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e investigadora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa. "Os professores podem ser um bom agente de deteção de casos de envolvimento em prostituição e abuso sexual de menores, de ambos os sexos. Os professores estão preparados para lidar com estas situações enquanto 'adultos de referência' e alguns têm já formação em técnicas de escuta e aconselhamento". Os docentes podem detetar um caso e comunicá-lo ao diretor da escola e da turma, ao psicólogo, ao professor coordenador da área de saúde, ao assistente social do centro de saúde.
Sexualidade informada é fundamental. "A educação sexual ajuda as crianças e adolescentes a estar informados e a saber defender-se e procurar desenvolver uma sexualidade saudável. Uma criança ou adolescente informado tem mais tendência a refletir e fazer escolhas em vez de se deixar 'ir' em situações, menos frequentemente se deixa 'enganar' ou seduzir por estranhos (ou por vezes por familiares, no seio do lar). Uma criança ou adolescente informado sabe melhor proteger-se e procurar ajuda quando não consegue sozinho resolver os problemas", sublinha. Margarida Gaspar de Matos considera "uma grande conquista" a lei que torna a educação sexual obrigatória nas escolas. Em seu entender, os gabinetes de apoio aos alunos "são da maior importância para a promoção do bem-estar dos alunos e prevenção de situações de abuso físico e sexual".
Muitas vezes, perde-se o rasto das jovens que entram no mundo da prostituição. A psicóloga Adriana Campos, da EB 2,3 de Leça da Palmeira, adianta, pelas pesquisas que tem feito, que as jovens "acabam por sair da escola, por ficarem de fora do sistema escolar". E, portanto, é complicado acompanhar o percurso de quem deixou os bancos da escola. "Na maior parte dos casos, as jovens são arrastadas para a prostituição por um adulto, o proxeneta, que conhece bem as suas necessidades psicológicas. Estas geralmente são provenientes de famílias marcadas pela brutalidade e instabilidade, que apresentam relações débeis e um padrão de desmembramento muito elevado", explica num artigo sobre o assunto, publicado no EDUCARE.PT.
O pediatra Mário Cordeiro não aborda de forma direta o tema no Grande Livro do Adolescente, mas dá orientações importantes. No capítulo dedicado ao amor e sexualidade, o médico define o conceito de abuso sexual que se pode expressar de várias formas: "desde o estupro e a violação até formas mais subtis, como a utilização de crianças e adolescentes para prostituição". "De uma forma geral, podemos considerar estar em face de um abuso sexual sempre que existe um atentado à expressão ou progressão normal da sexualidade, levando a criança ou adolescente a comportamentos forçados e inadequados à sua idade e à sua personalidade, designadamente para satisfação e prazer dos adultos", escreve.
Mário Cordeiro sublinha que frequentemente o abuso sexual é do conhecimento de familiares, sobretudo das mães. "No entanto, por várias razões psicológicas e circunstanciais (que têm a ver com as próprias e também com situações de medo, poder, dependência económica, etc.), gera-se um pacto de silêncio entre os diversos intervenientes, o qual permite aguentar a situação durante algum tempo mas que, mais cedo ou mais tarde, acabará por 'explodir', com graves traumatismos para todos os intervenientes".
O Centro de Atendimento de Jovens - Espaço Jovem da Maternidade Júlio Dinis, no Porto, atende jovens de ambos os sexos até aos 25 anos de idade. O atendimento é gratuito e anónimo e os técnicos prestam informação na área da sexualidade, planeamento familiar, fazem um acompanhamento ginecológico, rastreio de doenças sexualmente transmissíveis e dão apoio psicológico. Um serviço que existe desde março de 2004 e que não faz diagnóstico na área da prostituição na adolescência, apenas acompanha um pequeno grupo de mulheres, com cerca de 24 e 25 anos, referenciado por uma instituição.
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