Opinião pública conseguiu mudar deliberações da censura
Por João Ortega - joao.ortega@usp.br
Editoria : Sociedade
Quando as pessoas se movimentam contra uma proibição do Estado, elas podem conseguir reverter a decisão. O mesmo pode acontecer se elas desejam que algo que foi liberado pelo governo seja proibido. Um estudo realizado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP procurou confirmar essas hipóteses por meio da análise da censura sobre quatro peças de teatro das décadas de 1950 e 1960, sendo três brasileiras e uma portuguesa: Perdoa-me Por Me Traíres (1957), de Nelson Rodrigues; A Semente (1961), de Gianfrancesco Guarnieri; Roda Viva (1968), de Chico Buarque ; e a portuguesa Promessa (1957), de Bernardo Santareno.
Passeada de artistas, em 1968, em protesto contra a censura ao teatro
Segundo o estudo, a decisão de liberar ou não a exibição da peça pela censura do Estado foi mudada, após mobilização coletiva, nos quatro casos. A autora da pesquisa, Carla de Araujo Risso, que é mestre em Jornalismo e Linguagem, procurou diferenciar a censura realizada pelo governo do controle social, ou seja, as regras impostas pela moral e costumes da própria sociedade. “Qualquer sociedade tem suas normas de comportamento, tabus, leis que regulam os discursos, o modo de vestir, os atos religiosos e a expressão sexual, sendo uma democracia ou não”, afirma a pesquisadora. Dessa maneira, a opinião pública sempre estará policiando todas as questões sociais, independente da ação do governo.
Carla conta que, em alguns casos, a movimentação popular ocorreu mesmo sem as peças terem sido exibidas. Isso mostra que muitas informações acerca do roteiro, da atuação e de outros fatores vazam para o público, independentemente da censura. O estudo ainda verificou a participação da imprensa na divulgação de informações sobre os processos censórios. A pesquisa de doutorado O ato da sociedade paulista: Opinião pública e censura ao teatro de 1957 a 1968: manifestações populares presentes nos processos do Arquivo Miroel Silveira da Biblioteca da ECA/USP foi orientada pela professora Mayra Rodrigues Gomes.
Teatro
É notável que as peças de Rodrigues e Guarnieri foram criadas antes da Ditadura Militar, que tornou a censura federal e mais rígida. Já a peça portuguesa, de Bernardo Santareno, foi lançada durante o governo ditatorial de Salazar.
As peças eram polêmicas por causa de aspectos transgressores em relação aos valores da sociedade e do Estado na época em que foram realizadas. Perdoa-me Por Me Traíres apresentava cenas de incesto, masturbação, aborto e prostituição. A Semente foi considerada subversiva por tratar da militância de esquerda e de células do Partido Comunista, que, na ocasião, encontrava-se na ilegalidade. Roda Viva mostrava a televisão e a fama como uma alegoria da religião católica, com diversas críticas inseridas. A Promessa criticava valores discriminatórios, principalmente na questão sexual, que existiam na moral portuguesa.
A peça de Nelson Rodrigues havia sido liberada pela censura do Rio de Janeiro mas não chegou a entrar em cartaz em São Paulo. Vale ressaltar que a censura na época era organizada por estado. Em meio a idas e vindas do processo censório, grupos católicos, antes da exibição da obra, conseguiram mais de 3 mil assinaturas pedindo a sua proibição. Dessa forma, o governador Jânio Quadros decidiu que Perdoa-me Por Me Traíres não iria ser apresentada.
A Semente foi proibida logo de início. A obra causou tanto incômodo que o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), ferramenta de repressão política e social, interveio para garantir que a peça não seria exibida. Vale ressaltar que é um departamento federal, e a censura na época era organizada por estado. Entretanto, após grande manifestação das classes artísticas, o processo foi revisto, e a apresentação foi permitida, mas restrita apenas ao Teatro Brasileiro de Comédia.
Já a obra de Chico Buarque tinha sido liberada, sem cortes, para maiores de 18 anos. Porém, um grupo paramilitar se revoltou contra o teor apresentado por ela e em duas ocasiões, uma em São Paulo e outra em Porto Alegre, agrediram o elenco com violência. Devido a esses dois incidentes, o Estado resolveu interditar a peça.
Em Portugal, segundo a pesquisadora, a situação era diferente. “No Brasil, tínhamos a possibilidade de falar que havia censura”, afirma Carla. No país europeu, porém, o controle das ideias era maior. A peça A Promessa, mesmo com essa configuração social, foi liberada. Após a estreia na cidade do Porto, a Igreja Católica, por meio da rádio Renascença e do semanário A Voz do Pastor, empreendeu uma intensa campanha contra o espetáculo. Ocorreram alguns protestos no Porto e em Lisboa, com telegramas enviados ao próprio presidente do Conselho, Salazar. As manifestações de repúdio à peça desencorajaram seu encenador, António Pedro, a levar a montagem para outras cidades portuguesas.
Fama
A questão da fama também está presente na pesquisa. Segundo Carla, quanto mais famosos os criadores da obra, sejam os escritores, diretores ou atores, maior é a chance de existir interesse da mídia e, consequentemente, movimentação popular acerca dela. As quatro peças tratadas têm integrantes famosos na sua produção e, por isso, o controle social nelas foi muito grande. As informações sobre o roteiro, por exemplo, correm por uma parcela maior da sociedade se há algum nome que chame atenção. Embora todas as obras teatrais passassem pela censura prévia de 1928 até a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, nem todas ganharam grande atenção da opinião pública. Estas ganharam e, por isso, as decisões do Estado foram revistas, pois a censura não é impermeável à sociedade na qual se insere.
Imagem: Douglas Alexandre (revista ”O Cruzeiro”, 2 de março de 1968) / Cedida pela pesquisadora
Mais informações: (11) 9171-7613; email carlarisso@yahoo.com ; com Carla de Araujo Risso
Sobre a Agência
Av. Corifeu de Azevedo Marques, 1975 - 1º andar
CEP 05581-001 - São Paulo - Brasil
+55 11 3091-4411 - E-mail: agenusp@usp.br
© 2000-2012 Universidade de São Paulo
Universidade de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
opinião e a liberdade de expressão