Livro de Jofre Rocha é um testemunho da resistência ao colinialismo
Fotografia: Jornal de Angola
Poetas e prosadores começam a afirmar com a “Geração da Mensagem” novos valores simbólicos angolanos na literatura em contraposição à portugalidade e entre os anos 50 e 80 um tema recorrente entre os ficcionistas mais interventivos da modernização da literatura angolana é a linguagem coloquial que mobiliza o imaginário oral da periferia urbana
O rico catálogo da literatura angolana consagra o engenho estético e a imaginação criativa de distintos prosadores e talentosos poetas, alguns dos quais não fizeram mais porque lhes faltou em talento aquilo que lhes sobrou em vontade.
A despeito disso, essa fascinante produção artística e literária, sendo das mais antigas de África, encontra-se adormecida no sepulcro dos jornais, revistas e livros amarelecidos pelo tempo sempre implacável.
Numa perspectiva de periodização por que passa a análise de qualquer fenómeno literário enquanto processo diacrónico, entre estes cultores da palavra, poética e ficcional, sem prejuízo dos protonacionalistas como Cordeiro da Mata, Paixão Franco, Fontes Pereira e Apolinário Van-Dúnem (só para citar estes), sobreleva a “Geração da Mensagem”, seguida da “Geração da Cultura”, a “Geração da Guerrilha” e a chamada “Geração 70”.
Entre os poetas “mensageiros” que asseguram o desabrochar e mesmo a afirmação das “sementes germinantes” da Literatura Moderna Angolana avultam os nomes sonantes como Viriato da Cruz, Agostinho Neto, António Jacinto, o brilhante ensaísta Mário Pinto de Andrade e o célebre poeta Mário António, que se revelou aos 16 anos, ainda no jornal “O Estudante”
De Benguela temos Ernesto Lara Filho, a sua irmã Alda Lara, e Aires de Almeida Santos.
Depois seguiu-se a “Geração da Cultura”, tal como os “mensageiros”, dividida entre poetas e contistas, mas cujo principal cavalo de batalha é a ficção narrativa, ao contrário daqueles que apostam sobretudo na poesia, sem qualquer demérito para ambas as gerações. Antes pelo contrário, a execução de uma variedade de (sub)géneros literários só enriquece a literatura angolana desde então.
Ruptura discursiva
Entre os cultores da ficção narrativa, no grosso dos integrantes da “Cultura” temos Luandino Vieira, que no seu título “Luuanda” entra em ruptura com o português padrão, fazendo apelo à linguagem coloquial das gentes humildes do Musseque Braga e arredores, os irmãos Guerra (Henrique e Mário), além do etnólogo Henrique Abranches, sem desprimor para os poetas António Cardoso e João Abel, o do antológico poema “bom dia”, que narra a vida de um ardina, o negro João, calcorreando a cidade para vender jornais.
Os poetas e prosadores Costa Andrade e Manuel Lima fazem parte desta vaga que marcou a “rentrée” na cena da história cultural local, encetando a afirmação de valores simbólicos angolanos em contraposição à portugalidade; valores éticos e estéticos embebidos na matriz africana da cultura angolana, a angolanidade literária, sem prejuízo da contribuição do diálogo adulto com as correntes propulsoras que postulam o progresso material, espiritual e moral no mundo.
Manuel Lima viria a afirmar-se como um dos mais representativos autores angolanos na diáspora. É autor, entre outros títulos, de “As Lágrimas e o Vento”, retrato fiel das duas barricadas da guerra colonial. Depois publicou “Os Anões e os Mendigos”. Vale dizer que um destes cenários, a guerra de libertação nacional, também serve de espaço social e físico (a densa floresta). O ambiente psicológico está patente, de forma bem vincada, na dinâmica social de grupos das personagens de “carne e osso”, envoltas no clássico romance de Pepetela “Maiombe”, considerado pelo professor Russel Hamilton, nos idos de 70/80, como sinal claro de “inovação da literatura angolana”.
Estórias de musseques
Neste mesmo período vamos assinalar a emergência de mais poetas que prosadores, destacando-se ainda o ficcionista Manuel Rui, com “Regresso Adiado” e “Quem Me Dera ser Onda”, além de Ruy Duarte de Carvalho com “Como se o Mundo Não Tivesse Leste”, Jofre Rocha, que a par do poemário “Assim se Fez Madrugada” publica “Estórias do Musseque”, um tema recorrente entre os ficcionistas mais interventivos da modernização da literatura angolana desde os anos 50, 60, 70 e mesmo 80,incluindo a plasticidade da linguagem coloquial que mobiliza o imaginário oral da periferia urbana.
As “Estórias do Musseque” refundidas mais tarde, na segunda metade dos anos 80, representam um autêntico testemunho vivo dos diversos “tipos de resistência” ao colonialismo, sobretudo na decisiva fase crepuscular da sua derrocada, acelerada com o “élan” da famosa “Revolução dos Cravos”, ocorrida em Abril de 1974, em pleno coração do império.
Os colaboracionistas (cipaios, bufos e outros vendilhões do templo colonial) têm aí lugar de destaque como personagens pícaras, vincadamente negativas, dado o seu comportamento de lambe botas do sistema dominante de Salazar/Caetano. Venâncio, o herói, cruza de forma dialógica com a personagem Domingos Xavier, de “A Vida Verdadeira de Domingos Xavier”, de Luandino Vieira. Ambos são mártires, sacrificados pelos colonos e seus comparsas de baixo coturno. O fim trágico dos dois protagonistas, ambos trucidados pela máquina repressiva, fala por si.
Insistamos: um outro tanto há a dizer em relação à linguagem coloquial dos musseques, falada por gente humilde, entre quitandeiras e trabalhadores braçais (hoje, roboteiros), em contraposição ao português (vernáculo) elaborado pelos grupos socialmente mais privilegiados, localizados preferencialmente na Baixa da cidade, contextos sociais e humanos reelaborados e transmitidos pelas suas estórias.
Em termos de espaço ficcional, o conflito entre a cidade do asfalto e a areia vermelha do musseque encontra aqui uma “representação cénica” de relevo, que perpassa dramaticamente pela mente do leitor, o verdadeiro interlocutor destinatário.
Com os contos interventivos dos primos Domingos e Aristides Van-Dúnem, cujas matrizes temáticas e discursivas asseguram o fio condutor da literatura angolana, sedimentado na sempre animada resistência secular aos intrusos ocupantes coloniais, são (re)editados.
No fundo, no fundo, são propostas estéticas e literárias que abalam a ordem cultural/sociolinguística colonial e que não dispensam o resgate da tradição oral africana, seus mitos e ritos, para a (re)afirmação da avassaladora mensagem nacionalista e, quiçá, libertária.
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