sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Noite

Tenho que fazer poesia de noite, quando todos estão dormindo.
Quando a rua é escura, e por ela não viajam senão os espectros de meus irmãos, o seu sapato rôto, o seu pé, a sua cara sêca e vincada.

Tenho que fazer poesia de noite, nestas pesadas noites desta cidade tão igual, nesta noite única e total, úmida de suores, quando o meus irmãos deixaram toda a poesia espêssa no ar escuro, nesta noite feita de gestos mortos.

Tenho de fazer poesia de noite, mesmo que inútil, mesmo que não traga nas palavra aquela verdade mais bela - aquela verdade de Garcia Lorca; - mesmo que sejam, as palavras, meras escamas de um peixe morto. Ah, pelas veredas sujas do espaço, há um chumbo, um pêso perpendicular, uma gosma quase dura, como o resto de um pranto invisível. A noite se encarregou de diluí-los no ventre de sua tortura, a noite é uma tortura, a morte em elaboração. É a hora de não entender, e portanto de permanecer, querer sair e permanecer, mudo como uma face sem bôca - e mesmo assim tenho que fazer poesia de noite, enquanto o mundo se imola incenso grosso deixado suspenso  no ar pelo pensamento dos homens. A noite não tem ritmo, ela para como um espanto eternizado. Esta noite suja que percorre a minha pele, ela esta dizendo tudo. A fome, as coisas que riscam a cara dos homens, a esmola e a indiferença, caminham agora entre  os ciprestes adivinhados em nossa memória. Estão no espaço, sóltas, compondo silêncio da noite, aguardando o recomeço para atacar de novo  os homens, no seu amanhã. Há um peso denso na língua, um dinheiro, uma moeda. Tento cuspir o gôsto da noite e sei que e necessário fazer poesia de noite, principalmente porque os homens estão dormindo, e a gente se  vê melhor as coisa. Vê se por exemplo, pela janela o contôrno  de um animal, o dorso, o animal imenso que engoliu o mundo e fe dêle uma coisa dentro embutida.

A noite faz a digestão dos seres.
Tenho de fazer poesias de noite, tenho quando todos estão dormindo, e a gente se vê melhor as coisas, as coisas,



Roberto do Valle


poeta e cronista


São José do Rio Preto-SP ( já falecido).

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Manoel Messias Pereira

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