terça-feira, 17 de maio de 2011

A Literatura Militante deLima Barreto

A literatura militante de Lima Barreto


Sempre vem à mente a lembrança de um grande autor, quando da passagem de seu aniversário, mesmo após a sua morte. Justamente por que a obra de um grande autor torna-se imortal. É o caso do escritor Lima Barreto, que completaria 130 anos no dia 13 de maio

Por Marcos Aurélio RuyFilho de ex-escravos, o pai tornou-se tipógrafo, a mãe professora de 1ª à 4ª séries, Lima Barreto dizia sobre si: “nasci mulato, pobre e livre” tornou-se jornalista e transformou-se um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Reagiu com sarcasmo à hipocrisia da elite brasileira, que ele considerava preconceituosa. Simpático ao anarquismo inicialmente, impressiona-se com a Revolução Russa, de 1917, começa a militar na imprensa socialista.

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu a 13 de maio de 1881 no Rio de Janeiro. Estudou financiado pelo seu padrinho, o Visconde de Ouro Preto. Cedo descobriu seus penhores literários e era comumente encontrado na Biblioteca Nacional. Critica com veemência a visão elitista, arrogante, passadista e ufanista de parte dos literatos de então.

Surge daí os primórdios do movimento iniciado pela Semana de Arte Moderna de 1922, que ocorreria de 13 a 18 de fevereiro daquele ano, em São Paulo, pouco antes de sua morte. Recusado pela Academia Brasileira de Letras por duas vezes, foi maltratado pela crítica, justamente pelos seus pendores revolucionários de escrever as vicissitudes do homem comum do povo, com uma linguagem coloquial, que fugia aos padrões elitistas da época.

Suas obras criticavam o academicismo e a distância que grande parte dos intelectuais mantinha do povo. Pregava uma “literatura militante”, mostrava a vida dos subúrbios, dos pobres, dos negros, dos marginalizados, sem a idealização do romantismo e sem o rigor puramente estético do parnasianismo. Poucos escritores brasileiros se assumiram como negros como ele. Em 1919 ele suspendeu colaboração ao semanário ABC por terem publicado artigo racista. Lima Barreto foi vencido pelo alcoolismo falecendo aos 41 anos, no Rio de Janeiro, em 1º de novembro de 1922.

Renegado por muito tempo e ainda não valorizado devidamente, a história soube valorizar esse extraordinário escritor, que sempre defendeu a solidariedade humana como valor intrínseco ao homem, da justiça social e da igualdade contra toda a discriminação que ele mesmo sentiu na pela por ser pobre, negro, mas livre como autodefiniu, tornou-se, talvez, o nosso primeiro escritor modernista.

Algumas de suas obras:
Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909)
O Homem que Sabia Javanês (1911)
Aventuras do Dr. Bogóloff (1912)
Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915)
Numa e a Ninfa (1915)
Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919)
Histórias e Sonhos (1920)
Os Bruzundangas (1922)
Clara dos Anjos (1948)
Outras Histórias e Contos Argelinos (1952)
Contos do Reino de Jambom (1953)

Abaixo trecho de O Destino da Literatura, que era para ser uma conferência de Lima Barreto no interior de São Paulo. Conferência que nunca ocorreu, porque ele sumiu e só foi encontrado na sarjeta bêbado, de tanto medo da conferência, publicada pela Revista Souza Cruz, em 1921:

(…) Os homens só dominam os outros animais e conseguem em seu proveito ir captando as forças naturais porque são inteligentes. A sua verdadeira força é a inteligência: e o progresso e o desenvolvimento desta decorrem do fato de sermos nós animais sociáveis, dispondo de um meio quase perfeito de comunicação, que é a linguagem, com a qual nos é permitido somar e multiplicar a força de pensamento do indivíduo, da família, das nações e das raças e, até mesmo, das gerações passadas, graças à escrita e à tradição oral que guardam as cogitações e conquistas mentais delas e as ligam às subseqüentes.

Portanto, meus senhores, quanto mais esse poder de associação for mais perfeito; quanto mais compreendermos os outros que nos parecem, à primeira vista, mais diferentes, mais intensa será a ligação entre os homens e mais amaremos mutuamente, ganhando com isso a nossa inteligência, não só a coletiva como a individual. A arte, tendo o poder de transmitir sentimentos e idéias, sob a forma de sentimentos, trabalha pela união da espécie; assim trabalhando, concorre, portanto, par ao seu acréscimo de inteligência e de felicidade.

Ela sempre fez baixar das altas regiões das abstrações da filosofia e das inacessíveis da fé, para torná-las sensíveis a todos, as verdades que interessavam e interessam a perfeição da nossa sociedade; ela explicou a dor dos humildes aos poderosos e as angustiosas dúvidas destes, àqueles; ela faz compreender uns aos outros, as almas dos homens dos mais desencontrados nascimentos, das mais dispersas épocas, das mais divergentes raças; ela se apieda tanto do criminoso, do vagabundo, quanto de Napoleão prisioneiro de Maria Antonieta subindo à guilhotina; ela, não cansada de ligar as nossas almas uma às outras, ainda nos liga à árvore, à flor, ao cão, ao rio, ao mar e à estrela inacessível; ela nos faz compreender o universo, a Terra, Deus e o mistério que nos cerca, para o qual abre perspectivas infinitas de sonhos e de altos desejos.

Fazendo-nos assim tudo compreender; entrando no segredo das vidas e das coisas, a literatura reforça o nosso natural sentimento de solidariedade com os nossos semelhantes, explicando-lhes os defeitos, realçando-lhes as qualidades e zombando dos fúteis motivos que nos separam uns dos outros. Ela tende a obrigar a todos nós a nos tolerarmos e a os compreendermos; e, por aí, nós nos chegaremos a amar mais perfeitamente na superfície do planeta que rola pelos espaços sem fim. O amor sabe governar com sabedoria, e acerto, e não é à toa que Dante diz que ele move o céu e a alta estrela.

Atualmente, nesta hora de tristes apreensões para o mundo inteiro, não devemos deixar de pregar, seja como for, o ideal de fraternidade e de justiça entre os homens e um sincero entendimento entre eles.

E o destino da literatura é tornar sensível, assimilável, vulgar esse grande ideal de poucos a todos, par que ela cumpra ainda uma vez a sua missão quase divina (…)

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Manoel Messias Pereira

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