quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Juarez Távora e o Projeto Econômico do Grupo Tenentista no Poder (1930-1934)






Juarez Távora e o Projeto Econômico do Grupo Tenentista no Poder (1930-1934) (Parte 1)

por Guillaume Azevedo Marques de Saes


Sobre o autor[1]

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O tenentismo é um fenômeno histórico complexo e de difícil interpretação na medida em que possui diferentes facetas. Como definição de caráter mais geral, podemos dizer que foi um movimento político de jovens militares brasileiros que na década de 1920 pegaram em armas contra a república oligárquica, que estiveram entre as principais forças do movimento revolucionário de 1930 e que se tornaram um dos principais sustentáculos do governo de Getúlio Vargas em seus primeiros anos. Se observarmos mais de perto, no entanto, veremos que longe de consistir num movimento ideologicamente homogêneo ao longo de sua existência (início da década de 1920 a meados da década de 1930), o tenentismo comportou três tendências. A primeira delas é um tenentismo liberal, hegemônico durante os levantes da década de 1920 e defensor de uma reforma política de cunho liberal-democrático e moralizador do regime republicano, tendência cujo principal alvo era a extinção do sistema oligárquico e exclusivista inaugurado durante o governo presidencial de Campos Sales (1898-1902). A segunda é um tenentismo de esquerda surgido em 1930 com a dissidência de Luís Carlos Prestes e cujo discurso consistia na defesa de uma revolução popular contra o latifúndio e as potências imperialistas. Esta tendência se notabilizou pela recusa em participar da Revolução de 1930, por considerá-la uma revolução burguesa e um mero acerto de contas entre facções oligárquicas, e por uma intentona contra o governo de Getúlio Vargas em novembro de 1935. E finalmente a terceira consiste num tenentismo nacionalista surgido também em 1930 e que teve como principais expoentes o Clube 3 de Outubro e figuras como Juarez Távora e João Alberto. Esta tendência se destacaria pela defesa de um Estado forte e centralizado voltado para o desenvolvimento econômico do país e para uma política de bem-estar social, assim como por sua presença entre as principais forças revolucionárias de 1930 e entre as principais bases de apoio do governo de Getúlio Vargas no período 1930-1934.[2] Estudaremos aqui as posições da tendência nacionalista, que por seu papel histórico na construção do Estado brasileiro no período pós-1930 pode ser considerada a tendência mais importante do tenentismo.

A presença do tenentismo nacionalista entre as forças da coalizão revolucionária que pôs fim à república oligárquica em outubro-novembro de 1930 levou as principais lideranças do movimento a assumir papel de relevo nos primeiros anos da era Vargas. A heterogeneidade do movimento revolucionário de 1930, no qual estavam representados oligarquias dissidentes (Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba), oposições estaduais, facções liberais de classe média e reformistas radicais de tendência nacionalista, e a consequente indefinição inicial do novo regime, levaria os tenentes, por sua vez representantes da tendência nacionalista radical, a se constituir num grupo de pressão com o objetivo de colocar o governo Vargas no caminho das reformas necessárias à regeneração e à modernização do país. O próprio Getúlio Vargas, por sua vez comprometido ideologicamente com uma política de desenvolvimento tutelada pelo Estado, procuraria se apoiar no tenentismo como contrapeso às pressões da ala conservadora da revolução, constituída pelas dissidências oligárquicas e pelos liberais de classe média e defensora apenas de uma política de moralização e de reforma liberal-democrática do regime republicano seguida de uma rápida volta à vida constitucional. Isto explica a presença de lideranças tenentistas como interventores federais em diferentes Estados brasileiros, nos quais atuavam como agentes da centralização varguista. O tenentismo assume, portanto, nova função política no período ditatorial revolucionário de 3 de novembro de 1930 a 16 de julho de 1934, ao deixar de ser a manifestação armada das reivindicações liberais das dissidências oligárquicas e dos setores mais tradicionais das camadas médias urbanas para se tornar o principal sustentáculo de uma política de modernização e de desenvolvimento sob a tutela do Estado.[3]

Analisaremos aqui o projeto econômico de Juarez Távora, principal liderança do tenentismo no pós-1930 e maior representante da vertente nacionalista do movimento.

Se Luís Carlos Prestes e Siqueira Campos podem ser considerados as grandes lideranças militares do tenentismo, Juarez Távora foi sem dúvida a sua grande liderança intelectual. Além do mais, a partir de 1930, foi o porta-voz do movimento, num momento em que este assumiu maior definição ideológica e passou a contestar efetivamente as bases socioeconômicas da República Velha. Desta forma, a perda de Siqueira Campos, morto em acidente aéreo pouco antes da Revolução de 1930, e de Luís Carlos Prestes, que passou a liderar uma dissidência de esquerda, não significou um declínio do tenentismo, e sim uma nova fase, mais evoluída, na qual o movimento passou a defender propostas políticas, sociais e econômicas mais concretas.

Nascido em 1898 e originário de um ramo decadente da oligarquia cearense, Juarez do Nascimento Fernandes Távora era oficial da arma de engenharia do Exército. Tomou parte no levante tenentista de 5 de julho de 1922 no Rio de Janeiro, foi um dos principais articuladores e participantes dos levantes tenentistas de julho de 1924 em São Paulo e de outubro do mesmo ano no Rio Grande do Sul, e foi o subchefe do estado-maior da Coluna Prestes até a sua prisão no Piauí em dezembro de 1925. Na Revolução de 1930 comandou as forças revolucionárias nas regiões Norte e Nordeste. Este papel no movimento revolucionário de 1930 o levou a adquirir posição de destaque nos primeiros anos do governo Vargas e a assumir funções importantes dentro do aparelho de Estado. Após breve passagem pelo Ministério da Viação e Obras Públicas (novembro de 1930), chefiou em 1930-1931 a Delegacia dos Estados do Norte e Nordeste – órgão subordinado ao Ministério da Guerra e destinado a coordenar e a fiscalizar as atividades dos interventores federais nos Estados dessas duas regiões –, posição que lhe valeu o apelido de “Vice-Rei do Norte”. Seu cargo mais importante, entretanto, foi o de Ministro da Agricultura (22 de dezembro de 1932 a 24 de julho de 1934), no qual pode concretizar algumas aspirações do projeto econômico dos tenentes.

A nossa análise do projeto econômico de Juarez Távora vai se apoiar nos seguintes documentos: 1) as suas respostas públicas à dissidência de esquerda de Luís Carlos Prestes em meados de 1930; 2) as suas propostas constitucionais apresentadas à Assembleia Constituinte em 18 de dezembro de 1933; 3) o seu projeto de revisão tributária apresentado à Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e dos Municípios em 6 de dezembro de 1932; 4) as suas principais medidas à frente do Ministério da Agricultura.

A vertente nacionalista do tenentismo surgiu “oficialmente” com a resposta pública de Juarez Távora, datada de 31 de maio de 1930, ao manifesto dissidente esquerdista de Luís Carlos Prestes. Este, influenciado por militantes comunistas brasileiros e sul-americanos, rompera com seus companheiros de movimento em nome de um projeto de transformação da estrutura socioeconômica brasileira por meio de uma revolução popular que deveria se voltar contra o latifúndio e as potências imperialistas e que deveria instaurar um governo de tipo soviético baseado em conselhos de trabalhadores da cidade e do campo e de soldados e marinheiros. Seguidor do pensamento político nacionalista, centralizador e antioligárquico de Alberto Torres, Juarez Távora contestava as posições de Prestes e não acreditava na possibilidade de uma revolução popular num país em que as massas urbanas e rurais, miseráveis e ignorantes, careciam dos atributos necessários para uma insurreição generalizada (coesão, iniciativa, audácia e, sobretudo, eficiência bélica). Para Távora, a única revolução possível tinha de se basear nas mesmas forças que desde o início da década de 1920 lutavam contra a ordem vigente: militares revolucionários (isto é, os tenentes) e dissidências oligárquicas. Embora reconhecesse a exploração do proletariado por uma elite burguesa de banqueiros, industriais e fazendeiros, Távora não acreditava no sucesso da introdução do sistema soviético de conselhos de operários, soldados e marinheiros no Brasil e condenava todo projeto que defendesse a supressão da burguesia em proveito de uma ditadura do proletariado. Ao contestar a constituição republicana de 1891, para ele inadaptável ao meio brasileiro, Távora propunha um programa que continha o fortalecimento da liberdade civil por meio de uma reforma criteriosa da Justiça, o estabelecimento da independência econômica das massas por meio da difusão da pequena propriedade, o combate aos arbítrios do poder por meio da criação de um novo organismo de controle político, o equilíbrio social estabelecido pela representação proporcional de classes e a garantia de continuidade na solução dos grandes problemas nacionais pela introdução de conselhos técnicos que se superpusessem à temporariedade dos governos.[4]

Em outro manifesto, datado de meados de julho de 1930, Juarez Távora aprofundava a discussão de algumas de suas divergências políticas e ideológicas com Prestes. Embora concordasse com o diagnóstico dos problemas apresentado por este último – o caráter nefasto do regime do latifúndio e das relações semisservis de trabalho, a escravização econômico-financeira do país ao capitalismo internacional –, Távora discordava das soluções propostas pelo antigo líder tenentista. No que diz respeito ao problema agrário, condenava o projeto de Prestes de abolição imediata e total do regime do latifúndio por considerá-lo inviável e pernicioso à ordem social e econômica do país. Como alternativa, propunha uma reforma agrária gradual, que extinguisse progressivamente, por meio de uma taxação elevada, os latifúndios improdutivos e difundisse a pequena propriedade no campo. Sobre a questão do imperialismo econômico estrangeiro, Juarez Távora criticava a posição de Prestes de declarar guerra aberta, de confiscar sumariamente todas as empresas e concessões estrangeiras existentes no país e de declarar caducos títulos das dívidas que os sucessivos governos brasileiros contraíram ao capitalismo internacional. Para ele, esta posição era simplista, perigosa e sem pé na realidade, por não levar em conta a situação real de fraqueza do Brasil dentro do quadro internacional. A solução para o difícil problema da submissão do Brasil ao imperialismo econômico das grandes potências deveria consistir no combate aos grupos nacionais corruptos e inescrupulosos que irresponsavelmente contraíram empréstimos no exterior, e numa futura política fiscal sóbria e responsável que evitasse no futuro a necessidade de recorrer a novos empréstimos externos. Finalmente, no que diz respeito à transplantação no país do modelo político soviético, pela qual Prestes passou a advogar publicamente a partir de maio de 1930, Juarez Távora se opunha terminantemente. A razão não era uma aversão ao comunismo e ao marxismo em si mesmos, mas a descrença em seu sucesso num país agrário e sem um proletariado industrial importante. E é esta classe social que deveria ser a base da democracia proletária que promoveria a transição do capitalismo para o socialismo. Para Juarez Távora, a solução para os problemas brasileiros não era uma revolução do proletariado urbano e rural contra o latifúndio e o imperialismo estrangeiro, e sim uma revolução pequeno-burguesa – é o termo que ele empregava – a ser realizada por uma mocidade militar moralmente íntegra e com fortes sentimentos patrióticos, e cuja missão seria a de combater o regime vigente de opressão política, desonestidade administrativa e irresponsabilidade financeira, libertar o Brasil da dependência econômica para com os credores estrangeiros sem provocar choques militares para o qual o país não estava preparado, resolver o problema agrário de forma prudente e gradual, sem os distúrbios sociais e econômicos provocados por um salto direto do regime do latifúndio para o regime da pequena propriedade, e combater as injustiças sociais sem os excessos e as violências de uma inversão radical da dominação de classes – isto é, sem a troca da dominação burguesa por uma ditadura do proletariado.[5]

Um dos documentos que melhor ilustra, por seu caráter mais geral e abrangente, o projeto político de Juarez Távora é o seu plano de constituição – os chamados quinze princípios – apresentado em sessão da Assembleia Constituinte em 18 de dezembro de 1933.[6] Não se trata de um projeto político completo que abranja todos os problemas brasileiros, e sim de uma série de sugestões para a elaboração da constituição do novo regime. Nesta ocasião, Távora dizia falar em seu nome e no de seus companheiros da corrente revolucionária.

No plano, encontramos os seguintes pontos: 1) forma de governo republicana federativa sob regime representativo; 2) sufrágio universal direto na esfera municipal e indireto nas esferas estadual e federal; 3) três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) limitados, autônomos e harmônicos assistidos e coordenados pela ação moderadora de um Conselho Federal com funções simultaneamente executivas, legislativas e judiciárias; 4) fortalecimento simultâneo do poder central e da autonomia municipal em detrimento da autonomia dos Estados, por meio da intervenção coordenadora do Conselho Federal na esfera político-administrativa dos Estados e da passagem de atribuições destes últimos para a esfera municipal; 5) responsabilidade dos ministros perante a Assembleia Nacional; 6) introdução de conselhos técnicos dentro de cada ministério com o fim de propor soluções adequadas para os problemas nacionais e de funcionar como órgãos consultivos junto aos respectivos ministros, à Assembleia Nacional e ao Conselho Federal; 7) organização do já mencionado Conselho Federal, “órgão supremo de supervisão político-administrativa do conjunto governamental do País”, para que fosse constituído por um representante por Estado e com mandato equivalente a três períodos governamentais, garantida desta forma a continuidade administrativa durante os diferentes governos; 8) assembleia legislativa unicameral composta de representantes políticos restritamente proporcionais aos eleitorados dos Estados e de representantes profissionais na proporção de um terço do efetivo total da assembleia; 9) unidade do código de processo e da organização judiciária; 10) fortalecimento da unidade nacional pela uniformização da atividade governamental em tudo que dissesse respeito à justiça, à saúde e ensino públicos e à defesa nacional; 11) independência entre os poderes temporal e espiritual, sem prejuízo de sua colaboração recíproca na solução dos problemas morais da nacionalidade; 12) liberdade de expressão, de pensamento e de imprensa, as críticas ao governo sendo um direito do cidadão desde que feitas segundo critérios responsáveis; 13) necessidade de conferir às prerrogativas individuais asseguradas pela Declaração de Direitos da Constituição de 1891 um sentido mais prático e humano, no duplo objetivo de torná-las uma realidade para o indivíduo e de subordinar o interesse do indivíduo às conveniências superiores da coletividade; 14) defesa da família como célula fundamental da sociedade, por cujo desenvolvimento, bem-estar e estabilidade deveria zelar o Estado; 15) distribuição equitativa das rendas dos tributos entre as três esferas administrativas – federal, estadual e municipal – de forma que a parcela nacional que mais concorrer para o fisco, maiores benefícios, diretos ou indiretos, viesse a receber do erário público.

Comentaremos mais detalhadamente os 13º e o 15º pontos na medida em que, como veremos, eles têm implicações econômicas. No que diz respeito ao 13º ponto, o autor fornece dois exemplos para ilustrar a sua tese: um consiste em garantir o direito de trabalho a todos os cidadãos brasileiros válidos, e o outro em socializar as riquezas naturais, como as jazidas minerais e as quedas d’água, transformando-as em patrimônio inalienável da Nação. Quanto a esta última questão, a das riquezas naturais, Távora era preciso em pregar a sua socialização, isto é, a sua transformação em bem inalienável do domínio da União, e não a sua nacionalização, que permitia a propriedade privada dessas riquezas desde que em mãos de brasileiros. Devido à sua importância, como matéria-prima e como fonte de energia, para a indústria e para o conjunto das atividades econômicas brasileiras, as jazidas minerais e as quedas d’água deveriam se tornar um bem público e não um patrimônio reservado exclusivamente ao proprietário do solo ao qual elas estavam ligadas. Ao se referir à sua atuação no Ministério da Agricultura, que examinaremos depois, Juarez Távora assegurava que uma de suas principais preocupações era a elaboração dos códigos que deveriam regular a exploração das riquezas naturais do país, isto é o Código Florestal, já aprovado pelo chefe do Governo Provisório, o Código de Caça e Pesca, já concluído e que seria submetido à sua sanção, o Código de Águas, já redigido no que se referia ao aproveitamento da energia hidráulica, e o Código de Minas, que estava em discussão. Este último deveria estabelecer inicialmente a diferença entre minas, isto é, os depósitos naturais de onde se extraem os minérios, e jazidas minerais, isto é, a própria riqueza mineral em si mesma, para atribuir, em seguida, aquelas ao domínio particular e reservar estas últimas ao patrimônio da União Federal. Já no que diz respeito às quedas-d’água, o autor condenava a constituição republicana de 1891 por tê-las entregue aos proprietários das terras ribeirinhas, que por sua vez, por inadvertência ou por má fé, deixaram que elas fossem passando de mãos em mãos até caírem, em grande parte e por preços irrisórios, em poder de indivíduos ou empresas estrangeiras.

Já no que toca ao 15º ponto, era necessário: a) manter a distinção de competência tributária, entre a União, o Estado e o Município e racionalizá-la; b) unificar o aparelho arrecadador; c) basear a distribuição das rendas arrecadadas entre União, Estados e Municípios proporcionalmente à soma de seus encargos administrativos, e não de acordo com a competência tributária respectiva. Esta questão era de suma importância para o autor, já que “é verdadeiramente no fundo das desigualdades e injustiças financeiras que se vão gerar, em última análise, muitas causas, próximas ou remotas, das queixas contra o desequilíbrio federativo”. Ao condenar mais uma vez a constituição de 1891, desta vez por ter atribuído à União, aos Estados e aos Municípios competências tributárias distintas e mandado que, de acordo com essa competência tributária, cada um arrecadasse predominante ou exclusivamente os recursos com que houvesse de prover às próprias necessidades, o autor afirma que, devido à diversidade do país – sobretudo do ponto de vista das possibilidades econômicas – as fontes de riqueza em que incidiam as competências tributárias dessas três entidades administrativas estavam produzindo rendas desproporcionadas para as três esferas. A solução proposta aqui é o combate à hipertrofia do poder dos Estados – esta última resultante de uma imitação equivocada da constituição norte-americana – e fortalecer os Municípios, vistos aqui como órgãos legítimos de assistência ao povo, que naquele momento, segundo o autor, não se beneficiavam sequer de 20% dos recursos totais arrecadados pelo fisco.

As reflexões de Juarez Távora sobre as questões financeiras e tributárias aparecem de forma mais detalhada e aprofundada em suas sugestões sobre revisão tributária apresentadas à Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e dos Municípios, em 6 de dezembro de 1932. Esta comissão foi organizada dentro do Ministério da Fazenda para ajudar os Estados da Federação e alguns de seus municípios-capitais a solver compromissos decorrentes de empréstimos externos contraídos em anos anteriores. Após convite de Osvaldo Aranha, então Ministro da Fazenda, e de Pereira Lima, membro da comissão, Távora ingressava na entidade em maio de 1932.[7]

O seu trabalho sobre revisão tributária começava afirmando que a decretação de tributos no Brasil vinha sendo feita empiricamente, ao sabor de exigências ocasionais, sem um critério razoável que a orientasse. Ele pedia consequentemente uma tríplice racionalização que abrangesse a incidência dos tributos, o aparelho incumbido de arrecadá-los e a distribuição, entre União, Estados e Municípios, das rendas arrecadadas. No que diz respeito à incidência dos tributos, esta racionalização impunha eliminar ou, pelo menos reduzir a proporções mínimas, as tributações antieconômicas (impostos intermunicipais, interestaduais, de exportação, viação etc.), evitar o quanto possível as tributações indiretas (impostos de consumo e produção, tarifas aduaneiras etc.) e optar decididamente pelas tributações diretas, com taxas progressivas sobre a propriedade territorial, a renda, herança e legados e sobre transferências para o exterior de fundos ganhos no Brasil sem interferência de capital estrangeiro. Quanto à arrecadação, seria preciso unificar o aparelho arrecadador, com competência privativa a uma das três entidades, União, Estado ou Município para a nomeação dos cobradores de impostos. E sobre a distribuição das rendas, seria necessário rever a discriminação de competência da União, dos Estados e dos Municípios para legislar sobre a incidência de tributos.

Sobre a questão específica da atenuação dos impostos indiretos, estes últimos, que recaíam integral e indistintamente sobre a massa consumidora, precisavam ser criteriosamente aplicados a fim de se evitar o encarecimento de gêneros indispensáveis à vida das classes pobres. Távora dividia os impostos indiretos em impostos de consumo e produção e em tarifas aduaneiras. No caso dos primeiros, sugeria que fosse garantido à União o privilégio de decretar impostos de consumo e produção, quer incidissem sobre artigos importados do estrangeiro, quer sobre utilidades produzidas no país, que se isentassem desses impostos os artigos de primeira necessidade e que fossem agravados os impostos que incidissem sobre artigos de luxo. Já no que diz respeito às tarifas aduaneiras, Távora se mostrava contrário à sua elevação. Para ele, a pretexto de proteger a indústria brasileira, haviam sido elevadas as tarifas aduaneiras a proporções exageradas, o que onerava quase todos os artigos manufaturados consumidos no país e provocava, como consequências imediatas ou reflexas: o encarecimento do padrão de vida no país em detrimento de toda a massa consumidora; perturbações sensíveis no intercâmbio externo do país em consequência de represálias dos mercados internacionais contra os produtos brasileiros de exportação; a diminuição visível das rendas aduaneiras sem compensação correlativa dos impostos pagos pela indústria protegida; a desorganização econômica da própria indústria nacional, que a coberto da concorrência estrangeira pelas barreiras alfandegárias se tinha descuidado de organizar racionalmente os seus métodos de produção; perturbações na atividade normal do proletariado nacional, desviado mais e mais dos campos para os centros industriais urbanos e aí abandonado nas crises periódicas da indústria, o que gerava, ao lado da falta de braços com que lutava a lavoura, o problema social dos “sem trabalho” nas cidades. A proteção irracional à indústria brasileira parecia beneficiar apenas aos industriais, em favor dos quais as tarifas protecionistas sacrificavam não só a massa dos consumidores como ainda o desenvolvimento normal de outras legítimas fontes de riqueza nacional (agricultura, explorações minerais etc.).

Ao defender a tributação direta e progressiva, Juarez Távora dizia seguir a tendência generalizada naquele momento de isentar as classes pobres dos ônus tributários e de fazer estes últimos recair sobre as classes ricas, cujos recursos permitiam pagar os impostos sem grandes sacrifícios. Desta forma, os impostos indiretos, cuja incidência se fazia de forma indistinta e proporcional sobre toda a massa consumidora, deveriam ser suprimidos ou reduzidos racionalmente em proveito das tributações diretas, que incidiam progressivamente sobre os ricos. A propriedade territorial, a renda e as heranças e legados eram os títulos sobre os quais deveriam convergir preferencialmente as tributações diretas. A eles poderia ser acrescentada uma taxa progressiva sobre fundos transferidos para o exterior, desde que não provenientes de rendas de capital estrangeiro.

Sobre a delicada questão da discriminação de rendas, o autor criticava o princípio até então adotado de atribuir-se ao Município, ao Estado e à União, privativamente, a renda de determinados tributos sob a argumentação de que este princípio ao mesmo tempo permitia desproporções injustificáveis entre as arrecadações correspondentes às três esferas tributárias numa mesma zona ou município e estava atribuindo ao município – órgão mais capaz de beneficiar diretamente o povo e de assistir equitativamente à produção em suas fontes – uma renda miserável que às vezes nem lhe bastava para prover decentemente a própria existência autônoma. Seria preciso, portanto, fortalecer financeiramente os Municípios, mais capazes de atender às necessidades imediatas da população, em detrimento dos Estados, que desde o advento do regime republicano eram fator de dissolução da unidade nacional.

Juarez Távora continuaria participando das sessões desta comissão até junho de 1934, e discorreria sobre temas ligados à sua pasta, a da Agricultura, como a questão do beneficiamento de café, a produção nacional de trigo, a exportação de produtos agrícolas e também sobre a questão da liquidação da dívida externa do Ceará, seu Estado natal.

A atuação de Juarez Távora à frente da pasta da Agricultura se distinguiu entre outras coisas por uma reforma estrutural e funcional do ministério com o objetivo de dotá-lo de uma organização mais centralizada e racional, assim como por esforços no melhoramento e na racionalização da produção agrícola e no desenvolvimento do ensino agronômico e do planejamento econômico agrícola; este último se deu com o mal sucedido Plano Nacional de Organização e Defesa da Produção Agrária, que deveria se apoiar num tripé formado por consórcios profissionais cooperativos, por cooperativas profissionais de consumo, de crédito e de produção e pelo Banco Nacional de Crédito Rural.[8] Sua realização mais importante, no entanto, foi a elaboração dos códigos que regulavam pela primeira vez a exploração das riquezas naturais. Assim, eram decretados respectivamente nos dias 2 e 23 de janeiro de 1934 o Código de Caça e Pesca e o Código Florestal, cujo objetivo era regular as atividades de exploração dos recursos animais e madeireiros do país. Já os códigos mais importantes, por seu impacto nos debates sobre o desenvolvimento naquele período, foram o Código de Águas e o Código de Minas, ambos de 10 de julho de 1934.

Segundo o Código de Águas, cujo objetivo era dotar “o país de uma legislação adequada que, de acordo com a tendência atual, permita ao poder público controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas”, as quedas-d’água e outras fontes de energia hidráulica passavam a ser consideradas bens imóveis e tidos como coisas distintas e não integrantes das terras em que se encontrassem e, portanto, a propriedade superficial não abrangia mais a água, o álveo do curso no trecho em que se achava a queda d’água, nem a respectiva energia hidráulica para o efeito de seu aproveitamento industrial. As quedas-d’água existentes em cursos cujas águas eram comuns ou particulares, pertenciam aos proprietários dos terrenos marginais ou a quem fosse por título legítimo, enquanto que as quedas-d’água e outras fontes de energia hidráulica existentes em águas públicas de uso comum ou dominicais eram incorporadas ao patrimônio da Nação, como propriedade inalienável e imprescritível.[9] As autorizações ou concessões para o aproveitamento industrial das quedas-d’água e outras fontes de energia hidráulica só poderiam ser conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil. Além do mais, o Código previa a nacionalização progressiva, em lei especial, das quedas-d’água ou outras fontes de energia hidráulica julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar da nação.[10]

Já o Código de Minas, que considerava “que o desenvolvimento da indústria mineira está na dependência de medidas que facilitem, incentivem e garantam as iniciativas privadas nos trabalhos de pesquisa e lavra dessas riquezas”, afirmava que a jazida passava a ser tida como bem imóvel e coisa distinta e não integrante do solo ou subsolo em que estava encravada e que, portanto, a propriedade da superfície abrangia a do subsolo na forma do direito comum, mas não as substâncias minerais ou fósseis úteis à indústria. As jazidas já conhecidas continuariam pertencendo aos proprietários do solo, enquanto que as jazidas desconhecidas, quando descobertas, seriam incorporadas ao patrimônio da Nação, como propriedade imprescritível e inalienável.[11] O direito de pesquisar substâncias minerais no território nacional, seja em terras do domínio público, seja em terras do domínio particular, passava agora a depender de autorização do Governo Federal por intermédio do Ministério da Agricultura; esta autorização, por sua vez, dependeria do parecer de um órgão especializado deste ministério, o Departamento Nacional da Produção Mineral, que deveria avaliar um plano preestabelecido pela empresa pleiteante no qual deveriam ficar claras as habilitações desta última para levar a cabo o empreendimento. O Código também previa a nacionalização progressiva, em lei especial, das minas e jazidas minerais julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar da nação.[12] Não se trata do monopólio estatal da exploração mineral, e sim de uma regulamentação desta: as empresas privadas desejosas de explorar as riquezas minerais deveriam a partir de agora se sujeitar ao aval e à fiscalização do poder público. No que diz respeito especificamente à questão do petróleo, acreditamos, entretanto, que o Código de Minas decretado em julho de 1934 foi um grande passo no sentido do monopólio estatal, já que praticamente inviabilizava as atividades privadas neste setor. Ao estabelecer como pré-requisito para a exploração das riquezas do subsolo a autorização do governo, que por sua vez deveria avaliar as possibilidades de jazidas nas regiões escolhidas para a pesquisa e a exploração, e avaliar a capacidade material e estrutural das empresas pleiteantes, o Código impossibilitava o capital privado nacional, representado por empresas em situação precária, de assumir este setor.[13] Ao estatizar as riquezas ainda não descobertas, tirava as vantagens dos trustes estrangeiros, desejosos não somente de explorar o petróleo brasileiro mas também de se apoderar das prováveis jazidas petrolíferas nacionais. A primeira jazida petrolífera brasileira seria descoberta somente em 1939, o que significa que com o Código de Minas todas as prováveis jazidas já eram de antemão propriedade do Estado.

Muitas das posições defendidas por Juarez Távora e que analisamos neste trabalho, como os conselhos técnicos, a representação de classes, a estatização dos recursos naturais e a reforma agrária podem ser encontradas no programa político do Clube 3 de Outubro, principal entidade política representante do movimento tenentista no pós-1930.[14] E apesar da derrota final do projeto tenentista, algumas de suas bandeiras estariam presentes na Constituição de 16 de julho de 1934.[15]

Podemos dizer, em síntese, que Juarez Távora defendia, no período 1930-1934, as seguintes posições:

1) Uma reforma centralizadora do regime republicano federativo, por meio do aumento da ingerência do poder federal dentro da esfera dos Estados e da transferência de muitas das atribuições destes últimos para os Municípios. O Município era visto como a esfera em que os interesses imediatos do povo estavam melhor representados, enquanto que o poder estadual era visto como fator de dissolução da unidade nacional. Aqui neste caso, a centralização política andava de mãos dadas com a descentralização administrativa, que deveria ser realizada com um aumento da autonomia municipal em relação aos Estados. Medidas como a abolição das tarifas intermunicipais e interestaduais contribuíam, por sua vez, para a unificação do mercado interno.

2) Um reformismo socioeconômico com o objetivo de favorecer as camadas mais desfavorecidas da população em detrimento dos interesses imediatos das elites agrárias e industriais. Assim, encontramos uma defesa da reforma agrária cuja finalidade era difundir a pequena propriedade e reduzir o poder do latifúndio, e a defesa de uma maior tributação das classes dominantes por meio do imposto de renda e do imposto territorial. O discurso antiprotecionista de Juarez Távora revela uma hostilidade em relação à burguesia industrial brasileira, vista como incompetente e exploradora do povo. Em favor das camadas mais desfavorecidas da população (classes populares e baixas camadas médias urbanas), Távora defendia a eliminação ou a redução drástica dos impostos que provocavam um aumento do custo de vida, como os impostos de consumo e produção e as tarifas aduaneiras.

3) Medidas de caráter industrializante, como a estatização das quedas d’água e das riquezas minerais do subsolo. Os objetivos industrializantes por trás do Código de Águas e do Código de Minas são evidentes, já que o que está em jogo aqui é o aproveitamento industrial das quedas d’água e jazidas minerais sob a direção do Estado Nacional. A política industrializante do governo deveria ser feita de forma planejada e sob a direção de uma elite tecnocrática representada nos conselhos técnicos. Temos aqui a concepção tecnocrática do poder que caracterizou o pensamento de Juarez Távora e da vertente nacionalista do tenentismo no período 1930-1934, isto é a ideia de que a administração pública deveria estar nas mãos de uma elite de especialistas tecnicamente habilitados, e não de políticos diletantes. Esta concepção tecnocrática do poder traduz as aspirações dirigistas e modernizadoras da jovem oficialidade técnica das Forças Armadas.

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[1] Doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Este artigo é uma versão modificada do texto O nacionalismo econômico e o desenvolvimentismo do tenente Juarez Távora (1930-1934) apresentado no V Encontro de Pós-Graduação em História Econômica organizado pela Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE) nos dias 23 e 24 de setembro de 2010 na Universidade de Brasília. Trata-se de uma pequena parte de nossa pesquisa de Doutorado sobre o projeto econômico dos militares brasileiros no longo período situado entre a eclosão da rebelião militar contra o Império na década de 1880 e a queda do regime do Estado Novo em 1945, pesquisa que realizamos no período 2007-2011 pelo Programa de História Econômica da FFLCH-USP, sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Nozoe. Para esta pesquisa contamos com o auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), de quem fomos bolsista entre junho de 2008 e março de 2011, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de quem fomos bolsista nos meses de abril e maio de 2008.

[2] Sobre as diferentes tendências ideológicas dentro do tenentismo, ver SAES, Décio. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984, p. 70-78, CARONE, Edgard. A República Nova (1930-1937). 3ª ed. São Paulo: DIFEL, 1982, apêndice Exército e tenentismo, e FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história. 16ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 80-107.


[3] A heterogeneidade da coalizão revolucionária de 1930 é bem retratada em SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Saga, 1969, p. 27-31. O contexto das tensões e do confronto entre as duas alas da revolução, a liberal-oligárquica e a nacionalista radical, é analisado detalhadamente no clássico O sentido do tenentismo, de Virgínio Santa Rosa (SANTA ROSA, Virgínio. O sentido do tenentismo. 3ª ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1976).

[4] Este texto de Juarez Távora está reproduzido em CARONE, Edgard. O tenentismo (acontecimentos – personagens – programas). São Paulo: DIFEL, 1975, p. 350-356.

[5] Este manifesto está reproduzido em TAVORA, Juarez. Juarez Tavora: “Razões porque diverge das idéas communistas de Luiz Carlos Prestes”. João Pessoa: Secretaria da Segurança e Assistencia Publica do Estado da Parahyba, 1931 (Arquivo Juarez Távora, FGV/CPDOC, JT-71f). No final do documento, consta que o manifesto foi escrito em Las Toscas, Uruguai, em meados de julho de 1930.

[6] O discurso de 18 de dezembro de 1933 no qual foi apresentado este plano está documentado em TAVORA, Juarez. O Ministro da Agricultura perante a Assembléia Nacional Constituinte. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção (Secção de Publicidade), 1934, p. 1-17. Esta obra está disponível no Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil. Para uma versão resumida deste discurso, ver TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas. 2º volume: A caminhada no altiplano. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, Anexo No. 3, e SILVA, Hélio. 1934 – A Constituinte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969, p. 98-104.

[7] Este documento está reproduzido em TAVORA, Juarez. O Ministro da Agricultura perante a Assembléia Nacional Constituinte, Anexo No. 1 – Sugestões sobre revisão tributária apresentadas à Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e dos Municípios, em 6 de dezembro de 1932, por Juarez Tavora, p. 93-106. Sobre a atuação de Juarez Távora nesta comissão, ver TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas. 2º volume: A caminhada no altiplano, capítulo VI, Na Comissão de Estudos Econômicos e Financeiros do Estado e Municípios.

[8] Para um balanço das realizações de Juarez Távora na pasta da Agricultura, ver TAVORA, Ministro Juarez. O Ministério da Agricultura em 1933-1934. Rio de Janeiro: Diretoria de Estatística da Produção, s/d, p. 44-45 (publicação disponível em versão digital no portal do Center for Research Libraries, ver link http://www.crl.edu/pt-br/brazil/ministerial/agricultura), e TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas. 2º volume: A caminhada no altiplano, capítulo VIII, No Ministério da Agricultura e na Assembléia Nacional Constituinte.

[9] O Código de Águas de julho de 1934 considera como águas públicas: a) os mares territoriais, nos mesmos incluídos os golfos, baías, enseadas e portos; b) as correntes, canais, lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis; c) as correntes de que se façam estas águas; d) as fontes e reservatórios públicos; e) as nascentes quando forem de tal modo consideráveis que, por si só, constituam o “caput fluminis”; f) os braços de quaisquer correntes públicas, desde que os mesmos influam na navegabilidade ou flutuabilidade. Já as águas comuns são as correntes não navegáveis ou flutuáveis e de que essas não se façam. Finalmente as águas particulares consistem nas nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns.

[10] O texto do decreto do Código de Águas está disponível em versão digital na Coleção das Leis da República Federativa do Brasil do Portal da Câmara dos Deputados (ver link http://www.camara.gov.br/internet/infdoc/novoconteudo/
legislacao/republica/Leis1934vIV-p781/parte-86.pdf ).

[11] Na medida em que as principais jazidas de ferro já haviam sido descobertas até esta data – e muitas delas inclusive nas mãos de empresas estrangeiras –, o Código de Minas não comprometeu a posse das jazidas deste minério. O Código foi mais decisivo, como veremos, na questão do petróleo. Segundo John Wirth (WIRTH, John D. A política de desenvolvimento na era de Vargas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Serv. de Publicações, 1973, p. 66-67), a isenção de estatização para as jazidas já descobertas foi resultante da atuação da Assembléia Constituinte de 1933-1934. Imaginamos que a pressão por parte de grupos mais conservadores e de grupos ligados aos trustes estrangeiros foi decisiva neste aspecto.

[12] O longo Código de Minas está disponível em versão digital na Coleção das Leis da República Federativa do Brasil do Portal da Câmara dos Deputados (ver link http://www.camara.gov.br/internet/infdoc/novoconteudo/
legislacao/republica/Leis1934vIV-p781/parte-83.pdf). Para um comentário sintético e bem contextualizado do código, ver VICTOR, Mario. A batalha do petróleo brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970, capítulo III, Revolução de 30 e petróleo, e COHN, Gabriel. Petróleo e nacionalismo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, capítulo I, A questão do petróleo de 1930 ao Estado Novo.

[13] Um dos maiores casos de oposição do capital privado nacional ao Código de Minas foi a campanha movida pelo escritor Monteiro Lobato no período 1934-1936. Monteiro Lobato, que em 1932 fundara uma empresa para exploração de petróleo no interior do Estado de São Paulo, entrara em choque com o Departamento Nacional da Produção Mineral quando este, em outubro de 1934, refutara publicamente um manifesto seu que pedia aumento de capital para a sua empresa que estava estagnada. O citado órgão do Ministério da Agricultura alegava não haver evidências suficientes da existência de petróleo na região explorada. Monteiro Lobato, por se sentir prejudicado por este parecer, moveria campanha contra o Departamento Nacional da Produção Mineral e o Código de Minas e chegaria a acusar, já em 1936, dois pesquisadores deste órgão de vender segredos do subsolo brasileiro a empresas estrangeiras. Esta grave denúncia resultaria na formação de uma comissão de inquérito para examinar o assunto. A comissão, diante da qual o próprio Juarez Távora teve de depor, acabaria por inocentar os técnicos do Departamento Nacional da Produção Mineral. Sobre esta questão, ver VICTOR, Mario. A batalha do petróleo brasileiro, capítulo IV, Monteiro Lobato e o Código e TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas. 2º volume: A caminhada no altiplano, p. 100-105. O depoimento de Juarez Távora diante desta comissão está reproduzido em documento de nove páginas intitulado Comissão de Inquérito sobre o Petróleo. Reunião em 15 de outubro de 1936. Depoimento do Sr. Tenente Coronel Juarez Tavora, disponível em versão digital no portal do FGV/CPDOC, serie Documentação Política e Funcional do Arquivo Juarez Távora (JT dpf 1936.02.28).

[14] Este programa, datado de fevereiro de 1932, foi redigido por uma comissão composta por dois militares veteranos dos levantes tenentistas da década de 1920, Stênio Caio de Albuquerque Lima, capitão do Exército, e Augusto do Amaral Peixoto, capitão-tenente da Marinha, pelo tenente civil Abelardo Marinho de Andrade e pelo jurista – e posteriormente Ministro do Trabalho nos primeiros anos do Estado Novo – Valdemar Falcão, após haver solicitado e coordenado as sugestões de diversos membros e simpatizantes da entidade. O longo programa do Clube 3 de Outubro está reproduzido na íntegra em Club 3 de Outubro – Esboço do Programa Revolucionário de Reconstrução Política e Social do Brasil – 1932 – fevereiro. In: Republica dos Estados Unidos do Brasil. Annaes da Assembléa Nacional Constituinte. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935, Volume III, p. 187-245. Para uma análise do conteúdo do programa do Clube 3 de Outubro, ver FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história, p. 102-104, CONNIFF, Michael. Os tenentes no poder: uma nova perspectiva da Revolução de 30. In: FIGUEIREDO, Eurico de Lima (coord.). Os militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 141-144, FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e Forças Armadas na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 64-94, e SANTA ROSA, Virgínio. O sentido do tenentismo, p. 79-82.

[15] Sobre a Constituição de 16 de julho de 1934 e a influência tenentista em sua elaboração, ver CARONE, Edgard. A República Nova (1930-1937), p. 173-184.

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Manoel Messias Pereira

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