A queimada africana é imparável e assustadora
Começa no capim seco que arde em altas labaredas. Corre veloz quando o vento sopra a seu favor. Domina os tandos e assalta as florestas, galgando a encosta das montanhas.
A queimada, esse festival africano do fogo, prolonga-se durante dias e chega a durar semanas.
Vista-se de longe, pela noite, engana facilmente os olhos pouco afeitos em reconhecê-la. Toma contornos aparentes de grande cidade e parece pontuar sobre a terra a presença civilizadora do homem.
Na verdade, porém, é quase sempre consequência de descuido ou fruto de hábitos ancestrais mantido em tradição milenaria.
É bela a sua corrida infatigável. É terrivel na força que desencadeia.
As árvores torcem-se, os animais fogem quando podem e o fumo elea-se em barreira espessa que tolda a vista e sufoca a garganta.
Mas por muito que alastre e por mais alto que se erga, acaba sempre por extinguir-se. Os homens é que raro sabem como dominá-la.
Só os mais velhos, donos da Ciência aprendida no mato, a encaram sem temor. Esses sabem que a queimada tem a força que não dura. Brilha e queima, mas apaga-se.
Depois, surgem mais fecundas as machambas naquela terra que oculta tesouros. O capim tanto nascem visgoso quando as cinzas se dispersam ao primeiro golpe de vento e regressa nova vida no ciclo infindável que prossegue. Até as árvores rejuvenessem libertas dos ramos secos e inúteis que o fogo carbonizou.
E assim. Foi sempre assim. E continuará a ser sempre assim a grande queimada africana.
Só há perigo e se joga o drama, quando homens que vêm de longe (e por isto consideram mais civilizados) ateiam fogo para desvendarem a selva que desconhecem ou para se protegerem dos medos que os assaltam.
No reflecitr nocturno dos olhos da gazela julgam adivinhar a proximidade agressiva do leão. Fazem crepitar o lume, que não dominamis assustam-se quando a África lhes responde com a força mágica que desencadearam.
Então, até a terra arde.
Julgando tudo saberemos, só por nada teremos aprendido, esses homens sem cor assitem impotentes à destruição dos que provocaram. Não acertam em entender de que lado está o vento e tudo tentam explicar, desculpando-se confusamente, para fugirem apressados do braseiro.
Atrás deles deixam a terra queimada e abandonam as vítimas inocentes que a surpresa apanhou desprevenidas.
Essa grande queimada, feita fora do tempo, nada tem de africana mesmo quando em Africa a ateiam. Dessa, até os sábios velhos do mato têm medo. Essa queima as raizes, faz arder a terra e não permite que o capim espontâneo volte a brotar.
Quem ali viveu intensamente longos anos, e ali deixou a alma presa ao feitiço que inegavelmente existe, não pode esquecera imagem dessa grande queimada da descolonização que não foi mais o fogo posto por mãos ignorantes e criminosas. Mãos de gente que não pertencia a África.
Mas as dores tiveram de ser sofridas, sem culpa, pelo africanos de todas as raças atingida mais pela monstruosa traiçãos terras se conheceu.
Essa queimada , desencadeada por incendiários, também acabará por apagar-se.
Na história que os velhos irão repetir, em torno da fogueira que em cada noite se renova, ficará apenas a lembrança dessa horrível tragédia.
Lições para todos a custa de sofrimentos de tantos. Lições para os jovens aprenderem e para os filhos deles ensinarem.
Os velhos, os jovens e os filhos que haverão de nascer, têm de recordar (para que isso não posa voltar a acontecer) que os homens que atiçaram essa queimada não tinham cor que os distinguisse. Mas sempre repetirão que não eram homens de África.
Dispersas as cinzas, reparadas as destruições e resolvida a terra queimada, nela voltara a reverdecer a vida que nem os séculos puderam abafar. Os homens serão capazes de encontrar a felicidade que ambicionavam. Esse novos horizontes, em novas fórmulas de convívio e sempre no autêntico estilo africano. Mesmo sobre as ruinas. Mesmo sobre a terra queimada.
O chão fecundo, as florestas centenárias, os rios sem margens e o oceano de mil cores esperarão amorosamente as gentes que se foram para que de novo venham unir-se às gentes que ficaram.
E todos juntos reconstruirão a África Nova.
Creio que assim haverá de ser , sem que ninguém atenda na cor da pele para melhor se ver a cor da alma.
Em África tudo tem cor mas nada tem uma só cor. Nem os rios nem as montanhas, nem o mar, nem os animais da selva, nem a terra e nem os homens.
Só o Céu conserva sempre o mesmo azul ainda quando nuvens passageiras o ocultem.
Para esse insondável infinito se erguem olhos esperançados, buscando nele alívio para o drama deixado por homens que a África nada sabiam.
Homens que fizeram de Moçambique a terra qeimada que tardará anos em voltar a ser fecunda.
Homens que a África terá de esquecer para, depois, lhes poder perdoar.
Jorge Jardim
(o Lawrence da África)
autor do livro -"Moçambique Terra Queimada"
engenheiro agrônomo, soldado, diplomata, agente secreto da direita portuguesa,jornalista, piloto de avião, político e escritor)
Natural de Moçambique.-Africa
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