sábado, 11 de fevereiro de 2012

Leila Pinheiro grava músicas homenageando o Pará





Henrique Porto

Do G1 RJ



Depois de visitar o universo de compositores como Ivan Lins, Guinga, Aldir Blanc, Gonzaguinha e Renato Russo, chegou a vez cantora paraense Leila Pinheiro fazer uma viagem às origens da música de sua terra natal. Produzido por Marco Bosco e Paulo Calazans, "Raiz" traz canções compostas apenas por compositores conterrâneos e o som de tribos indígenas e da mata, além do canto de uma pagé marajoara, Zeneida Lima.





A cantora paraense Leila Pinheiro, que lança seu 17º disco de carreira: 'Raiz' celebra origens da música do Pará e traz apenas canções de compositores do estado (Foto: Divulgação)"Isso entrou no disco de uma forma muito natural. Afinal de contas, o Pará é isso também. É essa força da natureza. A gente vive isso ali. Estamos dentro do coração da mata. Então achei muito legítimo incluir estes sons no CD", diz Leila sobre o 17º álbum da carreira.



A homenagem, ela conta, vem à tona no que considera um momento "exótico e bizarro da música". "Porque todo mundo pode tudo, e não há critério para coisa nenhuma. O que era bom não é mais. As coisas mais descartáveis são as que têm mais visibilidade", explica Leila, que, em entrevista ao G1, comenta sobre o novo trabalho, o sucesso do tecnobrega, sua relação com a internet e a extinção dos festivais nacionais de música, onde ela foi revelada.



G1 — Como surgiu a ideia de visitar as origens da música do seu estado?

Leila Pinheiro — Na verdade, esse trabalho teve início em 2009. Estava em Tóquio, no Japão, participando de alguns shows do Oscar Castro Neves (compositor, arranjador e violonista). Na época, Oscar gravava um disco ao vivo. Marco Bosco, o percussionista da banda e meu velho amigo, conhece muitos paraenses, é quase como se fosse do norte também (Bosco nasceu em Torrinha, interior de São Paulo). Comentou de passagem o fato de eu ser paraense e de nunca ter feito um trabalho em homenagem à minha terra. Taro Sakai, o japonês dono do selo CT Music, ficou louco com a ideia, porque queria que eu fizesse o trabalho voltado para o mercado japonês. Porque é um projeto que fala de natureza, dessa realidade amazônica que, para eles, ainda é algo muito exótico. Fiquei com aquela ideia na cabeça.



G1 — E por que este resgate aconteceu exatamente nesta altura da sua carreira?

Leila — Não sei te dizer (risos). Acho que é uma coisa de momento. Fiz 30 anos de carreira no ano passado, já passei dos 50 anos de vida. De alguma forma, você mergulha lá atrás. Mas nunca havia acontecido de me voltar com este olhar para as músicas da minha terra. O que detonou isso foi essa conversa em Tóquio. Mas penso em "Raíz" como um projeto especial, até por que é um trabalho bastante amplo, com vídeo, imagem, banda. E esse não é muito o perfil da minha trajetória. Sigo muito mais sozinha, fazendo apenas shows pontuais com banda. Já passamos por São Paulo em dezembro e vamos voltar em março. Possivelmente faremos outras capitais. Mas é também um disco para fora do Brasil, para o Japão especialmente.



G1 — Como se deu a escolha do repertório e a busca por compositores do norte do país?

Leila — Nilson (Chaves) e Vital (Lima) são meus amigos muito antes de eu ser cantora. Já conhecia a obra deles. Participei dos discos deles quando vim morar no Rio de Janeiro, em 1981. Temos uma relação de amizade muito intensa e sincera. no ano passado, fiz um projeto no teatro Carlos Gomes, também no Rio, chamado “Sete em ponto”. Depois de muitos anos, ficamos juntos no palco outra vez. E fui resgatando essa relação. Não foi difícil trazê-los para o projeto, porque são dois grandes artistas paraenses. Inclusive Nilson fez uma canção para mim, que é “Belém em mim”, com letra de Ana Terra, por conta dos meus 30 anos de carreira.





Capa do álbum 'Raiz', da cantora Leila Pinheiro

(Foto: Divulgação)A Zeneida Lima eu conheci em 2007. Ela é uma pajé marajoara, uma força da natureza. Tem quatro temas dela no disco. Foi apresentada a mim pelo Egberto Gismonti, na casa dele, num almoço paraense aqui no Rio de Janeiro. A voz dela é parecida com a voz da índia que abre o disco. A Zeneida é como se fosse um pedaço de pupunha falando (risos). Eu achei lindo isso, porque é exatamente a raiz, o meu chão. Tem gente que não gosta, mas porque ela não é cantora. Mas ela é uma filha da mata.



G1 — Como surgiu a ideia de incluir no disco gravações de sons da floresta e de rituais indígenas? Tecnicamente foi algo difícil?

Leila — Isso vem do Marco. Porque ele tem essa relação muito íntima com a Amazônia, talvez mais do que eu. Essa gravação só foi possível porque veio a Manaus um japonês com uma tecnologia ultrasofisticada de captação de som. Ele pirou com os índios, e o Marco, com a tecnologia. Então os dois se embrenharam mata adentro para gravar essa tribo. Isso entrou no disco de uma forma muito natural. Afinal de contas, o Pará é isso também. É essa força da natureza. A gente vive isso ali. Estamos dentro do coração da mata. Então achei muito legítimo incluir estes sons no CD.



G1 — O Pará hoje está muito associado ao tecnobrega. Que análise você faz disso?

Leila — Acho que é uma manifestação supergenuína da cultura paraense. A (cantora) Gaby Amarantos, que conheço pessoalmente, pode cantar absolutamente qualquer coisa, inclusive Tom Jobim. Mas ela escolheu essa música mais popular, no seu amplo sentido. É uma música quase que descartável, mas feita para ser assim mesmo. Não é uma coisa que me chame atenção, que me emocione. Não sou uma pessoa que gosta de dançar, porque acho que é uma música eminentemente dançante. É uma música para você se mexer, não para ouvir.



Já música do Calypso eu acho que é outra coisa. É música brega mesmo, independentemente de ser tecno ou não. Mas é a música brega que tem lugar desde sempre na história. E acho maravilhosa. Às vezes me rasgo ouvindo canções extremamente populares. Mas não é exatamente o que me emociona, o que me toca. Tanto é que eu não fui “para lá”. Porque são canções que não me pegam, não me tocam.



Eu tenho uma opinião sobre música, que acho que é muito particular: cada um que faça a sua. Acho que o Pará já produziu tanta coisa interessante. E, neste momento exótico e bizarro da música brasileira e internacional...



G1 — Bizarro?

Leila — Sim. Porque todo mundo pode tudo, e não há critério para coisa nenhuma. O que era bom não é mais. As coisas mais descartáveis são as que têm mais visibilidade. Então, torço para que essa música fique, permaneça no mundo e na cabeça das pessoas. E que não seja mais um modismo.



A internet deixou a gente tão mais livre. Cada pessoa nesse planeta pode fazer música, poesia, vídeo, gravar disco, ser jornalista... Fazer tudo! Acho que esse momento é muito fruto disso. Não sinto que haja propriamente a necessidade de ter talento nem de tempo para amadurecer porque, a princípio, esse julgamento subjetivo é feito pela rede de pessoas que você conhece ou que amplia em redes sociais. São pequenos nichos onde pode tudo. O que é de verdade e o que vai ficar, eu já não sei. Pelo fato da internet ser uma rede planetária, perdeu-se um pouco o controle disso. Não há mais julgamento que determine a trajetória artística de alguém. Isso gera um monte de coisas bacanas, porque as pessoas não têm mais aquelas amarras de que “só serei visto de fizer isso, só serei ouvido se fizer aquilo”. Por outro lado, pode tanta coisa que, no final, não pode coisa nenhuma. Outro dia mesmo, comentei: “Pôxa, tem tão pouca música que me emociona nesse mundo.” E alguém respondeu: “Esquece, esse tempo já passou.” Eu continuo agarrada a isso, porque é o que me move. É o que me faz ter vontade de estar viva. Não consigo me desconectar disso. Se isso acontecer, vou fazer outra coisa. Ou vou parar.





'Gaby Amarantos, que conheço pessoalmente, pode cantar absolutamente qualquer coisa, inclusive Tom Jobim', diz Leila Pinheiro (Foto: Divulgação)G1 — E o que acha da internet com relação à música que você produz? Acha que a rede ajuda ou atrapalha?

Leila — Acho que ajuda em todos os sentidos. A tecnologia, de uma forma geral, facilita nossa comunicação em qualquer instância. Para pesquisa musical, então, é um deslumbramento. Ao mesmo tempo, é veículo de um monte de merda e que passa a ser genial porque ganha dimensão. É tudo muito incontrolável. Não que eu seja a favor de algum controle, mas nem tanto, nem tão pouco. A própria coisa do direito autoral foi para o espaço. É muito cruel com quem cria. Dizem que não vende por causa dos downloads. Mas são tempos modernos. Entretanto, como ferramenta de divulgação, é fundamental. Porque vai para o mundo inteiro, mesmo que seja dessa forma equivocada, onde os compositores não ganham. De repente o cara tá na China, baixa a minha música lá e vai ouvir. Quanto tempo levaria para o meu disco físico chegar lá? É genial, mas nada é só bom ou só ruim, né?



G1 — Assim como uma geração inteira da música popular brasileira, você foi projetada num festival nacional de música, mas que já não existe mais. Qual a importância deste tipo de evento para a música brasileira?

Leila — Esse tipo de evento hoje já não teria mais cabimento. Na verdade, aquilo era uma grande vitrine para as gravadoras, pois elas caçavam talentos e procuravam novos artistas. Hoje você faz isso na internet. Acho até que o Festival dos Festivais, aquele em que eu participei em 2005, já foi a raspa do tacho (risos). Tanto que o que ficou daquele festival fui eu. Porque o Emílio (Santiago) já era o Emílio, o Oswaldo Montenegro já era o Oswaldo, a Tetê (Espíndola) já era a Tetê. A vida dela não melhorou nem piorou por causa de “Escrito nas estrelas”. De minha parte, seria louca se dissesse que não teve nenhuma importância. Claro que teve. O Aloysio de Oliveira (produtor, músico e compositor) ainda era vivo e me conhecia. Sabia da minha música. Falou para o (Roberto) Menescal me ver no festival à noite, na TV. Me viu e, de lá, me levou para a (gravadora) PolyGram. Então minha carreira começou. Foi fundamental.



A Globo chegou a fazer um último festival, mas era tão "de plástico" que ninguém acreditou naquilo. Nem o cara que ganhou. Nada aconteceu. As torcidas eram fabricadas, era uma coisa estranha e totalmente artificial.



A música era o grande foco dos festivais que lançaram Elis, Milton, Caetano e Chico. A música era a grande estrela da história. Depois passou a ser o comercial, o patrocinador. Lá atrás, no passado, lançava compositores. Depois virou mostruário de artistas para gravadoras. Isso já não é mais necessário hoje. As gravadoras não estão interessadas, muito menos patrocinadores. Talvez por isso os grandes programas de música sejam exibidos à 1h.



G1 — Que balanço você faz de seus 30 anos de carreira?

Leila — Bem, eu ia ser médica. Fiz dois anos de faculdade de Medicina. Acho que fiz a melhor escolha da minha vida. Porque fui atrás de uma coisa que, imaginando àquela altura, podia dar certo. E deu. Depois, logo de cara, encontrei pessoas muito importantes, como o Menescal. Ele não me fez nenhum tipo de exigência de mudança de caminho. Já foi um baita de um acerto. Também tive tempo para errar à beça, porque fiz uns discos "qualquer nota" no começo (risos). Mas também tive tempo para acertar e errar de novo, que é o que continuo fazendo. Tenho um trabalho solo que me leva para lugares que jamais imaginei que pudesse chegar. Estou em paz com a minha música, fazendo o que eu quero. Abri meu selo, o Takaká Music. Gravo o que quero. Essa liberdade é fundamental para criar. Se ano que vem, eu disser “Não quero fazer nada!”, eu posso parar. E ponto. Mas confesso: faço 52 anos este ano e tenho que pensar muito na sobrevivência dessa carreira dentro desse mar de bizarrices da música, aproveitando que já utilizamos este termo.



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Manoel Messias Pereira

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