segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Exercitando a leitura na Biblioteca de Babel

Jornal Tribuna do Norte






Uma parte significativa da literatura contemporânea é constituída de reflexões sobre o fazer literário, como se não bastasse ao escritor produzir sua escritura; feito isso, ele teria de ainda debruçar-se criticamente sobre o texto, explicando-o e interpretando-o à sua maneira. É o que faz, por exemplo, o romancista e crítico Silviano Santiago, na entrevista que concedeu ao jornal Rascunho de dezembro passado.



Entre várias assertivas “provocativas”, o crítico mineiro rearruma os lugares do escritor e do leitor, esse conjunto binário indispensável à existência da literatura. Mas, agora, reservando um lugar mais ativo ao leitor do que aquele imaginado por Barthes e pelos desconstrutores pós-Derrida. Para Silviano Santiago o leitor está longe de ser um mero expectador de textos. Até aí, já o sabíamos, via Barthes e outros estudiosos da linguagem. O dado novo que ele introduz no sistema autor/leitor é, paradoxalmente, antigo: provém dos jesuítas e trata da ideia de que a literatura tem a mesma função para ambos: “Nós, escritores, escrevemos em uma folha de papel ou na máquina ou no computador, enquanto o leitor escreve naquilo que os jesuítas chamam de ‘folha de papel em branco da mente’ ”. Em decorrência disso, no ato da leitura o leitor carrega de significados sua mente, realizando uma ação similar, em essência, ao do autor do texto.



Outro aspecto não menos interessante da leitura, ainda conforme Silviano Santiago, é que ela se distingue também por ser um exercício de alteridade, ou seja, permite ao leitor entrar num mundo que não é o dele, e no qual se entra muitas vezes por um “processo de surpresa”. Quando o leitor dispõe de um repertório de cenas, de situações e de livros, esse exercício evolui para o que Santiago chama de “diálogo via intertextualidade”.



Ao ocupar seu lugar exclusivo na intangível Biblioteca de Babel imaginada por Borges (que, como sabemos, é ilimitada como o universo einsteiniano), o leitor tem acesso a todos os livros necessários à sua emancipação existencial e filosófica, na medida em que pode desenvolver sua visão de mundo de forma independente e autônoma. Isso se dá, conforme o escritor mineiro, devido a uma terceira característica da leitura: a mediação. A leitura ajuda a desenvolver projetos de possibilidades que também valem como utopias. O leitor sensível, inteligente, sempre conseguirá ver as relações estreitas entre aquilo que está lendo e a possibilidade de transformação, seja da realidade imediata, a realidade do mundo, seja ainda e, sobretudo, de si próprio.



Na sua longa entrevista ao jornal Rascunho, Silviano Santiago tem ainda oportunidade de discorrer sobre alguns dos temas polêmicos da atualidade literária brasileira: a situação da crítica (ou de ausência de), a premiação do Jabuti a “Leite derramado”, de Chico Buarque, em detrimento de “Se eu fechar os olhos agora”, de Edney Silvestre, e sobre seu novo livro, “Anônimos”, de contos.



As considerações que faz sobre a crítica literária, no Brasil, de certo modo refletem uma espécie de unanimidade latente: a dificuldade, a quase impossibilidade de se trabalhar com crítica no país, especialmente com a literatura contemporânea, porque não se pode negar que existe uma febril atividade crítica inspirando teses e dissertações acadêmicas, mas invariavelmente tratando de autores canonizados, o que equivale a dizer, defuntos. Fora da academia, prolifera uma crítica intermitente, quase invisível.



As longas entrevistas que o jornalista Rogério Pereira, editar do Rascunho, vem fazendo com escritores de todo o país, especialmente aqueles localizados nas regiões sul e sudeste, constituem hoje um dos mais instigantes retratos da literatura brasileira contemporânea, na medida em que não se atêm apenas à figura e à obra de cada entrevistado, mas relaciona-as com o processo de feitura, publicação e trabalho subsequente que todo livro impõe ao seu autor.







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Manoel Messias Pereira

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