segunda-feira, 18 de março de 2013

A crítica de cinema através dos tempos


ANÁLISE
A crítica de cinema através dos tempos
18.03.2013
 



Das colunas de entretenimento aos livros especializados, a importância do pensar sobre o cinema

"Cidadão Kane", de Orson Welles é um dos clássicos do cinema: filme-revolução

Oriundo do grego "Kritikos", o termo "crítica" tem sido definido por vários autores, dentre os quais o saudoso lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, como a arte ou faculdade de examinar e/ou julgar obras ou peças de teor literário ou artístico. Os exegetas veem o crítico como "skilled in judging", ou seja, hábil ou proficiente em julgar, avaliar, opinar, expressando-se em geral por escrito, sob a forma de análise, comentário ou apreciação técnica e/ou estética. Ler ou escrever sobre crítica nos leva ao "New Criticism" ou Nova Crítica, movimento crítico-literário surgido nos EUA na década de 30, o qual modificou bastante o sentido e o estilo da literatura ao considerar a obra literária como um todo autônomo e autossuficiente, com seus elementos organicamente relacionados, independentes de dados históricos ou biográficos do autor. Assim, atribuiu-se a verdadeira significação da crítica às intenções de quem se decidiu a escrevê-la.

Em resumo, o exercício da crítica consiste antes em examinar uma obra de arte, seja de pintura, literatura, música, arquitetura, cinema etc., para determinar seu valor em relação a um fim nobre, à coerência das ideias, à estética, à criatividade, à verossimilhança, à competência técnica etc. Quanto à crítica de cinema, já não se menosprezava esse duto labor e seu valor intrínseco, como faziam alguns poucos analistas nos anos 30 e nos primórdios do cinema sonoro, sem esquecermos o trabalho dos críticos nos tempos tumultuosos da II Guerra. À medida da crescente importância do cinema como a arte do século ou da 7ª Arte, como queiram outros, passou-se a ver como legítimo o interesse dos cinéfilos e do público esclarecido na leitura das análises feitas por críticos de reconhecida competência e vivência no métier.

De início, como se sabe, as críticas surgiam nas colunas de entretenimento, depois em suplementos e páginas dos jornais e revistas e logo até mesmo em livros voltados para a análise dos "melhores da década" ou dos "melhores do ano" ou, como pensavam os grandes cineastas, quando faziam seus filmes, máxime quando foram criados os prêmios anuais como o Oscar de Hollywood, o Bafta inglês, o César francês, o Donatelo Italiano e os de vários outros países. "Cidadão Kane", o chamado filme-revolução do grande Orson Welles, exibido com casas cheias nos idos de 1941, também abriu espaço para o não menos importante "It´s All True", fruto desse genial ator-escritor-produtor e diretor com experiência no palco, na vivência radiofônica e por trás das câmaras. Em 1938, como se sabe, Welles criou o pânico nos EUA com vívida versão radiofônica da Guerra dos Mundos. Sua intuição e criatividade, quando está por trás das câmaras para valorizar os valores imagéticos de um filme, são apenas algumas das qualidades intrínsecas de Welles. Quem quiser saber mais sobre o "wonderboy" de Wisconsin basta ler o livro de Sérvulo Siqueira, "Orson Welles no Brasil, Fragmentos de um Botão de Roda Tropical", e outro sobre sua presença em Fortaleza e nas jangadas rumo ao velho Rio de Janeiro, terá no jornalista e crítico Firmino Holanda um guia dos melhores.

Para André Bazin, crítico, autor e um dos grandes teóricos do cinema, talvez "Citizen Kane" tenha aberto o caminho não só para uma interpretação do enigma de "Kane" (terminado o filme fica-se realmente sem saber quem é mesmo esse personagem, assim como o de outros intérpretes dessa equipe, como o extraordinário fotógrafo Gregg Toland, a música de Bernard Hermann, a presença de Agnes Moorehead). De fato, concluída a projeção, muitos espectadores ficam em dúvida sobre quem compôs esse personagem Kane e quais suas intenções intrínsecas. Foi quando outros cineastas de méritos lograram enriquecer a 7ª Arte e dar aos críticos de renome um "status" da maior importância. Para Ralph Stevenson, prestigiado autor de "Cinema as Art", livro indispensável na estante dos cinéfilos, os críticos do nosso tempo querem assistir aos filmes em exibição, mas também, é claro, discuti-los e analisá-los como veículos artísticos, notadamente em seminários e grupos de trabalho e até mesmo no próprio palco, quando um crítico debatia o filme com quem não quis deixar o recinto.

De fato, é necessários reexaminar as conexões de um filme, o nexo causal de certas cenas, verificar se há pontas soltas e o valor dos detalhes. Quanto à atuação dos atores, é naturalmente ponto-chave, pois devem convencer como personagens do drama e como o cineasta trata do poder das imagens, da categoria da fotografia e cores e em preto e branco, dos signos visuais e das elipses. Estas, como sabemos, ocorrem quando certos eventos pertencem aos conflitos tratados no filme como, por exemplo, em "Enigma de um Vida" (The Swimmer), película insólita dirigida por Robert Perry, numa ousada criatividade e final rico de significados.

Filmes da categoria de "Ano Passado em Marienbad" (L´Année Dernière a Marienbad"), de Alain Resnais e Robbe-Grillet, um dos maiores feitos já conseguidos pelo cinema, têm conseguido levar o cinema a um nível jamais pensado pelos críticos. Para Jacques Brunius, crítico e editor da "Sight and Sound", revista respeitada pelo mundo da crítica, "Marienbad" foi "o maior filme já feito até hoje e lamento quem não ache isso"... Para o chamado papa do "nouveau roman", sua estada a convite da UFC foi bem aproveitada pelo saudoso Clube de Cinema de Fortaleza. Ouvir desse "metteur-en-scene" francês alguns subsídios referentes à magia do cinema e às perspectivas da Arte do Século nos próximos anos foi algo inesquecível do qual nosso Darcy Costa, presidente do Clube de Cinema de Fortaleza, e este escriba jamais esquecerão.

Muitas outras achegas, é claro, poderiam ser acrescentadas a estas notas, mas o espaço disponível limita maiores considerações. Quanto às omissões, serão compensadas por alguns artigos de nossa lavra a serem editados ainda este ano, neles incluída a tipologia de Truffaut. Ou seja, sua visão dos diversos termos pelos quais as imagens podem diferir umas das outras e até orientar o próprio cinéfilo ou crítico quanto à forma pela qual o notável cineasta francês interpretou ou definiu os valores imagéticos com os quais o cinéfilo pode entender melhor a que vieram as imagens dos filmes e como podem ajudar-nos. Ficamos por aqui.

L.G. DE MIRANDA LEÃO*
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
Crítico de cinema

Diario do Nordeste


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Manoel Messias Pereira

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