segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

"Completamente Rosado" Luís da Câmara Cascudo e a Escrita Biográfica de Jerônimo Ribeiro Rosado




"Completamente Rosado": Luís da Câmara Cascudo e a Escrita Biográfica de Jerônimo Ribeiro Rosado (Parte 1)

por Bruno Balbino Aires da Costa

Bruno Balbino Aires da Costa[1]



Jerônimo Ribeiro Rosado nasceu no dia oito de dezembro de 1861 na Vila de Pombal, na província da Paraíba. Em 1885, fica órfão e muda-se para Catolé do Rocha, passando a trabalhar como comerciante na loja do senhor Amorim, onde dormia, comendo na pensão de Maria Joaquina da Conceição.[2] No mesmo ano, por incentivo do Juiz municipal de Pombal, Venâncio Neiva, que visitava constantemente Catolé do Rocha desde 1879, Jerônimo Rosado, segundo Cascudo, ficou instigado a estudar medicina no Rio de Janeiro, abandonando o balcão do comércio em 1885 para estudar na Corte. Quatro anos depois, agora formado em Farmácia pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Jerônimo Rosado retorna a Catolé do Rocha, instalando na cidade a "Botica de Sêu Rosado". No final do ano de 1889, cumpria o que tinha combinado com a senhorita Maria Amélia Henrique Maia: casar-se com ela. Entretanto, a vida de recém-casado em Catolé do Rocha estava com os dias contados. Em 1889, Jerônimo Ribeiro Rosado recebe uma carta do médico Francisco Pinheiro de Almeida Castro, convidando-o para instalar, sob o seu patrocínio, uma farmácia em Mossoró. Segundo Cascudo, Jerônimo Rosado aceita o convite de Almeida Castro, requerendo à Câmara municipal da cidade licença para instalar uma farmácia na rua Graf, começando a partir daí sua "servidão jubilosa de quarenta anos."[3]

Todas estas informações biográficas, apresentadas até agora, foram retiradas do livro Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província (1861-1930,) escrito por Luís da Câmara Cascudo em 1966, e publicado pela editora carioca Pongetti em 1967.

Este livro trata da história de vida de Jerônimo Rosado, patriarca da família, e de sua "ação" e serviço a Mossoró. Luís da Câmara Cascudo é convidado por Vingt-un Rosado, mecenas da cidade, para escrever uma história, não especificamente de Mossoró, mas da trajetória de vida de Jerônimo Rosado, pai de Vingt-un, e a sua relação com a própria cidade.

Na carta do dia doze de agosto de 1966, Luís da Câmara Cascudo responde a Vingt-un Rosado,[4] aceitando o convite para escrever a biografia de Jerônimo Rosado: "Sargento-mor, Sobre Jerônimo Rosado? Nem carece perguntar...Topo. Capitão-mor."[5] Luís da Câmara Cascudo, cumpre sua missão: escrever sobre a cidade, desta vez, sobre um dos seus "plantadores": Jerônimo Rosado.[6]

A biografia de Jerônimo fez parte do projeto de Vingt-un de estabelecer uma aproximação entre a história de sua família e a história de Mossoró. Esta tendência esteve presente no plano editorial da Coleção Mossoroense[7], desde seu início, no final dos anos quarenta até os dias atuais,que lançou vários números versando não só sobre a vida de Jerônimo Rosado, mas também de Dix-sept, Dix-huit, Nono Rosado, Vingt e Tércio, todos fazendo parte da memória e da história da cidade e através da mesma se imortalizam.[8]

Para escrever a biografia, Cascudo teve o auxílio do próprio Vingt-un Rosado.[9] É este que fornece ao intelectual toda a documentação, livros, cartas íntimas, arquivo comercial, relatórios administrativos, reminiscências das filhas e dos filhos, netos, noras, genro, "páginas úmidas de emoção",[10] o qual é descrito assim:

Sargento-mor querido,

Estou completamente rosado(grifo nosso). Trabalhando. É um mundo em que deverei ajustar-me, devagar e cuidadosamente. V. vai mastigar brasas com as minhas perguntas. Mande, mande, mande... O nome de ALMEIDA que trabalha com Rosado na farmácia AZEVEDO. É farmacêutico e quero o nome todo. Quando a FÁRMACIA AZEVEDO tornou-se FARMÁCIA ROSADO? Ficava na rua do Graf? Até quando? Nome atual da RUA GRAF (...).[11]

Ao receber de Vingt-un a documentação sobre a vida de Jerônimo Rosado, Cascudo sai de sua escrivaninha e se desloca para o mundo do seu biografado, construindo sua vida como texto ao mesmo tempo em que ele se constrói como biógrafo, deslocando-se para um mundo que o mesmo Cascudo criou, o qual está inscrito momentaneamente, ficando "completamente rosado", justamente para poder falar sobre Jerônimo.

É interessante notar que mesmo Vingt-un possuindo em suas mãos todas as fontes e recursos para escrever a história de vida do seu pai, esse papel é transferido para Cascudo, embora tenha sido acrescido ao livro Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província (1861-1930) dois trabalhos, que correspondem a dois terços da obra, de autoria de Vingt-un versando sobre Jerônimo Rosado. O interesse de Vingt-un em anexar seus trabalhos aos textos de Cascudo é estratégico, pois projeta a sua própria escrita. Desse modo, temos uma dupla autoria: Cascudo e Vingt-un. Porém oficialmente a autoria é destinada ao primeiro em detrimento do segundo. O que se coloca é: Se Vingt-un escreveu sobre seu pai, por que a necessidade de convidar Cascudo? Em seus escritos e em entrevistas Vingt-un sempre se preocupou em se escusar desse papel de escritor, segundo ele, por não considerar destinado para essa função, cabendo-lhe, de fato, apenas organizar livros.[12]Mesmo possuindo todo o arsenal documental para elaborar uma biografia de seu Pai, Vingt-un convida Cascudo. O motivo do convite não foi por causa da inabilidade de Vingt-un para a vida escriturária. O que explica Luís da Câmara Cascudo escrever sobre a biografia de Jerônimo Rosado é justamente por sua posição diferenciada de autoria, uma escrita que é recebida pela sociedade com certo status daí a importância de uma biografia produzida por ele. Além disso, vale salientar que um dos gêneros literários em que Cascudo mais se deteve durante a sua vida intelectual foi a biografia.

Na década de trinta, Cascudo escreve: O Conde D Eu (1933), Em memória de Stradelli (1933), O Marquês de Olinda e o seu tempo (1938) e O doutor Barata (1938). Na década de cinquenta foram duas biografias: História de um homem (1954) e Vida de Pedro Velho (1956) e nos anos sessenta três: Vida breve de Auta de Sousa (1961), Nosso amigo Castriciano (1965) e Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província (1967). Todas estas biografias cascudianas versam sobre os personagens vinculados a história política e intelectual do Rio Grande do Norte e do Brasil. Em grande medida, estas biografias são edicadas aos personagens ligadas à monarquia, justamente porque Cascudo simpatizava com esta forma de governo.[13]

Um traço marcante que atravessa a escrita das biografias supracitadas é o predomínio da visão romântica em relação aos biografados. Sobre esse estilo de produção biográfica, Pierre Bordieu caracteriza-o por uma escrita que toma o sujeito na sua unidade, na filosofia de sua existência, num relato linear e totalizante.[14]

No caso da grafia de vida de Jerônimo Rosado, a qual nos deteremos aqui, esse estilo romântico aparece em vários momentos da escrita cascudiana, como, por exemplo, quando o próprio Cascudo toma a trajetória de vida de Jerônimo na sua unidade e totalidade: "Um Homem é invariavelmente a soma dos muitos homens que nele vivem. O meu Jerônimo Rosado é o que encontrei no diagrama do percurso, de 1861 em Pombal a 1930 em Mossoró. O meu, vale dizer, visto por mim." [15] O Jerônimo Rosado de Cascudo é uma criatura reservada, recatada, desconfiada, homem que planta e cava gipsita ao mesmo tempo em que cria e educa os filhos. Como mostra o trecho acima, Luís da Câmara Cascudo tem convicção da construção de um Jerônimo Rosado dele. Jerônimo é visto por ele de forma fragmentada, no entanto os fragmentos de vida do seu biografado, quando somados pela sua narrativa, constituem uma pessoa inteira. Assim, a vida de Jerônimo é apreendida por Cascudo na sua unidade como se seu biografado fosse uma soma de particularidades que o singularizam ao mesmo tempo em que o totaliza dando-lhe uma impressão de conjunto. Posto desta maneira, quais imagens de Jerônimo Rosado foram escolhidos por Cascudo para comporem uma unidade de vida ao seu biografado?

As imagens de Jerônimo selecionadas por Luís da Câmara Cascudo estiveram em consonância com as imagens da cidade de Mossoró. A estratégia de Cascudo de tomar Jerônimo a partir de uma multiplicidade de imagens esteve necessariamente ligada à produção de uma identidade que urdisse o homem a cidade. Ao biografar Jerônimo Rosado, Cascudo queria tratar de Mossoró, exatamente para vincular a cidade a família Rosado.

O livro Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província (1861-1930) (1967), foi organizado obedecendo às regras do estilo romântico, no qual o biografado é escrito e descrito a partir de um sequência linear de acontecimentos, propostos pela regularidade temporal ao mesmo tempo que sua vida é pensada de forma coerente, unívoca, construída por uma unidade discursiva que não cessa de apresentar um Jerônimo Rosado na sua integralidade conferindo-lhe uma vida uniforme, sem descompassos nem descontinuidades. Nesse sentido, Cascudo divide o livro em cinco capítulos.

No primeiro, o autor registra apenas as cenas iniciais do livro, como: o convite feito por Vingt-un para escrever sobre a biografia de seu pai, passando por uma síntese geral da vida do próprio Jerônimo Rosado, e, por fim, Cascudo aponta como o livro foi organizado e a razão da sua escrita: "Não escrevi o elogio de Jerônimo Rosado, mas expus a documentária de sua vida, modesta e benemérita. Uma ação brasileira na província." [16]

Chamamos a atenção para o fato de Cascudo construir a biografia de Jerônimo Rosado a partir de um sentido de vida que tem como objetivo primordial a missão na província. Esta categoria espacial evidenciada por Cascudo é pensada por ele sob o signo do regionalismo em que a nação se constrói. O nacional é entendido a partir da província, daí a ação de Jerônimo Rosado de "civilizar o sertão", como analisaremos posteriormente, se coloque como sua contribuição para civilizar a nação, pois para Cascudo o sertão, a província, é o reduto do Brasil original.

A biografia de Jerônimo segue dois traçados principais que percorrem todo itinerário do livro: a vida simples e o benemeritismo de "Seu Rosado". Ao invés de escrever primeiramente sobre a trajetória cronológica da vida de Jerônimo Rosado, Cascudo expõe mais especificamente no segundo capítulo, suas virtudes, suas singularidades em meio ao universo que Jerônimo circulou e participou. Cascudo apresenta Jerônimo Rosado como uma singularidade em meio à pacata cidade de Mossoró, um contraponto a essa sociedade, uma particularidade e não uma metonímia. Vejamos:

Numa cidade de cadeiras na calçada, "rodinhas" de conversa, anedotário solto, vocabulário ardente, timbres altos da emissão sonora das vozes nordestinas, das gargalhadas dinamizadoras hormonais, "casos" do coronel Vicente Mota, "respostas" de Costinha de Horácio, comunicação afetuosa esquentada em confidências de urtiga e pimenta, seu Rosado era uma exceção notória, uma solução de continuidade (grifo nosso), uma pausa silenciosa na orquestração fremente dos desabafos amistosos. Um homem que não ria, não gritava, não dizia nome-feio. Falava depressa, ciciado, baixinho, como se segregasse o recado discreto. Não bebia álcool. Não acendia o grosso cigarrão comunitário, índice sertanejo das prosas animadas. Saudava a todos, operários, mendigos, vadios, crianças.[17]

Jerônimo Rosado é descrito como uma "exceção notória", mas também como "solução de continuidade". Ao mencionar o continuísmo, Cascudo recorre à própria noção de tradição. Para ele, Jerônimo Rosado seria a expressão da tradição, pois é descrito como alguém que se mantinha fiel aos seus princípios e que estava diretamente ligado ao seu ambiente, ao seu espaço, legitimando a continuidade dos Rosados em Mossoró.

Luís da Câmara Cascudo urde a vida de Jerônimo comparando-a a própria sociedade em que o seu biografado estava inserido. Esse modo de escrever, comparando, elabora um modelo que se distancia organicamente do meio social que está compartilhando, produzindo-lhe uma identidade a partir da diferença que se constrói em relação à outra realidade que, no caso, é coletiva: a sociedade mossoroense.

Desta maneira, a escrita cascudiana apresenta o "coletivo" não para evidenciá-lo, pelo contrário, para fazer emergir dentro dele aquilo que lhe é mais significativo: o indivíduo, tornando-lhe o centro gravitacional da narrativa, comparando-o para diferenciá-lo e não para torná-lo o mesmo, possibilitando uma leitura, instituindo uma identidade pela distinção, ou seja, distingui-lo para torná-lo possível de ler em um universo que é descrito uniformemente.

Enquanto, Jerônimo Rosado é descrito como calado, discreto e não ri, a narração destes detalhes anedóticos constituí o próprio fascínio e o sentido do gênero biográfico romântico,[18] os mossoroenses são caracterizados pelo "vocabulário ardente, timbres altos da emissão sonora das vozes nordestinas, das gargalhadas dinamizadoras hormonais." Se Jerônimo Rosado fosse apresentando, por Cascudo, como qualquer outro mossoroense sua singularidade não apareceria, logo, a dimensão do biografado não poderia ser possível.

Cascudo, evidencia um Jerônimo inscrito numa sociedade que lhe é estranha, embora o seu biografado e os habitantes de Mossoró estejam coletivamente partilhando das mesmas experiências e do mesmo meio social. Um jogo de contrastes sonoros: em meio às gargalhadas altas e do amontoado de vozes dos munícipes, o Jerônimo cascudiano, mesmo ciciando, é uma "exceção notória". Assim, Cascudo institui um paisagem desenhada pelos contrastes que coadjuva o coletivo e protagoniza o indivíduo, fazendo ver um "retrato natural" do seu biografado a partir da perspectiva da "paisagem social" onde ele mesmo viveu durante quarenta anos.[19] Uma ficção do saber romântico, que torna o biografado diferente e singular, enquanto o seu meio social é descrito de forma uniforme e homogêneo.

Desta maneira, Cascudo vai tecendo a vida de Jerônimo Rosado como se tivesse bordando, amarrando cada nó e cada ponto para que a soma dos muitos nós e dos muitos pontos possam colorir o bordado biográfico de "seu Rosado". Jerônimo seria a soma de outros Jerônimos: o colaborador social, o animador do Club Dramático Familiar[20], o professor de Química e Física do colégio Sete de Setembro, recém-chegado a Mossoró, o grande educador dos filhos, o religioso, mesmo não assumindo uma posição definida, católico ou protestante, atencioso com as crianças, caridoso com os pobres. Essas imagens que Luís da Câmara Cascudo selecionou de Jerônimo Rosado está ligada a cidade de Mossoró. Em grande medida, esses discursos imagéticos em torno de Jerônimo produzem sentidos arrolados nas imagens da própria cidade. O club e a escola, por exemplo, demonstram lugares da cidade que Cascudo evidencia em consonância com os aspectos da vida de Jerônimo, respectivamente, o animador do club e o professor.

A ficção cascudiana constrói também a imagem de um Jerônimo Rosado vestido de vida simples e moralizante, contíguo a todos desde os mais ricos aos miseráveis:

Era um oráculo inteligível pelo gesto, breve e leve, e não pela voz. Antes da resposta, o interlocutor sentia a concordância ou a reprovação. Ante seu Rosado, como diante de nenhuma outra figura da gentry(sic) mossoroense, a compostura era uma atitude obrigatória e normal. Os homens de poderio econômico, dispondo de recursos que a imaginação local tornava fantásticos, jamais desfrutaram dessa projeção respeitosa, natural e comum, para qualquer filho da cidade ou do município... Não saudava a ninguém com o gesto de mão ou pela palavra, mas retirando o chapéu, num cumprimento completo e visível.[21]

Nesse trecho, Cascudo define a personalidade de Jerônimo Rosado a partir dos seus próprios gestos: "breves" e "leves". Para ele, a voz e o gesto tinham a mesma função "transmissora", embora, Cascudo considerasse que os gestos se sobreporiam a oralidade. [22] Para ele, o ato de gesticular traduziria as próprias ideias e é por isso que ao escrever a biografia de Jerônimo Rosado, Cascudo não tenha se dedicado a analisar os discursos de Jerônimo, mas sim os seus gestos.

Para Cascudo, ao gesticular a postura do corpo de Jerônimo já emite discursos e uma posição no espaço. Segundo Yi Fu-Tuan, a postura do corpo articula uma delimitação ao espaço, ou seja, produz uma espacialidade só pelo fato de estar.[23] Jerônimo é espacializado pelo seu corpo. Ele ganha visibilidade pelos seus gestos, pela sua postura.

Para Cascudo, o corpo de Jerônimo incorporava o próprio poder, justamente por representar a aristocracia mossoroense. Para ele, é o aristocrata, e não o burguês, que impõe uma presença de poder só pelo fato de estar. Os "homens de poderio econômico" não desfrutariam, segundo ele, dessa "projeção respeitosa", exatamente por pertencerem a um grupo social que não descenderia dos laços aristocráticos da monarquia ou do império. O burguês se imporia não pela sua postura, mas sim pelo seu poderio econômico, daí a diferença que Cascudo fez questão de registrar entre "seu Jerônimo", aristocrata, e os homens de negócio. O biografado de Cascudo só pela compostura produziria poder, por isso não era necessário falar.

Ao relatar o gesto de Jerônimo em retirar o chapéu para saudar as pessoas, Cascudo o compara a Vargas: "Quem empregaria essa técnica, aliciante e gentil, havia de ser homem tão diversamente afastado de seu Rosado: - Getúlio Vargas".[24] Talvez o objetivo de Cascudo nessa comparação esteja no sentido de aludir Jerônimo enquanto uma figura de políticos protetores, preocupados com os pobres, tal como foi associada à imagem paternalista de Vargas, denominado de "Pai dos Pobres." Obviamente que essas construções em torno da imagem de ambos visam enaltecer o benemeritismo de suas realizações políticas e a sua relação com o povo, daí, talvez, esteja à explicação para a alusão de Cascudo ao associar Jerônimo à imagem de Vargas.[25]

Por conseguinte, Jerônimo Rosado é escrito por Cascudo como um itinerário de vida coerente e perfeito, um homem aprovado pela sociedade mossoroense que o respeitava e o admirava. O Jerônimo cascudiano é, portanto, um personagem romântico, sem deslizes e sem imperfeições, uma projeção idílica de homem. Contudo, sabemos que, no seu caminhar há também o movimento movediço, o impreciso, o imponderável, o descontínuo, na qual a existência humana é passível tanto de azares como de sortes, de casualidades e de oportunidades. Cascudo constrói "Jerônimos" perfeitos e coerentes que somados resultam no Jerônimo Rosado infalível.

A infalibilidade de Jerônimo vai sendo tecida por Cascudo numa cronologia de fio único que ressalta o teor coerente e imaculado de sua trajetória de vida. No capítulo III do livro, a escrita biográfica cascudiana obedece à risca a cronologia da vida de Jerônimo Rosado, narrando a história de sua família na vila de Pombal, na província da Paraíba, em 1861, até sua morte nos anos trinta em Mossoró.

Cascudo vai urdindo uma narrativa linear e cronológica como se a existência de seu biografado fosse desenrolando na medida em que o tempo fosse passando, numa dança sincrônica de quadros que organizam sequencialmente o itinerário da vida de Jerônimo.

Para iniciá-lo, Cascudo insere na epígrafe do capítulo III[26] um trecho bíblico que diz: " Saiu a semear o que semeia". A passagem bíblica açambarcada por ele visa dar uma missão a vida de Jerônimo: semear a cidade de Mossoró. Não é a toa que, para Cascudo, Jerônimo Rosado faz parte "dos grandes mossoroenses iniciais que plantaram a cidade", forasteiros que saíram de suas terras com uma missiva de semear o progresso e a civilidade na cidade de Mossoró. [27]O trecho bíblico usado por Cascudo estabelece uma visão sagrada da missão que Jerônimo tem de semear e civilizar Mossoró. Sua vida segue o mesmo itinerário de uma vida de santo. Cascudo se apropria do gênero hagiográfico para escrever a biografia de Jerônimo Rosado.

Tal como as hagiografias antigas e modernas, Cascudo estabelece uma vocação a Jerônimo. Este é considerado pelo seu biógrafo como "herói-civilizador",[28] aquele que luta a favor da cidade, "por uma estrada, do mar para os sertões, numa paciente batalha contra o desalento e o conformismo. E simultaneamente, água para a população da cidade." [29]

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[1] Doutorando em História (PPGH/UFRGS), mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História e Espaços da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É professor efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN/MACAU).

[2] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. 3ed. Mossoró: Fundação Vingt-un Rosada, 1999. p.35 ( Coleção Mossoroense).

[3] A "servidão jubilosa" foi elaborada por Cascudo para fazer alusão ao serviço que Jerônimo Rosado e sua família prestaram a cidade de Mossoró. Idem.

[4] Infelizmente não sabemos nem o dia, nem o ano da carta de Vingt-un a Cascudo. Só sabemos do dia e do ano da resposta de Cascudo a Vingt-un. Intuímos, dessa forma, que tenha sido no mesmo ano que Cascudo respondeu a ele, isto é, em 1966.

[5] [Cartas de Luís da Câmara Cascudo a Vingt-un Rosado. 12 de agosto de 1966]. In: BRITO, Raimundo Soares de. Luís da Câmara Cascudo e a Batalha da Cultura. Mossoró:ESAM. 1986. (Coleção Mossoroense, Série C).p.82.

[6] "Os grandes mossoroenses iniciais, plantadores da Cidade, vieram de outros municípios ou foram cearenses como Almeida Castro e o vigário Antônio Joaquim, ou paraibanos como Jerônimo Rosado." CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.51.

[7] O Boletim Bibliográfico e a Coleção Mossoroense surgiram no final dos anos quarenta em Mossoró. O primeiro era um órgão mimeografado da Biblioteca e do Museu Municipal, ambos criados em 1948, com o fim de publicar títulos sobre os diversos aspectos da sociedade mossoroense. Até o número 9 de 28 de fevereiro de 1949 tinham sido publicadas 182 páginas com uma tiragem de 100 exemplares distribuída aos estudiosos do país e a entidades culturais. O segundo, criado logo após o Boletim Bibliográfico, tinha como objetivo reunir e publicar obras sobre os mais variados temas do município mossoroense e da região adjacente a Mossoró. O MOSSOROENSE, Mossoró, 31 mar.1949.

[8] FELIPE, José Lacerda Alves. A (re)invenção do lugar: os Rosados e o "país" de Mossoró. 1°ed. João Pessoa: Grafset, 2001, p.122

[9] Além de Vingt-un Rosado, Cascudo recorre aos depoimentos de parentes da família, bem como de outros estudiosos, notadamente memorialistas.

[10] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.10

[11] [Cartas de Luís da Câmara Cascudo a Vingt-un Rosado. 4 de dezembro de 1966]. BRITO, Raimundo Op.cit., p.84

[12] Revista Preá, Natal, n.3, set.2003.p.39-46.

[13] NEVES, Margarida de Souza. Artes e Ofícios de um "Provinciano Incurável". Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, n.24, p.65-86. jun 2002.

[14] BORDIEU, Pierre. Ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína. (Org.) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p.183-191

[15] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província, p.10.

[16] Idem, p.12

[17] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.15

[18] DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p.56

[19] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.10

[20] Grupo teatral responsável pela formação moral dos jovens espectadores, que esteve sob a presidência de Jerônimo Rosado de 1904 a 1906. c,p.17

[21] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.22-23.

[22] Idem. História dos nossos gestos. São Paulo: Melhoramentos, 1976, p.5

[23] TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983, p.39-42

[24]CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província, p.21

[25] PAIVA NETO, Francisco Fagundes. Mitologias do "País de Mossoró". 1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, p.20.

[26] Neste capítulo, Cascudo se destina a narrar cronologicamente à vida de Jerônimo Rosado. É interessante ressaltar também que o referido intelectual não nomeia os capítulos do livro, apenas recorta algum trecho ou passagem de um pensamento de algum autor ou até mesmo da bíblia.

[27] Assim como Jerônimo Rosado outros plantadores vieram a Mossoró, são eles: Almeida Castro e o vigário Antônio Joaquim. CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.51

[28] CASCUDO, Luís da Câmara. Op.cit. p.11.

[29] Segundo Francisco Fagundes de Paiva Neto, o conceito de "herói-civilizador" remete a figura de Jerônimo Rosado por causa das campanhas desenvolvidas por ele "junto aos poderes públicos para prover a região Oeste do Rio Grande do Norte de trilhos, para escoar a produção de artigos, e a questão do abastecimento d água, estiveram em pauta em diversas discussões sobre Mossoró e projetaram Jerônimo Rosado para o panteão dos desenvolvimentistas." PAIVA NETO, Francisco Fagundes. Mitologias do "País de Mossoró". 1997. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN., p.21.

Cascudo desenvolve uma narrativa em que a trajetória de vida de Jerônimo, antes de sua vinda a Mossoró, em 1889, serviu de preâmbulo para as realizações das atividades que o "herói-civilizador" desempenhará a serviço de Mossoró. É por isso que, Luís da Câmara Cascudo registra os momentos iniciais de sua vida, como, por exemplo, a sua formação em Farmácia na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro em 1886 a 1889.

Esse momento da vida de Jerônimo Rosado, narrado por Cascudo, se coloca como um período de formação e de provação. Seu biografado, tal como um santo e um herói épico, enfrenta várias provas, dificuldades e barreiras. Luís da Câmara Cascudo retoma a hagiografia e biografia épica como parte integrante do gênero romântico, mas provoca deslizamentos, uma vez que, tanto na hagiografia como o épico, não apresentava a ideia do indivíduo. Quando estes gêneros tratavam do sujeito/indivíduo, entendia-o na sua coletividade. Diferentemente, do romantismo que entendia o indivíduo não como uma expressão do coletivo, mas na sua singularidade. Desta maneira, a escrita biográfica de Cascudo é ambígua: ao mesmo tempo em que Jerônimo Rosado é singular em relação aos mossoroenses, pois ele é descrito como expressão dessa sociedade.

As provações encontradas por Jerônimo se integram ao conjunto de dificuldades que ele terá de enfrentar no Rio de Janeiro. Para descrever essas provações, Cascudo mobiliza vários recursos estilísticos no qual assentam a estrutura de sua narrativa sobre uma série de contraposições que tem uma base comum: a oposição entre duas realidades culturais e geográficas, o Rio de Janeiro cosmopolita e o sertão rude, presente no temperamento e nas posturas de Jerônimo[30]: "O desajustamento do seu temperamento com aquela alegria sonora da cidade povoada de boêmios, serenatas e lirismos noctívagos. Era um sertanejo sem lamúrias, sem intimidades, sem pedidos insistentes." [31]

Novamente, o estilo biográfico cascudiano constrói uma dada leitura da vida de Jerônimo Rosado a partir da antítese, agora, fincada no aspecto espacial. Jerônimo Rosado representaria, para Cascudo, o sertão culturalmente intocado, original, sinônimo de autenticidade e de brasilidade, contraposto ao litoral, associado à ideia de cosmopolitismo, artificialidade, manchado pelas vicissitudes externas. Essa forma de conceber as distintas representações espaciais, no que tange a concepção de formação social brasileira presentes na escrita cascudiana, está associada às várias influências que Cascudo teve durante os anos vinte do movimento modernista paulista, de Plínio Salgado e Mário de Andrade, em consonância com o movimento integralista de 30 que o próprio Luís da Câmara Cascudo participou no Rio Grande do Norte, como também do movimento regionalista e tradicionalista de Gilberto Freyre, José Américo de Almeida e José Lins do Rego.[32] Embora estes movimentos literários tenham pontos divergentes em relação ao modo de pensar a questão da representação do nacional, Cascudo soube conciliar várias dessas visões distintas, reelaborando-as para o seu próprio benefício. Uma delas está ligada ao sertão e o seu tipo social, o sertanejo.

Cascudo compara a vida típica do Rio de Janeiro, envolvente, sedutor, com Jerônimo Rosado, justamente para tratá-lo como uma metonímia do sertão que resistia às provações de uma sociedade "tentadora" cercada de um crescente cosmopolitismo que acoplava cerca de meio milhão de habitantes, mas que não atordoava nem estarrecia Jerônimo. Em vez de se integrar ao conjunto sedutor da metrópole tropical, suja, brilhante, acolhedora, inesquecível, de famílias ricas que davam festas deslumbrantes, Jerônimo, visto por Cascudo, não bebia, não jogava, não fumava. Ao invés da boemia carioca, estudava hebraico na madrugada, no recôncavo do seu quartinho de pensão humilde, sem mesa, estirando a roupa amarfanhada com uma garrafa.[33] Jerônimo seria o autêntico sertanejo e, portanto, aquela figura "original", quase intocada pelas transformações trazidas pela modernidade e pela sociedade burguesa, tal como pensavam algumas vertentes do modernismo paulista[34] e também do regionalismo-tradicionalista.[35]

Segundo o historiador Raimundo Arrais, ao relatar sobre a vida de Jerônimo Rosado no sul, Cascudo revela uma empatia que o aproxima do seu biografado. Assim como ele, Cascudo realizou uma viagem, absorvendo uma cultura universal, mas se recusou diante das oportunidades de viver fora de sua Natal provinciana.[36] Jerônimo é o espelho de Cascudo. O biógrafo acaba possuído pelo biografado.[37] Luís da Câmara Cascudo escolhe dadas imagens de Jerônimo porque se parece com ele. Para o intelectual, Jerônimo Rosado esteve imbuído do mesmo sentimento do provincianismo que o fincou em Natal, pois, assim como ele, o jovem Rosado, depois de formado, deixara o sul para sua missão na província daí a justificativa do título da biografia: Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. Para Cascudo era ao sertão e não ao Rio de Janeiro que Jerônimo destinaria sua vida e seu ofício de Farmacêutico:

Terminara a etapa. Olhava, enamorado, a Carta de Farmacêutico. Para ela e não para o Rio de Janeiro envolvente, o Sul sedutor, volvia a esperança do trabalhador. A demora em voltar era o exame para o reajustamento no sertão legítimo, abrindo novo ciclo na vida esforçada. Não lhe passou pela cabeça continuar no Rio de Janeiro, agora titulado num curso superior. Trazer a Sinhazinha para a capital do Império. Aquele azimute de marcha orientava-se para as coordenadas geográficas do Catolé do Rocha, partindo da Guanabara. E não o inverso, o lógico, humano e natural para os vinte e sete anos sólidos e o bigodinho de poeta romântico.[38]

Para Cascudo, a vida de Jerônimo no Rio de Janeiro serviria como provação e preparação para a sua ação na província, agenciando elementos para o seu regresso ao Norte, daí a demora em voltar era o exame para o reajustamento no sertão. A longa formação em Farmácia na Corte vai ser, para Cascudo, a primeira forma de contribuição de Jerônimo Rosado para o serviço em favor da província, ou seja, civilizá-la

A biografia de Jerônimo é um relato de viagem, uma geografia do sagrado. O texto de Cascudo sobre Jerônimo circula em torno de um lugar: a província. A vida de Jerônimo é dividida, entre uma partida e um retorno. De modo semelhante aos hagiógrafos antigos e modernos, Cascudo institui uma vocação a Jerônimo. Tal como os santos que se exilam de um espaço primeiro para conduzi-lo a um espaço outro, no qual sofre provações, o Jerônimo Rosado cascudiano sai da Paraíba para ser provado no Rio de Janeiro para cumprir sua missão em Mossoró. Este esquema, segundo Michel de Certeau, permite introduzir os leitores no movimento do texto, produz uma leitura itinerante, uma geografia do sagrado, no qual conduz o santo ao lugar enunciado, isto é, o espaço em que a missão se cumprirá.[39]

A característica benemérita e civilizatória atribuída ao jovem Rosado por Cascudo é apresentada como demonstração do seu amor a terra. Para o intelectual o sentimento telúrico e o benemeritismo justificam a volta de Jerônimo Rosado em 1889, ao Norte, mais precisamente, a Catolé do Rocha, cidade de sua noiva, Maria Amélia Henriques Maia.

Mesmo residindo primeiramente em Catolé do Rocha, a província de Jerônimo Rosado não era a Paraíba. O destino de sua vida estava além das terras paraibanas. Cascudo narra o momento da vinda de Jerônimo Rosado a Mossoró em 1889 quando aceitou o convite para instalar em 1890, juntamente com Almeida Castro, uma farmácia na cidade. Para Cascudo é nesse momento que Jerônimo Rosado começa sua missão de civilizar Mossoró.

Luís da Câmara Cascudo descreve que a motivação de Jerônimo em residir em Mossoró esteve estreitamente ligada ao momento do empório comercial e do surto econômico que a cidade estava vivendo em fins do século XIX. Vejamos:

Irá para uma cidade funcionalmente capital de toda a região limítrofe além de todo o oeste norte-rio-grandense. O porto do mar, Areia Branca, onde despeja o rio Apodi-Mossoró, é o escoadouro natural das matérias-primas. O comércio local supre pedidos do sertão inteiro. Tem-de-tudo, com abundância, variedade, modernice. E é mercado comprador dos produtos enviados nos intermináveis comboios, vindo dos sertões de Pernambuco e da Paraíba.Vende tudo e compra tudo em condições de pagamento imediato, em espécies ou mercadorias (...) A família dos Maias estendia, tenaz e amorosamente, uma raiz invencível para o Mossoró, através de Jerônimo Rosado, para replantar-se e reflorir, perenemente.[40]

Motivado pelo dinamismo econômico de Mossoró no final do século XIX, segundo Cascudo, Jerônimo Rosado é descrito pelo intelectual como um indivíduo que se interessa pela terra, fincando-se como uma "raiz invencível". Ao enunciar que "seu Rosado" saiu da Paraíba e se enraizou em Mossoró, Luís da Câmara Cascudo está legitimando o enraizamento dos "herdeiros de Jerônimo Rosado" que até hoje parecem invencíveis em Mossoró.

Cascudo constrói uma narrativa que endossa a "permanência invencível" dos Rosados na cidade a partir de Jerônimo Rosado. É a ação dele em Mossoró que interessa a Cascudo, daí, porque destina um capítulo inteiro, o quarto, para justamente discorrer sobre as contribuições que Jerônimo deu a cidade.

Mais uma vez, Cascudo se apropria da linguagem bíblica para narrar à "sagrada" vida de Jerônimo: "E no alto plantarás a tenda". Agora, sua escrita registra a vivência do seu biografado em Mossoró.

Em meio a conjuntara de empório que a cidade vivia, no final do século XIX, marcada pelo fluxo de pessoas e serviços advindo de toda a região limítrofe da província do Rio Grande do Norte e de outras praças, Jerônimo Rosado, para Cascudo, contribuiu fundamentalmente para a vinda do progresso e da civilização a Mossoró, "plantando" o ensino, a saúde e a vida política na cidade.

Cascudo mostra que a formação em Farmácia na faculdade da Corte possibilitou a Jerônimo Rosado prestar serviços a Mossoró como, por exemplo, na educação ao lecionar Física e Química no Colégio Sete de Setembro no início do século XX, sendo considerado o "primo-motor" da educação secundarista da cidade, e o de farmacêutico, que fazia experimentos e produzia medicamentos, como por exemplo, o antinevrálgico Rosado, a viperina, o peitoral de Joatonka, o elixir anti- asthmatico, o elixir anti-sezonatico, para o consumo da gente da cidade e de outros Estados como o Ceará e Pernambuco. Cascudo registra que as criações farmacêuticas de Jerônimo Rosado renderam-lhe em 1908 a Medalha de Ouro e Menção Honrosa na Exposição Internacional de 1922, ambas no Rio de Janeiro.[41]

O Jerônimo professor e farmacêutico lançaram as bases, segundo Cascudo, para outra ação na "província": a política. É interessante que ao relatar sobre a participação política de Jerônimo Rosado em Mossoró, Cascudo tenta despolitizá-lo. Ele faz crer que na cidade havia um vazio político, pois ninguém constituiu um domínio político. Mossoró seria uma cidade sem um enraizamento político, pronta para receber as sementes políticas trazidas pelos plantadores forasteiros como, por exemplo, Jerônimo Rosado. No mesmo período, início da República, Natal, diferente de Mossoró, teria uma organização política alicerçada em bases mais sólidas, tendo em vista que a capital norte-rio-grandense era dominada pelos Albuquerque Maranhão.[42] Embora apresente Jerônimo Rosado como republicano, segundo Cascudo, seu biografado foi o menos político dos homens.[43]

Para Luís da Câmara Cascudo o que levou Jerônimo Rosado a participar da vida pública em Mossoró durante o regime republicano, não foram suas ideias coadunadas com a nova organização política, mas sim o sentimento telúrico, pois "o que realmente lhe interessava era Mossoró". É por isso que Cascudo atrelava a vida política de Jerônimo mais a amizade que ele tinha com o Doutor Castro, que era republicano, do que as convicções partidárias republicanas:

Politicamente, o mesmo critério unitário e medular, presidirá a vida clara e simples. Almeida Castro é o amigo orientador. Não tem desejos, ambições, amarguras, decepções. Acompanhará (sic) o doutor Castro pelos caminhos que este escolher. Serão dignos de suas pegadas fiéis, deixando o exemplo na pedra para que os filhos vejam a direção coerente e serena. Ao votar, pela primeira no Mossoró republicano, manhã de 11 de setembro de 1892, votou ouvindo (sic) Castro. Sua missão individual seria outra.[44]

Vincular os laços de amizade entre Almeida Castro com Jerônimo Rosado tem um claro objetivo de despolitizá-lo. Essa menção de Cascudo pode ser entendida a partir da sua própria maneira de pensar a política a partir das práticas das relações pessoais, depreciando os moldes republicanos de se fazer política, uma vez que Cascudo era simpatizante do regime monárquico. A república, para ele, representaria uma das transformações no cenário político que escamoteou a tradição política do império fazendo desaparecer um passado calcado na tradição que é apresentado por ele através do signo da monarquia, agora, decadente pelas vicissitudes da República, caracterizada pelas disputas pelo poder a partir do interesse pessoal, do benefício próprio, individual. Sua visão de política é negativa, sobretudo, aquela ligada a política partidária, a democracia liberal. Por isso elogia regimes centralizados, autoritários, como a monarquia. O discurso político de Cascudo se constrói em nome da despolitização. Ele elogia a política dos melhores, dos mais capacitados, por isso critica a democracia liberal, porque escolhe qualquer um, não necessariamente os melhores. Desse modo, a política para Cascudo é destinada para alguns, uma visão antiga de poder, semelhante, ironicamente, a República de Platão.

Embora, tenha descrito Jerônimo Rosado como republicano, ou segundo ele, "dizia-se republicano", seu biografado não representaria essa tendência política, ele é apresentado a partir do benemérito, do serviço prestado a cidade, ação que, para Cascudo, não advém das ligações no campo do poder, mas sim da ação telúrica e do comprometimento em plantar a cidade. É por isso que Cascudo despolitiza Jerônimo, exatamente, para descrever uma ação cosida no apego a terra, no provincianismo, e não por projeção pessoal. É por isso também que faz questão de registrar que Jerônimo Rosado não participou da revolução de 1930, pois o seu compromisso seria o serviço a cidade e não o interesse próprio:

Quero ressaltar um pormenor. Rosado não apelou para o civismo dos "autênticos" de 1930 como não discursara aos amotinados de 1921. Sentia-se com a credencial da confiança coletiva quem estava ao serviço de Mossoró desde 1890.[45]

O Jerônimo cascudiano assume, desta maneira, ares de herói, aquele que abre mão de sua individualidade em prol de "lutar" pelos outros, sem pragmatismos, totalmente despolitizado, comprometido mais com a coletividade do que com os seus interesses próprios. E foi no início do século XX que, segundo Cascudo, Jerônimo revelaria sua missão de herói-civilizador: "Seriam trinta anos de labor, tenacidade sem pausa, mais do que prometia a força humana" [46] O Jerônimo Rosado cascudiano teria a imagem do homem providencial, um herói e mito[47], uma figura simbólica como uma visão coerente e completa, no qual o destino coletivo dos cidadãos mossoroenses seria afetado pela sua missão civilizadora. Cascudo, o tempo todo constrói uma dada leitura que institui um Jerônimo que suplanta a própria limitação humana em serviço a cidade. É nesse sentido que ele se arvora de passagens bíblicas, como mostramos anteriormente, para narrar à "Missão" de Jerônimo Rosado. Novamente, seu biografado aparece com o destino de vida que se quer crer num ensaio de trajetória "transcendental" que esquiva a dimensão humana para desenhá-la como sobrenatural.

Essa "Missão", para Cascudo, residiria na "Curiosidade" de Jerônimo Rosado para trabalhar, construir e realizar as ações para a cidade de Mossoró. Impulsionado pela curiosidade, como fruto de sua própria condição humana, o Jerônimo cascudiano envereda pela vida pública, mesmo sendo o "menos político dos homens", tornando-se membro da Intendência Municipal no triênio de 1908-1910, e ocupando, posteriormente, a posição de presidência entre 1917 a 1919. É nesse momento que, segundo Cascudo, Jerônimo Rosado desempenha a sua grande missão a favor de Mossoró: "a batalha pela conquista d água."[48]

O último capítulo da biografia se encerra exatamente no instante em que Jerônimo Rosado passa a lutar pela água em Mossoró. O capítulo V é inteiramente dedicado a narrar à questão da falta d água na cidade e como Jerônimo lutou para solucionar esse problema.

Para Luís da Câmara Cascudo, "a história do povo nordestino é a batalha pela conquista d água".[49] A construção da identidade nordestina esteve atrelada ao fenômeno das secas, como assinalou o historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior: "O Nordeste é, em grande medida, filho das secas".[50] Nesse sentido, Cascudo fez parte dessa construção imagético-discursiva que através da escrita da história, da literatura, das crônicas e de outros domínios da escrita e das artes, instituíram uma identidade para o Nordeste e para o nordestino. A seca vai ser o ponto de partida para a urdidura desse recorte geográfico que no início do século XX em diante configura a antiga geografia naturalista que dividia o país em Norte e Sul.[51] Daí, a utilização por Cascudo da falta d água como agente justificador da história do povo nordestino.

Em Mossoró no final do século XIX e início do XX, assim como no restante da região Norte, e, posteriormente, nos Estados do Nordeste, a seca vai ser a principal luta pela qual as elites afetadas por ela reivindicam a Federação a canalização de recursos para o combate desse problema.

Durante a administração de Jerônimo Rosado junto a Intendência Municipal no início do século XX, a principal reivindicação para a resolução do problema da falta d água em Mossoró se dava pela construção de açudes e barragens tal política partia do entendimento de que a problemática da região era a falta d água por estiagens prolongadas ou pela má distribuição das chuvas.[52] Segundo Luís da Câmara Cascudo, outros elementos importantes para a resolução da seca foram sendo agenciados por Jerônimo Rosado juntamente com as elites locais, como, por exemplo, a construção da estrada de Ferro Mossoró - São Francisco, do açude Taboleiro Grande e a criação de escolas.[53]Vejamos:

Ficaram reunidos os homens de boa-vontade. Não há um telegrama, relatório, mensagem, sem o nome de Jerônimo Rosado. Incluímos a correspondência privada, quase toda nesse sentido, expondo, debatendo, pedindo água. Não calculo a estatística. Algumas centenas de folhas.

Resumindo. As duas campanhas (Combate as secas de 1904 e 1908-grifo nosso) evidenciam, no tempo, o muito insistentemente foi pedido e o muito-pouco conseguido, mas aplicado, total e conscientemente ao serviço de Mossoró e do povo ali abrigado.[54]

Luís da Câmara Cascudo vai destinando a Jerônimo Rosado um lugar de liderança junto à elite, tornando-o centro gravitacional da bandeira de luta contra a seca e também pela civilidade, tendo em vista que para essa elite, a Estrada de Ferro, a solução do problema do abastecimento d água e a instrução dos jovens, são elementos vitais para a construção da realidade civilizada, muito embora, essas reivindicações estejam se apropriando do discurso da miséria e da seca.[55]

A ideia de "herói-civilizador" atribuída a Jerônimo Rosado vai se configurando como uma construção identitária que liga a história de Mossoró ao fenômeno da seca e, desse modo, aos "plantadores da cidade", como o próprio Jerônimo, que vão sendo posicionados como sujeitos dessa história. Como faz crer Cascudo:

Muito palidamente marcarão a intensidade sonhadora do provinciano enamorado de sua missão, na mesma pista obstinada durante anos incontáveis, para obter resultados aparentemente irônicos, comparando-os à sua miraculosa tenacidade. Lenta e distraidamente soa a frase leve: - "Ah! é verdade, seu Rosado trabalhou muito pelo abastecimento d água em Mossoró..."

Esse muito (sic) será um pobre adjetivo incapaz de sugerir a percepção da continuidade no rumo do trabalho.[56]

A continuidade do trabalho realizado por Jerônimo Rosado a serviço de Mossoró é construída pela escrita cascudiana como um elo do biografado com o itinerário dos seus próprios filhos. Não é a toa que Cascudo evidencia o papel que eles têm na construção desse continuísmo da ação de Jerônimo em Mossoró que desde a educação dos seus filhos-meninos, já ensinava a imitar seguindo o seu exemplo.[57]

Jerônimo Rosado lançaria as bases da própria batalha da água evidenciada na proposta e na campanha de seu filho Dix-sept Rosado durante os anos quarenta e cinquenta em Mossoró. Ao mencionar Jerônimo como o "pioneiro" da luta pela água, Cascudo constrói uma identidade para as ações de seus filhos, justificando a partir da escrita da história e da biografia a legitimação do poder político, buscando no passado as origens das ações no presente.

Conclusão

Mais do que escrever sobre a vida de Jerônimo, a escrita cascudiana constrói uma identidade entre o biografado e a cidade de Mossoró, tornando-lhe o "plantador da cidade", construído discursivamente por Cascudo, o "Jerônimo" dele, possível somente na sua escrita. Um Jerônimo de traçado coerente, devotado e telúrico em seu serviço a Mossoró, cujo sentido de vida, Cascudo constrói para se confundir numa mesma tessitura, os "nós" do bordado que ponteia a história da cidade de Mossoró com a história de vida de Jerônimo Rosado.

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[30] ARRAIS, Raimundo. Jerônimo Rosado (1861-1930): uma ação brasileira na província. In: SILVA Marcos, Dicionário crítico de Câmara Cascudo. (Org). São Paulo: Perspectiva, FFLCH/USP: Fapesp; Natal: EDUFRN. Fundação José Augusto, 2003, p.144

[31] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.39

[32] Cf. SALES NETO, Francisco Firmino. Palavras que silenciam: Câmara Cascudo e o regionalismo-tradicionalista nordestino. João Pessoa: Ed. Universitária UFPB, 2008

[33] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.37.

[34] Cf. VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano. V. 1. da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

[35] Cf. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. 4º ed. São Paulo: Cortez, 2009.

[36] ARRAIS, Raimundo. Jerônimo Rosado (1861-1930): uma ação brasileira na província. In: SILVA Marcos, Dicionário crítico de Câmara Cascudo. (Org). São Paulo: Perspectiva, FFLCH/USP: Fapesp; Natal: EDUFRN. Fundação José Augusto, 2003, p.146

[37] DADOUN apud DOSSE. O desafio biográfico: escrever uma vida. p.14

[38] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.4

[39] CERTEAU, Michel de. A escrita hagiográfica. In: A escrita da História. 2ºed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2007, p.278

[40] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.48 e 49.

[41] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.63

[42] Cf. BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895). Natal:EDUFRN, 2002

[43] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.53

[44] Idem. p.56

[45] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.30

[46] Idem. p.66

[47] Para Raoul Girardet uma das características do espaço mitológico é a presença de herói. Girardet apresenta quatro modelos de heróis, exemplificado, por personagens da história, como, por exemplo, Napoleão Bonaparte, Philippe Pétain, Charles de Gaulle, dentre outros. Girardet analisa como a imagem de herói, apropriado por representantes políticos, constrói uma visão mítica de uma dada personalidade desde o período moderno até a contemporaneidade. Cf. GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.70-80

[48] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.67

[49] Idem.

[50] ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. p.81

[51] Idem.

[52] FELIPE, José Lacerda Alves. A (re)invenção do lugar: os Rosados e o "país" de Mossoró. p. 77

[53] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.66-75

[54] Idem. p.71

[55] FELIPE, José Lacerda Alves. A (re)invenção do lugar: os Rosados e o "país" de Mossoró. p. 77

[56] CASCUDO, Luís da Câmara. Jerônimo Rosado: uma ação brasileira na província. p.75

[57] Idem. p.17-18





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