terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Fiel é a Palavra

Uma Breve Perspectiva Histórica sobre a Presença dos Evangélicos Reformados no Brasil

por Raylinn Barros da Silva



Capa do livro: Justino Celestino de Oliveira Neto
Sobre o autor [1]

A obra organizada pelos historiadores Elizete da Silva, Lyndon de Araújo Santos e Vasni de Almeida, traz à luz uma importante discussão histórica acerca da presença das igrejas protestantes reformadas no Brasil, mais nomeadamente anglicanos, luteranos, presbiterianos, batistas, metodistas e congregacionais.

Na primeira parte da obra, os autores dão enfoque à institucionalização das igrejas no país. Anglicanos, Luteranos, Congregacionais, Presbiterianos, Metodistas e Batistas construíram seus alicerces históricos de formação de suas comunidades a partir de uma nova visão de mundo, de homem, de sociedade e de país. A institucionalização das igrejas é a preocupação dos autores, entender e discutir do ponto de vista histórico os evangélicos reformados em suas trajetórias históricas traz um panorama novo para nossa historiografia e abre novas possibilidades de pesquisas futuras dentro da temática ora exposta.

Na segunda parte, a obra propõe uma discussão sobre novos temas no campo religioso nacional na seara evangélica que é a questão da mídia e as problemáticas em relação à questão de gênero dentro do universo das igrejas pesquisadas pelos seus autores. A necessidade de compreensão da relação das igrejas com o fenômeno da mídia nacional em todas as suas dimensões favorece a abertura de novas preocupações de pesquisa para a compreensão do fenômeno religioso nacional que somada ao debate sobre as questões de gênero nos ajuda a entender os novos horizontes que as pesquisas acerca das religiões favorecem.

A primeira contribuição das discussões colocadas pelos autores é a importância das leituras sobre parcela importante da população brasileira os evangélicos reformados no campo historiográfico nacional. A renovação historiográfica que alcançou a academia a partir do século passado tem nessa referida obra seu fecundo sinal ao enfocar novos objetos: a religião e a religiosidade dos "crentes"; novos enfoques: a institucionalização das igrejas; e novas preocupações: as questões de gênero, a mídia, a educação.

Os estudos sobre as nossas religiões, nossas religiosidades e, sobretudo um mergulho histórico para entender a institucionalização das denominações cristãs reformadas no Brasil vem contribuir de forma significativa para a formação de nossa história cultural e religiosa. Ao propor através da abordagem da obra um enfoque na formação dessas instituições os autores lançam um novo olhar sobre a presença protestante no Brasil.

Os autores localizaram o século XIX como o recorte histórico de uma presença mais sistemática das diversas denominações cristãs no país. Importante é, para o leitor, compreender que esse século em matéria de história foi crucial para a configuração de um novo modelo de país e de sociedade que estava nascendo a partir dos primeiros momentos de um Brasil que recebia a corte portuguesa e anos mais tarde proclamava a sua independência.

É importante constatar que esse momento da história do Brasil localizado pelos autores em suas investigações históricas que coincide com a institucionalização das denominações evangélicas no país evidencia a configuração de uma nova realidade econômica: a questão comercial com a formação de uma burguesia que aspirava novas oportunidades de negócio, novos interesses, novas formas de perceber o mundo a sua volta.

A realidade brasileira do século XIX em diante tempo histórico abordado pelos autores traz também uma nova configuração política nacional. A formação do Estado Nação mesmo tendo ainda na cultura católica luso-brasileira seu grande referencial religioso demonstrou que a hegemonia da igreja de Roma enquanto religião já não era tão hegemônica, assim, os evangélicos reformados já estavam se "espalhando" por todo o país, uma realidade nova que somada à urbanização por qual passava a sociedade brasileira a época favoreceu a expansão religiosa dessas igrejas no país.

Entre as contribuições da referida obra consideramos o fato da mesma enfatizar o chamado pluralismo evangélico nacional. Abordar não um protestantismo, mas protestantismos. A pluralidade religiosa nacional no aspecto evangélico seja ele reformado enfoque da obra como neopentecostal, abre inúmeros campos de análise e de pesquisa de caráter histórico visto a diversidade de igrejas, de visões de mundo, de culturas e de modos de vida das populações crentes.

A abordagem proposta pela obra a partir de uma análise dos evangélicos reformados, mas sem deixar de lado a preocupação de localizá-los dentro de um universo bem mais amplo de cristãos coloca por esse não simples motivo a discussão num patamar de importância para a historiografia que aborda as relações igreja-sociedade na história do país, historiografia não menos importante e a meu ver não ultrapassado academicamente falando em termos de importância teórica e metodológica de abordagem da história de nossa sociedade.

Por desligar-se dos paradigmas de abordagem dos protestantes no Brasil que em outros trabalhos sempre deram enfoque nas conhecidas "ondas", nas já sedimentadas "classificações", e as já saturadas "terminologias" para enquadrar esses ou outros temas relacionados às igrejas protestantes é outro sinal significativo de uma nova concepção historiográfica, de uma nova história da presença dos evangélicos no Brasil, referenciais que estão presentes na escrita da obra aqui resenhada.

Reafirmamos a importância de destacar a preocupação dos autores com a questão referente à diversidade religiosa brasileira, mesmo em se tratando do campo protestante e esse último de forma especial por se tratar do tema em debate na obra. A dimensão dos religiosos não católicos no Brasil não permite que desprezemos esse tipo de preocupação, pois se assim não fosse, a discussão cairia facilmente nas armadilhas que as generalizações conceituais costumam fazer, ao enquadrar, por exemplo, a igreja protestante como se fosse uma igreja homogênea, coisa que está mais claro que nunca que não o é.

Consideramos ainda observar o esforço da obra em não desconectar as questões relativas à presença protestante no Brasil com a sua raiz histórica, ou seja, a reforma luterana do início do século XVI. Entender as origens e os antecedentes históricos das novas religiões é importante do ponto de vista histórico pela necessidade da localização espacial e temporal dos acontecimentos que são na verdade a base de toda revolução religiosa que alcançou todo o ocidente católico a partir das ideias de Lutero, essas ideias chegaram no Brasil e estão na base da formação de uma nova realidade religiosa nacional.

Nomeamos como justificativa para a leitura da obra a necessidade que nossa sociedade tem de compreender a grande presença protestante e evangélica em toda a estrutura da vida brasileira. Se o início do século XIX é marcado pela presença mais sistemática e o início da organização das igrejas cristãs não católicas no Brasil o que é mostrado pelos autores, no século XX e XXI há uma verdadeira presença dos evangélicos em toda a estrutura social do país através de atuações na área da educação, da saúde, de obras assistenciais, para além é claro, da igreja enquanto templo religioso que aglutina e reúnem fiéis.

Consideramos importante observar algumas lacunas que a obra deixa, mas que não invalida seu mérito e importância. Não há um questionamento da presença das igrejas evangélicas reformadas e de seus membros com enfoque no campo político nacional. Essa preocupação em relacionar os evangélicos com a política brasileira se mostra de fundamental importância para a compreensão do universo dos evangélicos no país e de quebra nos apresentaria novos horizontes de compreensão do fenômeno de crescimento dessas igrejas na estrutura social brasileira. Acreditamos que depois de um longo período quase sem se fazer notar, a relação dos evangélicos com a política, como também a atual participação dos mesmos no debate político nacional vem gradativamente influenciando os caminhos da nossa democracia.

Se no século XIX ocorreu a institucionalização dos evangélicos no Brasil como é apresentado pela obra, o final do século XX em diante vem nos mostrando o que consideramos a institucionalização política dos evangélicos. A presença da chamada bancada evangélica no congresso nacional é testemunha dessa nova institucionalização que diferentemente do século XIX não ocorre mais na forma de templos e conquista de fiéis para seus cultos, mas agora na forma de influência direta na configuração política nacional, no que, a meu ver, mostraria o interesse das igrejas evangélicas no estabelecimento de uma agenda moral para o país por intermédio do debate político.

Outro silêncio da obra consiste na ausência da problematização da relação entre a presença dos evangélicos no país e os valores contemporâneos de nossa sociedade. Em que medida a cultura evangélica estaria atuando na configuração e formação de novos valores morais, sociais e educacionais, claro, para além dos valores religiosos dos próprios crentes. Como estaria a cultura nacional brasileira identificada pela personalidade do país do futebol, do carnaval e das festas populares diante do avanço de uma identidade religiosa evangélica tão presente em nosso cotidiano e que segundo o último censo do IBGE já totaliza 22% da população brasileira ou 42 milhões de pessoas?

Fica ainda uma reflexão: porque os evangélicos reformados em análise na obra pelos mesmos dados do IBGE citados anteriormente somam apenas 6 milhões de seguidores, ou seja, 14% do universo atual de evangélicos nacionais? Sendo anglicanos, luteranos, presbiterianos, batistas, metodistas e congregacionais os primeiros a se institucionalizarem no país a partir do século XIX, porque hoje em números gerais são parcela minoritária comparada aos números totais do universo evangélico no país?

Mas para além dessas lacunas e silêncios da obra, ou seja, a preocupação com o fenômeno da presença dos evangélicos no debate político nacional, na configuração da democracia, da relação da cultura evangélica com a cultura nacional, os valores contemporâneos nacionais e por último a localização das igrejas objeto de análise do livro em relação ao quantitativo dos outros evangélicos no Brasil, considero, de forma geral, a obra como leitura de importância ímpar para o debate historiográfico em torno do universo religioso nacional.

Nas vésperas das comemorações dos 500 anos da reforma protestante no mundo ocidental e que quebrou com o monopólio do catolicismo em matéria religiosa Fiel é a Palavra: Leituras Históricas dos Evangélicos Protestantes no Brasil contribui de forma harmoniosa, conceitual, metodológica e histórica para a compreensão de um Brasil que não é mais tão católico como foi nos seus três primeiros séculos após o início da colonização portuguesa. Atualmente, não há mais como conceber qualquer pesquisa séria que se proponha em entender a sociedade brasileira sem se pensar na presença evangélica no país.

Finalmente, consideramos importante observar que a obra aqui resenhada abre a possibilidade de renovação da história da presença protestante no Brasil como citamos no início do texto por se distanciar dos referenciais de compreensão desses mesmos protestantes no país através das conhecidas ondas, classificações e terminologias. Por esse motivo inicial e que foi também preocupação dos autores, a obra pode contribuir para a formação de uma nova história da presença dos evangélicos protestantes no Brasil e por consequência, contribuir para a visão crítica do leitor que sobre essa obra venha a se debruçar.

Resenha

SILVA, Elizete da; SANTOS, Lyndon de Araújo; ALMEIDA, Vasni de; (org.). Fiel é a Palavra: Leituras Históricas dos Evangélicos Protestantes no Brasil. Feira de Santana: UEFS Editora, 2011, 480 p. ISBN 978-85-99799-27-7.

[1] Graduado em História e Pós-Graduado em Ensino de História pela UFT (Universidade Federal do Tocantins). É membro da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR).





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Manoel Messias Pereira

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