Baseado no universo do maracatu e da cultura afro, o espetáculo "Loa" estreia hoje no Theatro José de Alencar
Cenas do espetáculo "Loa": texto de Ricardo Guilherme e direção de Ghil Brandão, a partir de pesquisa deste último sobre o maracatu em Fortaleza Fotos: Felipe Camilo/Estúdio Pã/Divulgação
Do encontro da Academia com a prática artística nasce um diálogo cênico entre o maracatu e Fortaleza. Protagonizado pelos corpos-vozes dos atores no palco, ele desenha uma cartografia de temas, gestos, rituais e personagens da tradição de matriz africana, sempre em relação com a cidade.
Em resumo, essa é a essência e o caminho que levou à criação do espetáculo "Loa", em cartaz, hoje e amanhã, no Theatro José de Alencar, e, no dia 26, no Sesc Senac Iracema. O espetáculo tem texto do dramaturgo e ator Ricardo Guilherme, que ofereceu-o ao colega e professor Ghil Brandão.
A escolha não foi aleatória: em 2009, Brandão defendeu na UFC a dissertação de mestrado em História Social "A festa é de maracatu: cultura e performance no maracatu cearense", que analisa e busca compreender a inscrição social dos grupos na "avenida" e na cidade, bem como as modificações que se deram na performance, significadas a partir das noções de tradição e modernidade.
"Depois de ler a dissertação, o Ricardo se interessou em fazer uma dramaturgia, aplicá-la na prática. Nossa parceria já vinha desde a década de 1990, com o Teatro Radical, que se volta justamente à pesquisa da cultura cearense, a partir de espetáculos como ´Merda´, ´Divina comédia de Dante e Moacir´, ´A menina dos cabelos de capim´, ´Iracema´, entre outros", recorda Ghil.
"Também já dividimos experiências como professores do então Curso de Arte Dramática da UFC, montamos trabalhos juntos, pesquisamos maracatu, reisados. ´Loa´ vem celebrar esse encontro teórico e prático, a maturação de uma pesquisa contínua", complementa.
Segundo o diretor, loas são textos cursos, cantos em torno de temáticas da cultura afro-brasileira - nesse caso, afro-cearense. "Ricardo construiu ´Loa´ a partir de várias personagens do maracatu, de figuras do cortejo como o negro do incenso, o balaieiro, a rainha. E também inventou outras, mas sempre ligadas ao universo da cultura africana", explica.
Personagens
A estrutura dramática do espetáculo gira em torno da reencenação de um cortejo, de forma épica, poética e musical. Com esse mote, os atores discutem questões históricas, étnicas, religiosas e sociais da cultura de matriz africana presente na cidade de Fortaleza.
"A ação acontece em uma passarela, como se fosse a rua, onde se revezam diferentes figuras do maracatu, como baliza, batuqueiro, balaieiro, rainha, negra da calunga, preto velho etc. Nesse percurso, cada um faz seu discurso, fala para o público", adianta Ghil. "Por exemplo, no maracatu cearense a rainha tradicionalmente é feita por brincantes masculinos. Então Ricardo aproveita para trazer esse discurso de desconstrução da homofobia, do machismo".
"Já o balaieiro é o homem da fartura, que celebra os alimentos carregados em seu balaio. Em determinado momento, eles são distribuídos à plateia. É uma figura forte, pois em vários momentos perpassa a cultura africana, como aquele que vende e anuncia na rua a pipoca, a canjica, as frutas", explica o ator Chicão Oliveira, que interpreta a personagem.
"Em uma compreensão mais geral, ele partilha não só a comida, mas a própria vida, a esperança", resume. A ligação de Chicão com o universo do maracatu vem de longe. "Minha primeira experiência foi a partir de um convite do maracatu Ás de Ouro para brincar. Fui justamente como balaieiro", recorda.
Trajetória
Em 2004, quando Ricardo e Ghil realizaram uma leitura dramática de "Loa" no Teatro Paschoal Carlos Magno, Chicão participou. "Depois, pedi o texto e montei um solo dedicado à figura do balaieiro. Foi quando comecei a me aprofundar", conta.
Por meio dessas personagens também são recordados nomes importantes da história do maracatu na Capital, como Zé Rainha, Raimundo Alves Feitosa e Mestre Juca do Balaio, entre outros.
"O objetivo é muito esse, demonstrar que, no contexto da cultura cearense, a importância da cultura africana ficou muito obscurecida, desconhecida pelas pessoas, quando pesquisas demonstram que ela foi fundamental para a constituição da identidade cearense", avalia Ghil.
"O espetáculo traz com muita força essa relevância", complementa o diretor - algo muito importante em tempos de polêmicas "felicianas".
O elenco conta ainda com nomes reconhecidos das artes cênicas no Ceará, como Eugênia Siebra, Luiza Torres e Mário Filho, além de alunos de Ghil no Curso de Artes Cênicas do ICA/UFC.
Após a finalização do texto, em 2010, e de algumas leituras dramáticas, "Loa" foi contemplado pelo IV Edital das Artes da Secretaria de Cultura de Fortaleza (2011).
"Desde o início de 2012 estávamos ensaiando. Por isso, mesmo os recursos tendo saído apenas agora, em janeiro deste ano, conseguimos estrear logo em seguida, antes do último Carnaval", recorda Ghil. "Essa nova etapa, no TJA e no Sesc, representa a continuidade do projeto", complementa ele.
Mais informações
Espetáculo "Loa" - hoje e amanhã, às 19h, no TJA (Praça José de Alencar, s/n, Centro). Ingresso: R$ 10 (inteira). Contato: (85) 3101.2583. Dia 26/03 no Teatro Sesc Senac Iracema (Rua Boris, 90-C, Praia de Iracema). Entrada franca. Contato: (85) 3252.3435
ADRIANA MARTINS
REPÓRTER
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