quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Bento XVI - Sacrifício ou Covardia


Bento 16


Salvatore D'Onofrio  


para destinatários desconhecidos


Sacrifício ou covardia?
            A renúncia do papa Bento 16 causa estranhamento pela sua intrínseca contradição. Conforme a doutrina católica, quem escolhe o Papa não são os Cardeais fechados no Conclave, mas o Espírito Santo que os ilumina. É nisso que está fundamentado o dogma da “infalibilidade” do Papa, quando fala ex cattedra sobre fé e costumes. Ele é considerado um ser humano especial, pois ungido por Deus, assim como são tidos Moisés, Cristo, Maomé e profetas de outras religiões. Se, portanto, ele assumiu o cargo de Sumo Pontífice, não por vontade própria, mas por desígnio divino, não poderia renunciar, sem cometer um gravíssimo pecado. Assim entendeu o poeta italiano Dante Alighieri, o autor da Divina Comédia, ao colocar no Inferno, no círculo dos covardes, o primeiro e único papa que renunciou espontaneamente ao Pontificado, Celestino V, no longínquo ano de 1294:
            “che fece per viltà il gran rifiuto”
(aquele que fez por velhacaria a grande recusa): canto III, v. 60.
A meu ver, mais do que covardia ou fraqueza física devida à idade ou doença, foi uma crise de consciência que levou Joseph Ratzinger a renunciar ao Papado. Sendo um ser humano dedicado ao estudo, sua mente extremamente culta, inteligente e crítica deve tê-lo levado a questionar a eficácia de seu ministério. Sua saída acusa o fracasso em apaziguar as correntes conservadoras e revolucionárias dentro do próprio Vaticano, em reprimir o apego ao poder e ao dinheiro, como também a prática da pedofilia de cardeais, bispos e sacerdotes. Outro motivo pode ter sido a impotência em atender aos anseios da sociedade moderna a favor da liberação do divórcio, do aborto, da homossexualidade, do celibato eclesiástico, da ordenação de mulheres, do uso de contraceptivos, da pesquisa com células-tronco.
            A revista Veja desta semana (20/02/2013) dedica a reportagem de capa ao assunto da renúncia do papa com o título: “O sacrifício de Bento XVI para salvar a Igreja”, na expectativa de que outro papa, mais jovem, tenha forças suficientes para enfrentar o ninho de corvos que habita o Vaticano, relacionados com o triste espetáculo de um banqueiro enforcado, um mafioso envenenado, um mordomo traindo a confiança do Sumo Pontífice.  Leda ilusão! Não será a troca de um homem no mais alto poder do Pontificado a sanar a decomposição moral da Igreja Católica. Mais do que o indivíduo, errado é o sistema, a estrutura eclesiástica. A renúncia de Bento 16 deixa às claras que no Vaticano acontece o mesmo que se encontra no governo de Estados dominados pelo autoritarismo: corrupção, impunidade, círculos de poder, proteção de privilegiados, exploração da ignorância e da miséria do povo para conseguir votos, substituição da justiça pela caridade.
O ex-padre franciscano Leonardo Boff, (antes amigo e mais tarde desafeto de Bento 16), expoente da vanguarda católica brasileira de idéias socialistas, denominada “Teologia da Libertação”, diz a Patrícia Britto (Folha 15/02/2013): “a Igreja precisa de pontífice mais pastor que professor”. Peço desculpas para pensar exatamente o oposto: o povo não é uma manada de ovelhas que precisa ser guiada por um pastor, acreditando em falsas promessas e sendo constantemente vítima de hipocrisias. O ser humano que renuncia a pensar com sua própria cabeça, a refletir sobre religião, moral, política, ciência, arte, deve ser considerado igual a um animal ou a uma criança que, não tendo discernimento próprio, se deixa levar apenas pelo instinto ou pela mão de algum alucinado ou espertalhão. Pena que Ratzinger, no estilo de Getúlio Vargas ou Jânio Quadros, não tivera a coragem de revelar publicamente as razões ocultas que o induziram a demitir-se do cargo. Isso sim, chutando o balde, teria contribuído para a renovação dos costumes religiosos e políticos. Daí pensarmos mais em covardia do que em sacrifício.
Salvatore D' Onofrio
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
www.salvatoredonofrio.com.br
http://pt.wikisource.org/wiki/Autor:Salvatore_D%E2%80%99_Onofrio

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Manoel Messias Pereira

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