segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Fundação Instituto de Estudos Afro-Brasileiros






Instituto Goiano de Estudos Afro-Brasileiros
 

DIÁRIO DA MANHÃ
MARTINIANO J. SILVA
Desde que lancei Sombra dos Quilombos (1974), pensava fundar em Goiás uma entidade através da qual pudéssemos estudar no Centro-Oeste a problemática do negro. Essa ideia, comentada com alguns escritores e amigos, cresceu, tomou corpo e virou realidade, a ponto de converter-se num artigo, com o título epigrafado, publicado no jornal O Popular, de Goiânia, edição de 21 de abril de 1979. Hoje, 34 anos depois, 77 anos, avô e bisavô, sem esquecer o que foi feito, sobretudo pelos movimentos negros, a temática continua um desafio, dentro e fora das universidades, exigindo continuidade, merecendo recordações, mostrando que a história, origine-se nos conflitos ou nas ideias, depende do passado.

Merecendo ou não, tudo o que escrevi e publiquei em jornais e revistas, num período superior a 50 anos, é conteúdo do livro Escrito nos Jornais: tempo de aprendizagem (2007), onde a temática em foco narra como ocorreu a fundação do IGEA. Em agosto de 1978, com  Brasigóis Felício e Aidenor Aires, dois moços que acredito dos mais valorosos nas lides intelectuais goianas, sem demérito de outros tantos, estivemos em Belo Horizonte assistindo a uma Semana de Estudos Afro-Brasileiros. Lá, mantivemos um estreito contato com Clovis Moura, Abdias do Nascimento, professora Lélia Gonzalez, professor Nivaldo Costa Lima, professor Waldemar de Almeida Barbosa, dentre outros, historiadores, sociólogos antropólogos, ocasião na qual amadureceu ainda mais a ideia aludida acima.

Foram dois mil quilômetros focalizando o assunto. Na volta, então, havia um entusiasmo medonho. Depois, nos debandamos. Eu me embinoquei cá pra Mineiros, onde a advocacia e outros afazeres, diários e inadiáveis, me surrupiaram o tempo, não raro, não tenha me vencido o ideal proposto. O Brasigóis e o Aidenor, em Goiânia, não obstante as contundentes reportagens do primeiro e lançamento de Amaraguei, do segundo, também, como o escriba, nada levaram à prática, mantendo, porém, no íntimo, a quixotesca pretensão.

Contudo, numa das minhas andanças por Goiânia, dei de cara com o Sebastião Santos, em Campinas, onde adiantei a ele o propósito de se fundar em Goiás uma entidade cultural com a qual estudaríamos e defenderíamos o nosso irmão negro. Sebastião, que é negro, ficou entusiasmado. E, num contato com Valdivino Rezende, jovem também negro, colega de Sebastião na assessoria do Dep. Osório Santa Cruz, na Assembleia Legislativa goiana, o nosso plano ampliou-se, tomando foros de realidade. Sebastião manifestou o desejo de fundarmos logo, com posse da 1ª diretoria, em “13 de Maio próximo, ocasião em que abordarei, em conferência, tema: O Negro, de Bom Escravo a Mau Cidadão?”, título por sinal de um livro de Clovis Moura. O local, segundo estou ciente, será na Câmara Municipal de Goiânia, à noite.

No dia 22 de abril corrente, na Assembleia Legislativa, houve uma reunião, lamentavelmente, não estavam presentes Aidenor e Brasigóis. Ocorreram várias sugestões. O Sebastião já havia se decidido pelo nome: Instituto Cultural Princesa Isabel. Nessa escolha, democrática, expus questões históricas relevantes, convencendo os presentes a mudarmos o nome, máxime porque a Princesa Imperial, em verdade, nunca lutou pela causa do negro, a não ser no entender de alguns arautos da história oficial- acadêmica. Quando assinou a chamada “Lei Áurea”, o fez, evidentemente, condicionada a atender interesses outros, principalmente de ordem econômica do estrangeiro. E, por isso, sugeri que a entidade poderia chamar-se INSTITUTO GOIANO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS, proposição colocada em votação e aprovada indivergentemente. Eis a origem do nome, sem omitir que outros presentes à reunião desejaram homenagear Rebouças, José do Patrocínio, Luis Gama e tal, sendo, que José Fraga, jornalista do Jornal Opção, entendido e experimentado, alem de outras áreas, em arte teatral, engajado nessa ideia já pensa em lançar em Goiás o chamado Teatro Experimental do Negro, uma experiência de vanguarda do escritor Abdias do Nascimento.  

Então, temos o nome. Resta passarmos à prática de nossa pretensão. Para isso, precisamos, antes de tudo, das finalidades e objetivos da entidade. Contudo, antes de neles falar, preciso mandar um recado (convite) ao que se chama “elite cultural goiana”, onde se encontram poetas, escritores, historiadores, psicólogos, antropólogos, etnólogos, juristas, políticos, pintores, escultores, cineastas, dramaturgos e tanta gente mais, a vir conosco lutar por uma causa justa, cristã e profundamente humana: a do Negro, principalmente o de Goiás. Pedir à comunidade, formada e constituída por brancos, negros, pardos, marrons, lusco-fusco, trigueiros, sei lá, a associar-se conosco nesta causa. Advertir, com realce aos políticos inescrupulosos e sem consciência do ofício, a não se servirem dela como instrumento demagógico nas pugnas eleitoreiras promovidas por partidos políticos reconhecidamente obsoletos, cujos programas e estatutos, quase sempre, defendem tão somente interesses oligárquicos, onde sempre estiveram, em toda a história política brasileira, da qual o Abolicionismo, dissimulado e subretício, é o “exemplo” maior.

Notem que a história oficial vem dizendo, pari passu, que o Abolicionismo libertou o negro da escravidão. Mas não esqueçam o lado negativo daquele Abolicionismo, que nada fez pelo negro depois de legalmente liberto. Quer dizer: o negro foi jogado à rua, sem teto, sem roupa, sem condição psicológica nenhuma. E quase cem anos depois, continua escravo, numa outra conotação, escravo da discriminação em que se viu. Escravo da marginalização social, cultural, econômica, em que o colocaram, transformando-se, às vezes, no que chamam “mau cidadão”, “ladrão”, “trombadinha”, “mau-caráter”, “gente da rua”, “caso de polícia”, “marginal” e por aí afora.

Feita a advertência acima, creio poder dissertar as finalidades e objetivos da entidade. Inicialmente, precisamos defender, com realce em Goiás, o que nos resta da cultura negra, de ordem espiritual e material, não permitindo que ela se transforme em rótulos e clichês, propagandas de interesses turísticos, por exemplo. O IGEA tem um modelo, o Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA), de São Paulo, fundado por Clovis Moura, evidentemente adaptando-se à nossa realidade. Dentre as suas várias finalidades e objetivos, destacam-se os seguintes:

É uma sociedade civil, sem fins lucrativos, que se dedicará a realizar cursos, congressos, simpósios, mesas redondas, edições de livros, pesquisas e debates sobre tudo aquilo que se relacionar com o negro brasileiro, com maior empenho o goiano, estudando a sua problemática.

Procurar despertar o interesse da comunidade negra pelos seus problemas, assim como ligar e aproximar as universidades dessas comunidades, fazendo com que os estudos que estão sendo feitos pelos primeiros passem a ter uma função operacional no sentido de resolver os problemas das relações inter-raciais no Brasil.

Manter contato e intercâmbio com entidades, universidades do Brasil e do exterior, além de organismos que se ocupam, em quaisquer de suas formas, do problema do negro e da sua situação.

Realizar exposições sobre a contribuição do negro e das culturas africanas no desenvolvimento da cultura e da sociedade brasileira.

Organizar um banco de informações gravando todas as contribuições culturais do negro brasileiro, goiano, no caso, o seu ritual religioso, elementos do seu folclore musical, depoimento de especialistas e negros que contribuíram, de uma forma ou outra, para o esclarecimento do problema. Gravar estórias de vida de pais-de-santo de terreiro de candomblé e umbanda, escolas de samba e todas as manifestações que sejam fruto da presença do negro. Organizar um arquivo contendo fotografias, artigos, revistas, recortes de jornais, manuscritos, depoimentos e memórias sobre tudo o que se relacione com o negro no Brasil, ou seja, em Goiás.

Realizar cursos e promoções de cunho científico para interessar o negro no desenvolvimento de sua capacidade artísticas, literária e científica.

Prestar, assessoria cultural e científica a entidades ou pessoas que estejam interessadas pelo problema do Negro nos seus diversos aspectos, e se encontrem fazendo pesquisas ou elaborando estudos sobre o assunto.

Organizar o Museu do Negro em Goiás.

Publicar uma revista especializada e organizar uma biblioteca sobre o Negro, disposta a todos os interessados.

Manter vários departamentos, lugar contra o preconceito de cor, a perseguição racial em todas as suas manifestações, sem vínculos com grupos políticos, religiosos ou econômicos.

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, UBEGO, mestre em História Social pela UFG, Secretário da Cultura e Turismo de Mineiros, onde preside o Conselho Superior da FIMES, mantenedora do Centro Universitário de Mineiros. E-mail: martinianojsilva@yahoo.com.br)

   

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Manoel Messias Pereira

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