sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Defensoria Pública processa a Policia Militar de São Paulo por Ordem Racista




Ordem de Serviço recomendava que as abordagens policiais fossem focadas em 'indivíduos de cor parda e negra, com idade aparente de 18 a 25 anos'

Por: Júlia Rabahie, da Rede Brasil Atual
Publicado em 07/02/2013, 16:23
Última atualização às 16:23
   
São Paulo – A Defensoria Pública de São Paulo vai entrar com um processo contra a Polícia Militar junto à Secretaria da Justiça do Estado com base em atitude do comandante da 2ª Companhia do 8º Batalhão da PM, em Campinas, Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, que passou uma Ordem de Serviço considerada racista a seus policiais subordinados. A determinação era para que as abordagens no bairro Taquaral, em Campinas,  deveriam ser feitas “especialmente em indivíduos de cor parda e negra com idade aparente de 18 a 25 anos".

A medida foi acertada entre os Núcleos de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito e o de Situação Carcerária da Defensoria Pública estadual. “Todos os estudos de criminologia crítica apontam que a questão racial e a questão prisional andam estritamente ligadas. A pessoa que é abordada pela PM é aquela que, historicamente, é adequada ao estereótipo social do delinquente, que invariavelmente é aquele da pessoa pobre, negra e marginalizada socialmente”, explica o coordenador do Núcleo de Situação Carcerária, Bruno Shimizu. “São essas pessoas que acabam enchendo as prisões, independentemente do fato de serem as pessoas que cometem mais crimes ou não. A classe média comete muitos crimes, mas acaba não sendo criminalizada”, complementa.

O processo terá fundamento na Lei 14.187/2010, que pune a discriminação racial na esfera administrativa. A ordem foi assinada no dia 21 de dezembro e teve seu conteúdo repercutido e rechaçado por entidades ligadas aos direitos humanos. Dois dias depois, a ordem foi revogada pelo superior hierárquico do comandante Ubiratan, o major Cícero Bernardo da Silva.

Será protocolado também um pedido de instauração de inquérito policial por racismo contra os envolvidos, com base na Lei 7.716/89, contra o comandante Ubiratan.

O coordenador da Uneafro e do Comitê Contra o Genocídio da População Negra, Douglas Belchior, ressalta que a ordem do comandante confirma as denúncias feitas pelo movimento negro sobre o caráter racista da polícia. “Isso reafirma o que o movimento tem denunciado sobre a ação deliberada da Polícia Militar, que colocar seus homens para abordar pardos e negros. É apenas um reforço de estereótipos. Não é novo que a PM eleja a população preta e pobre, sempre, como suspeita”, disse em entrevista à Rádio Brasil Atual.

O porta-voz da Polícia Militar, Éder de Araújo, nega que a polícia tenha sido racista e afirma que a ordem do comandante de Campinas teria sido mal contextualizada e interpretada. “Ocorreu, infelizmente, um triste ruído na comunicação. Este documento foi elaborado com desatenção, faltou contextualizar que um determinado veículo, com pessoas com determinadas aparências físicas já estava praticando delitos na região.”

Araújo afirma que, apesar da revogação da ordem, a “orientação permanece”. A recomendação, segundo ele, tem objetivos bastante claros. “A motivação é objetiva, porque pessoas com estas características estavam praticando crimes numa localidade específica. Isso serve para que os patrulheiros abordem as pessoas com estas características, assim há uma maior chance de as pessoas serem as responsáveis pelos crimes. Mas podemos afirmar que o preconceito não aconteceu.”

Bruno Shimizu rechaça o argumento do porta-voz da Polícia. “Me causa muita estranheza que na ordem não é citada nenhuma outra característica das pessoas que seriam membros deste grupo. Tipo de carro, estatura, fisionomia, nem quantas eram ou seu modus operandi. Há uma determinação expressa pra que sejam abordadas todas as pessoas consideradas suspeitas, especialmente as de cor negra e parda.”

Segundo Shimizu, mesmo que a intenção do comandante não tenha sido, em sua origem, racista, os resultados provocados por ela provocariam uma ação preconceituosa por parte dos policiais. “Ainda que a intenção do oficial não tenha sido necessariamente discriminatória, o que é difícil acreditar, o fato é que o resultado é discriminatório. O que sai disso tudo? Que todos os policiais vão abordar negros e pardos e não vão abordar brancos e loiros. Essa consequência reforça o racismo que já existe dentro da policia.”

De acordo com a Lei 14.187/2010, as sanções aos que praticarem atos de discriminação são: advertência, multa que pode chegar ao valor de R$ 58 mil, e, quando os atos forem cometidos por agentes e servidores públicos ou militares no exercício de suas funções, “serão aplicadas as penalidades disciplinares cominadas na legislação permanente”.

“Se a multa, prevista como sanção administrativa, for aplicada, essa multa é revertida para um fundo que se presta ao fomento de políticas de combate à corrupção”, conta Shimizu. Ele afirma que a Defensoria também fará pedido junto à Corregedoria da PM para que haja a responsabilização individual do comandante Ubiratan. “A pessoa que fez esta ordem constar de um documento público deve ser responsabilizada.”

Ouça aqui a entrevista de Douglas Belchior e de Éder de Araújo à repórter Lúcia Rodrigues.




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Manoel Messias Pereira

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