quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Kiko Horta








RIO - Com formação de pianista, Kiko Horta começou a estudar acordeom em 1996, época em que ouvia perguntas como "Você vai tocar esse instrumento fora de moda?".

Há bem menos tempo, quatro anos atrás, o também pianista/acordeonista Marcos Nimrichter foi se apresentar com uma importante orquestra brasileira e escutou de um músico:

- Ainda existe esse instrumento?

Parece contrassenso, mas o preconceito deriva da grande importância que o acordeom teve no Brasil nos anos 1940 e 1950, quando Luiz Gonzaga era o rei do baião e da popularidade. João Donato, Gilberto Gil, Milton Nascimento e outros aprenderam a tocar o instrumento. O desgaste da música nordestina pela massificação e o novo padrão de qualidade estabelecido pela bossa nova levaram à estigmatização do acordeom. Por caminhos diversos, a situação vem mudando.

- Com a internet, você tem acesso à música daqui e de qualquer lugar. E descobre que o acordeom está sendo usado em muitas linguagens: por Julieta Venegas, Arcade Fire, no universo indie - destaca Marcelo Jeneci, de 29 anos, o mais bem-sucedido representante do pop brasileiro a empunhar o aparelho de 15 kg, teclado a conduzir a melodia na mão direita, os botões dos baixos na esquerda e o fole no meio. - E, com o boom do forró universitário, muita gente acabou se interessando pelo instrumento.

Os dois aspectos levantados por Jeneci são essenciais para se entender essa revitalização. O músico paulistano conta que até se surpreendeu ao ver, recentemente, vários acordeons sendo vendidos na Rua Teodoro Sampaio, que concentra lojas musicais em São Paulo.

- Já me disseram que nas festas indie tem aparecido mais acordeom do que guitarra. Se contribuí para isso, não sei, mas fico feliz - diz.

Essa recuperação começou, a bem da verdade, há quatro décadas, quando Dominguinhos e Sivuca se aproximaram de grandes nomes da MPB como Gilberto Gil e Chico Buarque. Mostraram ser não só mestres do forró, mas de qualquer música brasileira.

Para a casca regionalista ser fissurada, porém, era preciso que jovens de Rio e São Paulo começassem a tocar a sanfona, como o mesmo instrumento é chamado no Nordeste - derivação do homônimo que não possui teclado - e, com frequência, em outras regiões. Os grupos do tal forró universitário cumpriram esse papel nos anos 1990.

- O forró universitário virou outra coisa, mas o estouro daquela época revitalizou o acordeom, que entrou no samba, no choro, na música instrumental. Ou voltou, porque ele estava nas rádios antes de ficar estigmatizado como nordestino - diz Marcelo Caldi, pianista de formação clássica que há 12 anos toca também acordeom, lançando CDs próprios, do grupo Libertango e sendo requisitado por vários artistas. - A sanfona me abriu muitos caminhos, inclusive para conhecer a música do Nordeste. É um instrumento universal, tão presente quanto o violão na música do mundo.

'Escola brasileira' mistura o mundo

O francês Richard Galliano e os americanos Frank Marocco e Art Van Damme (morto no ano passado) são jazzistas de fama internacional. Graças à internet, como ressalta Caldi, há facilidade para ouvi-los, assim como acordeonistas ciganos, folclóricos, africanos, orientais, o que for com a classificação que se quiser dar. Apesar da força de Luiz Gonzaga, cujo centenário será comemorado em 2012, e Dominguinhos - admirado por todos os craques do exterior e em plena atividade, lançando agora o DVD "Iluminado" - a "escola brasileira" é uma combinação quase aleatória de todas as influências que estão à disposição.

- O Brasil produziu uma linguagem que é a mistura de tudo - opina o carioca Kiko Horta, de 35 anos, que insere o acordeom em diversos formatos, como os sambas de Martinho da Vila, as marchinhas do Cordão do Boitatá, o choro do Pé de Moleque e tudo no Kiko Horta Quarteto.

- Eu tenho alunos, mas isso não é comum. Não temos uma escola acadêmica - afirma o niteroiense Marcos Nimrichter, de 41 anos, que se diz "um pianista que toca acordeom", pois sua formação específica foi autodidata, mas que teve o privilégio de ser o primeiro após Chiquinho do Acordeom a gravar o Concerto para Acordeom e Orquestra, de Radamés Gnattali, com lançamento em CD em 2012.

Nimrichter apresenta há três temporadas o programa "Estúdio 66", do Canal Brasil, tocando acordeom ou piano com seus convidados. E está entre os participantes de uma série prevista para ir ao ar no próximo ano na TV Cultura, com 52 episódios, produção do Instituto Peabirus inspirada no filme "O milagre de Santa Luzia", de Sergio Roizenblit, no qual Dominguinhos se encontra com sanfoneiros de todas as regiões do país.

Ideia semelhante é a do projeto Sonora Brasil, do Sesc, de circulação de acordeonistas pelos estados. O paulista Toninho Ferragutti e o gaúcho Bebê Kramer fizeram juntos 54 shows em 2011 e farão mais 54 no próximo ano. Eles tocam repertório próprio, como as 11 composições sem traços regionalistas que estão no CD "Como manda o figurino", deste ano.

- O acordeom já vinha sendo utilizado no choro, no jazz, com orquestras, mas faltavam esses circuitos que estão surgindo e que possibilitam um encontro entre dois músicos de características diferentes - diz Ferragutti, de 52 anos, que já compôs para a Osesp e acompanhou cantores como Mônica Salmaso.

Os dois instrumentistas têm em comum a iniciação na música já pelo acordeom. No caso de Kramer, o começo foi em casa, pois o pai também era gaiteiro - no Rio Grande do Sul, sanfona é "gaita". Seu primeiro CD solo, "A casa", tem composições suas e alheias afinadas com a tradição gaúcha (de influência argentina).

- Como todo jovem, tive a fase de renegar as raízes, mas depois voltei a elas e passei a reciclar tudo. Não há por que o acordeom ficar estigmatizado como estava, na base do "é regional ou nada" - diz Kramer, radicado no Rio há quatro de seus 34 anos.


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Manoel Messias Pereira

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