domingo, 15 de abril de 2012

Um bar que era uma salada

Vão longe os bons tempos da noite rio-pretense. Todos aqueles que curtiram o fim de noite no centro da cidade lembram com saudades do fervor noturno e dos tipos folclóricos a desfilarem e a passarem pelas calçadas e pelos bares. Os amantes da vida airada, os boêmios, tinham como ponto de encontro a Salada Paulista.

Numa Rio Preto sem sofisticação dos luminosos, sem agitação dos atuais reustaurantes das avenidas, o que brilhava na salada era o alto teor etílico das conversas, convivendo lado a lado, falar de seus sonhos e fantasias, os cidadãos comuns, as prostitutas, os homossexuaais, intelectuais e até mesmo um ao outro colunista social. Todos acotovelados e debruçados sobre o balcão a engolir doses entre pedaços de pizza e outros, enquanto o sol não chegava.

Como lembrar sem rir a chegada da Vandeca, toda cheia de anéis e medalhas ao estilo de Idi Amim Dada, sempre ranheta com todos aqueles que a provocavam. xingando-os de "tupamaros e terroristas", dizendo-se ser do SNI e ser amiga do general Figueredo.

Pouco acima, na esquina, era o ponto do "Toninho da Francal", homossexual famoso por ser bom de briga e gostar de inverter os papéis. Era amigo do  "Chacho" e do "Dom Gutierrez", figura mitológica do mundo gay da cidade. Logo abaixo ficava a Casa Rignani, que tinha em seu interior  vitrines com animais empalhados, em sua frente ficava sempre o "Quirera", um mendigo que garregava uma lata e utilizava como zabumba.

A noite ficava mais culta e inteligente quando no bar o "Prof.Enjoras", homem de certa idade, que com sua calça escura amarrada com barbantes, uma velha "Conga" a vestir seus pés, seu desodorante era sempre um velho e surrado livro sobre o marxismo. Usuário de fina ironia, sarcasticamente desprezava a maioria de seus interlocutores e emocionava-se ao falar da Revolução Russa de 1917, do sonho socialista. Amava Lênin, via com reservas os tropeços de Stalin e do PCB. Homem de grande cultura, "Prof.Enjoras" cuspia ao falar; conhecia seis idiomas. Sua "loucura" não o permitia aceitar o sistema capitalista.

No caixa do Salada, o sempre quieto e reservado Nelson. Na porta e na calçada, sempre à espera de uns trocados, uma mendiga, a Clarisse, que portava uma flor artificial parecida com o girassol a adornar seus cabelos. Volta e meia aparecia por lá o "Caruaru", histórico carregador de malas na rodoviária.

Colado ao Salada, logo abaixo, ficava a Barbearia do Sardinha, tipo exôtico com unhas longas e curvadas a "la Ze do Caixão". Sardinha andava sempre de roupa preta.

"Crack", na época era uma definição do futebol e não da droga. Poucos falavam em cocaina. Somente a maconha que tinha como símbolo o "Bola Sete", legendário usuário e traficante, hoje com 76 anos, metade deles passado na cadeia.

O Salada de hoje esta mais bonito e mais limpo, possui até um canteiro lindamente florido à sua frente, cuja manutenção é bancada pelo bar. No caixa ainda estão por lá o seu "Arnaldo" e o seu "Dito". Dos frequentadores históricos estão por lá toda a tarde a falar de tudo, o "Armando Rosa", o Bagdá", o "Vicente" conhecido como Pé, o" Bueninho", cantor de tango, que trabalhou com o Roberto Farah no Automóvel Clube. Ainda passa por ali o cidadão comum, os apreciadores da boa pizza de mussarela, a prostituta e até mesmo a versão malandra do jogador de tampinha. Sem dúvida, o Salada está com a cara mais familiar. Falta o glamour e a riqueza histórica de seus antigos personágens.

Nós os frequentadores da noite de outras épocas, éramos todos ingenuos navegantes, se comparados com os viajantes afetamínicos de hoje.

Sem dúvida, as noites eram mais alegres e seus amantes mais felizes.




Ademar Bortolomei
(Cavaco)


Cronista
São José do Rio Preto-SP

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Manoel Messias Pereira

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