sexta-feira, 6 de abril de 2012

Gunter Grass agita seus atabaques no Suddeutsche Zeitung



Paulo Rosebaum

Günter Grass acaba de agitar seus atabaques ao publicar no Süddeutsche Zeitung, em seguida reproduzido em outros jornais e mídias da Alemanha, um poema de quase setenta versos identificando Israel como A ameaça à paz mundial.



Ninguém duvida que o ganhador do Nobel de 1989 tenha lá motivos para expor o país hebreu e adicionar seu nome à legião infame que dá cobertura e credibilidade à intolerância que cresce pela Europa, e não só por lá. Em geral, o endosso que vem da intelligentsia – foram pálidos os poucos chiados de reação -- se oculta no discurso amparado pela retórica de esquerda. Mas o que restou da esquerda? Precisamos recuperar a memória: é verdade, houve uma esquerda.



Hoje reduzida e rendida ao anacronismo baseado quase que exclusivamente na demonização anti-imperialista e numa grandiloquência mais nostálgica que autocrítica. O apoio de intelectuais e artistas europeus ao jihadismo, por exemplo – autojustificada como contra-propaganda aos norte americanos e à direita que cresce nas urnas – não consegue sobrevida diante da análise. A racionalização sempre busca meios para justificar impulsos inconscientes. E a pulsão atual está nua: é capaz de se alinhar com qualquer rebeldia que, por exemplo, pegue em armas contra colonizadores e supostos espoliadores da nação. Por isso mesmo, estampas racistas viraram rotina. O baú de infâmias, antes lacrado, definitivamente se rompeu nas mídias e o fenômeno é mundial. Agora periodistas e articulistas continentais armam suas pistolas e disparam um tiro no próprio pé, bem no meio das redações.



O poder de persuasão dos escritores sempre foi superestimado mas quando alguém empresta sua pena à causa, seja ela qual for, precisa assumir o risco de que a obra toda inscreveu-se automaticamente no tribunal histórico, o único que julga com isenção. O problema é que Grass não está sozinho nessa perigosa vertente devidamente acomodada no manto anti-israelense. É muito mais confortável ser identificado como obstinado antagonista do Estado hebreu, que caçador de judeus.



Convenhamos, é outro status.



Ah, dizem alguns, condenar um País não é, necessariamente, atacar seu povo, a etnia ou a religião que professam os que ali habitam. Depende. Para o bem ou para o mal, Israel tem sido encaixado numa perspectiva de “pacote”, e mesmo considerando que existem um milhão e meio de cidadãos árabes-israelenses a condenação quase maciça da Mídia às ações governamentais daquele País traz sempre uma única conotação, a de se trata afinal de um “país de judeus”. Pois é essa evocação subliminar, às vezes explicitada, que confere às críticas ao País o caráter de condenação coletiva do povo judaico.



O conflito israelo-palestino é somente um precário e ordinário pano de fundo para a assustadora retomada, desde que os nazistas foram derrotados pelos países aliados, do mito do judeu dominador. E lá vamos nós de novo resgatar mitologias destrutivas. As projeções de estrelas de David – tradicional emblema judaico – no show de Roger Waters poderiam ser só alusões estéticas e não motivo de preocupação. Porém quem viu o show sabe que insinuações suscitadas pelas projeções não são paranoias. Associam abertamente o emblema ao dinheiro, aos especuladores, e, portanto ao mal do mundo.



Além disso, o socialista Gunther tem um probleminha adicional. Precisou omitir de sua biografia por décadas a militância nazista na 10ª Panzerdivision Waffen-SS, pois, como admitiu depois, isso prejudicaria sua carreira. Realmente, se os sábios de Estocolmo sabem de uma coisa dessas...



De qualquer modo, o antissemita alemão se associa ao seleto grupo de gente que o antecedeu, como o poeta fascistófilo Erza Pound e contemporâneos como Tarek Ali. Numa entrevista por aqui o paquistanês analisou seletivamente os desvios dos americanos e israelenses sem dar o menor contrapeso à belicosidade do regime iraniano – nem uma palavra! -- ou a sanha xenófoba de regimes islâmicos contra minorias cristãs e de outras etnias em vários países árabes. A desonestidade intelectual passa, necessariamente, pela seletividade com que se elegem os alvos.



Se o Estado de Israel comete erros – e decerto os comete – eles não devem ser separados do contexto que cerca as delicadas circunstâncias em que são cometidos, ainda que, para alguns deles, não deve haver complacência. O regime dos aiatolás é um problema bem mais nocivo ao mundo, assim como o abandono do povo sírio à própria sorte deveria pesar na consciência – se houvesse uma -- dos dirigentes chineses e russos.



Uma estranha passividade hipnotizou a vida. Mas o mundo, que testemunha explosões de intolerância, rebeliões e fanatismo não está interessado em refrear o empuxo de guerra entre os povos. Parece que basta observar e a calma reina ao nomear como natural o incremento das hostilidades como “choque de civilizações”. E está na cara que a maior prova de nem termos alcançado o estatuto de civilização, será se realmente o tal choque ganhar vida.



A história mostra que tanto omissão como resignação tem um preço, e desta vez, pode não haver mais desconto para fornecedores.







*Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo”. (ed. Record)



paulorosenbaum.wordpress.com












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Manoel Messias Pereira

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